Arquivo mensal: Maio 2019

Vários – “Música Portuguesa – Grandes Expectativas”

Pop-Rock 16.01.1991


MÚSICA PORTUGUESA grandes expectativas

Se 1990 foi o ano das confirmações dos grandes nomes, mas também o da inexistência de um circuito alternativo que pudesse prometer a continuação do cenário, já há muita gente a tentar reagir contra isso. Pelo menos há uma grande esperança em relação ao aparecimento de projectos novos, que ainda assim pouco se vislumbram. Será 1991 um ano de grande explosão de vias alternativas impostas pela aparente estagnação do meio?
Algumas pistas parecem apontar nessa direcção, senão atente-se na qualidade de nomes consagrados dispostos a arriscar em projectos fora do habitual. Uma dessas pistas passa mesmo pela grande vontade de altar as fronteiras e mostrar no estrangeiro o que se vai passando por cá. Serão tudo promessas de ano novo?

ANTÓNIO M. RIBEIRO
Nova editora discográfica, discos a solo e com os UHF, tornée intensiva



Como sempre, os UHF têm uma agenda recheada para o ano em curso. Concertos não faltam e parece que discos também não. António Manuel Ribeiro, mentor e porta-voz habitual do grupo, é organizado e prepara com antecedência todas as suas actividades, isto é, não brinca em serviço. É peremptório: “Este ano, os UHF vão realizar uma série de concertos, já assinados, que farão parte da pré-temporada em relação ao Verão, que será muito intenso.” Quanto a discos, há projectos muito concretos: edição de single antes da época estival, “que será como que um aperitivo do álbum de originais a editar depois do Verão”. Mais bombástica é a intenção da banda de Almada criar a sua própria editora, destinada a editar e promover novos valores e, muito provavelmente, os próprios UHF, o que deixa antever uma rotura definitiva com a Edisom, à qual ainda se encontram ligados.
1991 vai ser o ano do lançamento a solo de António Manuel Ribeiro. Depois de uma primeira apresentação no Teatro Tivoli, integrada na campanha do MASP e que foi “até certo ponto uma brincadeira, embora tivesse sido minimamente preparada” (a apresentação, não a a campanha como é evidente…), tenciona continuar a trabalhar com os mesmos músicos que o acompanharam nessa ocasião e publicar o seu primeiro disco a solo ainda antes das férias grandes.
António Manuel Ribeiro anda no meio musical há muito tempo e conhece-o como poucos. Não tem pejo em criticar uma situação que julga cada vez mais deteriorada: “Em relação ao mercado discográfico, as coisas estão cada vez pior.” A editora que pensa criar pretende lutar contra tal situação: “Acho que nos devemos meter um bocado ao barulho. Ao fim destes anos todos de críticas constantes ao sistema, o que temos de fazer neste momento é apresentar-nos dentro desse próprio sistema e produzir, ao fim e ao cabo, novos grupos, novos artistas e novas ideias.”
O líder dos UHF não poupa as editoras: “A Europa e o confronto com 1992 deixou-as num deserto de ideias.” E diz ainda: “Toda a gente se queixa, desde os artistas aos próprios chefes das editoras, mas o que é um facto é que os disparates continuam semanalmente a ser os mesmos.” Refere-se a disparates como “gastar dinheiro mal gasto, de que são exemplo os melhores de contos perdidos em estúdio, em projectos sem pernas para andar” e adianta soluções: “A música portuguesa precisa sobretudo de descobrir novos valores, mas também de segurança e garantias de viabilidade financeira, sob riscos de [as editoras] se tornarem meros financiadores discográficos.” Acusa novamente: “Mas nada tem sido feito para que isso aconteça e as editoras são talvez as principais culpadas do insucesso prático que se verifica. O público não é parvo. As pessoas não compram os discos só porque são lançados cá para fora com grandes parangonas de promoção, mas que depois resultam em fracasso.” Excepções a estas estratégias mal orientadas, encontra-as António Manuel Ribeiro nos dois extremos do leque editorial: um dos casos é um dos “grandes” selos nacionais, o outro um pequeno, independente, e, segundo o cantor, “cada qual com um projecto viável para a música portuguesa”. De resto, 1991 será mais uma ano do “deixa andar”.

JOÃO PESTE
Regresso dos Pop Dell’Arte em várias frentes, reactivação da Ama Romanta, perspectiva internacional



João Peste é uma das poucas personagens que conseguiram alcançar estatuto de vedeta pop apenas com trabalho a nível alternativo. Membro fundamental dos Pop Dell’Arte e grande catalisador das ideias do grupo, não parou por aí e decidiu fundar a Ama Romanta, a primeira das editoras independentes a apostar na música nova. João Peste e o Acidoxibordel foi também um dos projectos, algo efémero, que entretanto erigiu. Os Pop Dell’Arte, que após alguns anos de actividade decidiram “fazer um intervalo” de carreira, vão agora regressar com um grande pacote de promessas, já para o início deste ano: a reedição de “Free Pop”, único longa duração do grupo até à data, e a edição da colectânea “Arriba! Avanti! Pop Dell’Arte”, que irá conter todo material editado pelo grupo e não incluído no álbum “Free Pop”. Estão também preparados concertos de reintrodução do projecto, inclusive no estrangeiro, havendo bastante optimismo em relação a essa perspectiva internacional e está em curso a realização de um vídeo sobre o tema “Illogik Plastik”.
A Ama Romanta vai voltar à actividade, esperando-se a edição de um disco de originais dos Pop Dell’Arte lá mais para a frente, além da edição do projecto “Alix na Ilha dos Sonhos”, elaborado a meias com Nuno Rebelo. A reactivação poderá também agitar o meio com a edição de outras bandas, o que será um ponto positivo a favor da renovação do circuito alternativo da música urbana, que João Peste considera ter estado por baixo no ano que passou. Ele acredita também em trabalhos de outras bandas que não a sua, esperando que nomes como Mão Morta, Rádio Macau, Santa Maria, Gasolina Em Teu Ventre!, Vítor Rua e More República Msónica possam de alguma forma assinar bons trabalhos em 1991.
Jorge Dias

PEDRO AYRES MAGALHÃES

Luís Maio

MIGUEL ÂNGELO

Luís Maio

RUI REININHO
GNR em estúdio, Gala anti-sida em Lisboa, cumplicidade Alexandre Soares



Este ano, os GNR entrarão em estúdio “quando lhes apetecer”, de preferência a partir de Março, que é, para Rui Reininho, “um bom mês, primaveril”, ideal para se gravar, sobretudo se for em Carcavelos. São capazes de apostar no estrangeiro: “deve ser fácil, cá é tão difícil, há tanta má vontade, que lá fora não pode ser pior.” São capazes de ter razão.
Grandes concertos parece que não vai haver. A não ser em Fevereiro, numa gala em Lisboa, uma intervenção “pequenina”, mas decerto que empenhada. Tem de ser, pois trata-se de “uma daquelas coisas de solidariedade, com uma recolha de fundos e apoios para a investigação da sida, com a participação de pessoas muito caridosas”. Para os GNR é importante “essa história do vírus”.
Já Rui Reininho, em particular, parece voltado para outro lado: Vai trabalhar de novo com o seu antigo companheiro nos GNR, Alexandre Soares, na feitura musical de uma peça de Sam Shepard.
Para 1991, o vocalista da banda portuense acredita nas virtudes das organizações camarárias, que podem desempenhar um papel importante na divulgação da música portuguesa, caso do espectáculo que deram o ano passado na Alameda, mas “com um bocadinho menos de romaria”. Falta organização, mas é capaz de “não haver estruturas para isso”.
Como na Alameda, que foi o que se sabe. Fazer coisas dessas sem segurança pode ser perigoso, só nós, que somos malucos. Se tivesse sido, por exemplo, em Milão, tinha havido gente ferida, esfaqueada, confrontos.” Mesmo assim “sentem” os apoios das câmaras, embora sejam “um bocado eleitoralistas”. 1991 vai ser ainda um ano de proibições, com as bandas proibidas de tocar em bares, “por causa dos horários, barulho, essas coisas todas. Apenas vai continuar aquela pressão das pessoas beberem copos”. Também não parecem acreditar muito nas editoras e ouviram falar de “recessão”. Enfim “é a guerra” – diz Reininho. “Acho que vai haver guerra!”

RUI VELOSO

Jorge Dias

RODRIGO LEÃO
Composição nos Sétima Legião, digressão nos Madredeus, projecto a solo



Rodrigo toca baixo e é um dos membros fundadores dos Sétima Legião. Depois iniciou, de parceria com Pedro Ayres Magalhães, o projecto Madredeus, onde se ocupa das teclas. É um dos personagens mais determinantes e influentes da nova música portuguesa, embora não seja muito vistoso nem vocacionado para afirmações sensacionalistas. Em 1991, dividirá a sua actividade entre as duas formações que integra. Quanto aos Sétima Legião têm poucas actuações agendadas, sendo duas delas no estrangeiro (Bélgica e Canadá). O objectivo desta formação não é, de resto, actuar ao vivo, antes estão mais preocupados em começar a compor e tocar material para um novo trabalho de estúdio, sucessor do triunfante “De Um Tempo Ausente”, lançado no Natal de 1989. É um trabalho mais a médio prazo e não é provável que seja editado antes dos finais deste ano/princípio do próximo. Diametralmente oposta é a ideia dos Madredeus, cuja digressão é para já a sua grande prioridade.
Para além das duas coisas, Rodrigo planeia também desenvolver este ano o seu projecto a solo que define como um trabalho de sintetizadores com computadores e surge na sequência da encomenda para a banda sonora do filme de estreia de Manuel Mozos. O artista encontra-se em negociações para a publicação do disco resultante com uma editora local. Com tanta coisa que fazer, Rodrigo está naturalmente um pouco à margem do trabalho alheio. “Tenho estado um bocado afastado do panorama local. As coisas que tenho ouvido… Acho é que há uma série de grupos que têm conseguido sobreviver.”

SÉRGIO GODINHO
Curtas metragens, programas de televisão, concertos em Goa e Macau



“Escritor de Canções”, Sérgio Godinho parece este ano apostado em explorar outros tipos de linguagem: vídeo e cinema. Já tem gravados dois dos seis programas que tenciona apresentar na televisão sob o genérico de “Luz na Sombra”, série que explora algumas das principais funções inerentes à produção musical – como recentemente explicou, em entrevista concedida ao PÚBLICO. Além disso, tenciona realizar e produzir quatro filmes, quatro curtas metragens, no fundo “extensões de trabalhos de ficção que habitualmente faz em canção”. “Anda tudo ligado”, como ele próprio diz. Discos, este ano, só se estes projectos falharem. Quanto ao espectáculo “Escritor de Canções”, que alcançou grande sucesso enquanto esteve em cena no Instituto Franco-Portugais, tenciona levá-lo a Goa e Macau já em Fevereiro.
Para o ano em curso, espera da música portuguesa que surjam coisas novas, mas que não sejam “indigestas”. É de opinião, no entanto, que adiantar mais qualquer coisa, seria como “fazer previsões sobre a guerra no Golfo”. Assim, acha que “todas as hipóteses estão em aberto”. Segundo ele, “criatividade é o que não falta e em Portugal é uma coisa estimulante”. Infelizmente parece que o que falta mesmo é “um mercado, mesmo para os consagrados. O consumo não é tão extenso como isso e o que há são casos esporádicos, como o Rui Veloso, de facto um fenómeno, mas que não faz a Primavera”. De resto, o costume: “A nível de estruturas organizadas para ‘tournées’ e espectáculos ao vivo, a coisa não tem evoluído muito positivamente.”
Em relação ao tal apoio ou não das câmaras municipais, lamenta que o panorama esteja “um bocado em recessão”. O rock é ainda assim quem menos razões tem para se queixar: “As câmaras acham que a juventude quer sobretudo rock e é como se lhe desse um brinde. Depois, há aquela facção adepta das canções tipo Marco Paulo e tudo é encaminhado para í.” Na questão de concertos, “devia dar-se prioridade a ‘tournées’ comerciais, inclusive com patrocínios, mas que sejam viáveis”, aponta. É que da maneira como as coisas estão, criaram-se, segundo ele, certos “vícios”, quer no público quer nos organizadores, com espectáculos gratuitos, mas sem qualquer espécie de condições. “É importante que as câmaras promovam a cultura, mas com o entendimento das estruturas necessárias para o fazer.”

XANA
Novo álbum dos Rádio Macau e investimento num circuito alternativo



A Xana é uma das poucas faces femininas que conseguiu vencer no meio rock nacional. Rádio Macau foi o grupo que a popularizou, mas, como outros nomes consagrados, já começou a participar noutras aventuras. O Johnny Guitar foi a primeira – uma aposta de peso na música moderna portuguesa. A Xana também intervém nela, agenciando grupos e fazendo relações públicas. Uma forma dos elementos da velha guarda patrocinarem as novas gerações e motivarem a renovação do meio. A vocalista dos Rádio Macau acredita no desenvolvimento que entretanto foi conseguido na música moderna portuguesa, nestes últimos dez anos, a nível de produções de espectáculos, de feitura de discos e de condições de trabalho a nível geral, mas constata facilmente a inexistência de um movimento paralelo de bandas novas. O velho problema que ela pretende contrariar sempre que puder. Previsões não arrisca, “porque até nunca foi muito boa nisso”. No entanto acredita que, se não existir uma renovação do meio e um constante aperfeiçoamento das condições, tudo pode morrer, porque estas coisas nunca estão seguras. Apetência do público já existe e bandas também, falta agora dar-lhe condições.
Os Rádio Macau, mediante um trabalho constante, já ultrapassaram o problema e prevêem alinhar um novo disco, a terminar em Novembro de 1991. Será diferente como têm sido os discos anteriores do grupo, mas ainda não está definido. O Luís Sampayo, o baterista que entrou recentemente para a formação e também pertence aos Pop Dell’Arte será um bom motivo gerador de novas influências. Outros projectos também estão na calha, mas como o segredo é a alma do negócio, “não se adianta nada, porque, por enquanto, não há certeza deles”.
Jorge Dias

ZÉ PEDRO

Jorge Dias

Vários – “Um Guia Seleccionado Para A Música De Quatro Décadas Que Se Reeditou Em 90 RAROS, INÉDITOS e REEDITADOS” – Fernando Magalhães e Luís Maio

Pop-Rock 09.01.1991


Um Guia Seleccionado Para A Música De Quatro Décadas Que Se Reeditou Em 90
RAROS, INÉDITOS e REEDITADOS
Fernando Magalhães e Luís Maio


Depois das glórias dos anos 50 e 60, foi a vez de o sumo da década de 70 e da primeira metade da de 80 alimentar em 90 a indústria dos fundos de catálogo. Essa orientação de mercado parece, contudo, não corresponder a alguma nostalgia instantânea pelo que acabou ou ainda está a passar – e muitas das compilações em causa integram e foram lançadas em simultâneo com novos singles. Houve sim uma espécie de adaptação ao mercado da música do sistema de montagem em série com variações mínimas de pormenor, corrente por exemplo no ramo automóvel. Prova disso, outra tendência dominante foi voltar a reeditar tudo o que ainda há pouco se reeditara, mas em diferentes embrulhos sob o lema das retrospectivas definitivas, em luxuosas caixas de CD, com aliciantes suplementares de títulos inéditos, gravações raras e “takes” alternativos. Importa também notar que, se o fluxo de reedições no resto da Europa foi em 90 tão grande, ou nalguns meses superior ao das edições de originais, as companhias portuguesas não parecem ter compreendido as potencialidades desse mercado (em contraste com algumas lojas de importação). Isso mesmo se poderá constatar neste guia pela ausência maioritária de representantes locais para tais reedições.

A divisão do guia por décadas é estritamente operatória

ANOS 50

THE EVERLY BROTHERS
Perfect Harmony (Knight Evy)

Todos os hits dos famosos manos, desde a estreia nos tops em 57 com “Bye Bye Love”, até à ligação com os Beach Boys para “Don´t Worry Baby”. Parce que sem eles os Simon & Garfunkel nunca teriam passado de meninos de coro.

GENE VINCENT
Boxed Set (Capitol)




Uma das grandes lendas mortas do rock ‘n’ rol, o preferido dos inadaptados, o eleito dos clã motorizados. “Be Bop A Lula” e tudo o resto reempacotado em CD para velhos adolescentes de alma rebelde sob o uniforme de executivos.

JOHNNIE RAY
Cry (Bear Family)

Celebrado como o primeiro “crooner” do rock ‘n’ rol, professor de Elvis nessa matéria, Ray parece não ter tido tanta felicidade na escolha do seu reportório de coberturas de negros, ou pelo menos não lhes comunicou tanto carisma em estúdio.

LITTLE RICHARDS
His Greatest Recordings (Ace)




Duas dúzias de pérolas do negro que assustou toda uma geração de pais americanos e, antes de se converter ao divino, inventou o vocábulo mais significativo da língua inglesa do pós-guerra, “Awopbopaloobopalopbambooom”.

THE SHIRELLES
The Collection (Castle)

Vinte e quatro lembranças queridas, ou tantos hits do tempo em que as Shirelles introduziram um modelo de singela “coqueterie” (para sempre?) no vocabulário do rock ‘n’ rol.

SCREAMIN’ JAY HAWKINS
Voodoo Jive (Rhino)

Aproveitando a reabilitação como gerente de hotel no “Comboio Mistério” de Jim Jarmusch, o pioneiro do rock ‘n’ rol foi recuperado nesta compilação das peças essenciais do seu show surrealista. Mesmo hoje, parece impossível que alguém pudesse cantar em semelhante grau de desarranjo.

ANOS 60

BEACH BOYS
“Pet Sounds”, “Surfin’ Safari” / “Surfin’ USA”, “Surfer Girl” / “Shut Down, Vol. 2”, “Little Deuce Coupe” / All Summer Long”, “Todo” / “Summer Days (and Summer Nights)”, “Summer Dreams” (Capitol, distri. EMI-VC)




Até “Pet Sounds”, os Beach Boys foram os meninos de ouro, queridos na Costa Oeste e, mais tarde, no resto dos Estados Unidos. Meninos da praia, reis do “surf” e das intricadas harmonias vocais, das raparigas de sardas e rabo-de-cavalo e dos descapotáveis eram a coqueluche das “garage band” da época. Brian Wilson, o génio da família, queria mais. “Rubber Soul”, dos Beatles, espicaçou-lhe o orgulho e a veia criativa. Decidiu que tinha de fazer melhor e há quem diga que o conseguiu. Com “Pet Sounds”, por muitos considerado um dos melhores álbuns de sempre da música popular. Um naipe de fabulosas canções e uma revolucionária utilização das técnicas de estúdio, tornam o disco incontornável. Depois foram os próprios Beatles a querer ainda mais além – “Sergeant Peppers” seria o disco e a lenda.
Cada uma das actuais reedições inclui quatro ou cinco faixas extra – as habituais versões alternativas ou simples experiências de estúdio. Nos textos das capas, Brian Wilson conta parte da história e explica como foi. “Summer Dreams” é uma colectânea que inclui a maior parte dos temas famosos da banda. “Good Vibrations”. Para sempre.

BEE GEES
The Very Best (Polydor)

or aqui se vê que eram melhores imitadores dos Beatles que divas da “febre” disco dance.

THE BYRDS
The Byrds (CBS)




Caixa de quatro CD, contendo a maioria dos temas que cobriram de glória a banda americana percursora do “psychedelic rock” de tendências rurais. Guitarras cristalinas que fizeram escola (frequentada entre muitos, pelos R.E.M.) e vozes que serviam excelentes melodias funcionam como máquinas do tempo que nos leva direitinhos à época das grandes explorações de estúdio e ideologias a condizer. A caixa contém novas misturas e versões alternativas de temas antigas, interpretações ao vivo de “Mr. Tambourine Man” e “Turn! Turn! Turn!”, bem como quatro temas extraídos de um concerto recente em que de novo se juntaram Roger McGuinn, David Crosby e Chris Hillman, “Younger Than Yesterday”, “The Notorious Byrd Brothers”, “Sweethearts Of The Rodeo”, momentos mágicos de uma era (aparentemente) dourada. Canções, pois claro, a “Eight Miles High”, vibrando para sempre no éter estelar.

DONOVAN
The Collection, Donovan Rising (See For Miles)




Parece mentira, mas é verdade: O homem da voz doce e tremelicante ressuscitou das profundezas de “Atlantis”, mais gordo, mas cósmico e florido como nunca. Para além da colectânez e do álbum ao vivo, lançou ainda este ano o novo “One Night In Time”. Os psicadélicos devem-lhe alguma coisa, talvez as flores. Gravou uma obra-prima que poucos conhecem – o duplo “HMS Donovan”, tão belo e absurdo como Alice no país das maravilhas. Chegou a ser rival de Dylan. Hoje os Butthole Surfers homenageiam-no com a sua interpretação de “Hurdy Gurdy Man”. Homenageiam-no é uma forma de dizer…

ERIC CLAPTON
Clapton Conversation (London Wavelenght)

Depois desta caixa de três discos com Eric Clapton a botar discurso na rádio, porque não meia dúzia de CD da celebridade a cantarolar no duche?

HERMAN’S HERMITS
The EP Collection (See For Miles)

Odiados nos anos 60 pelas elites como campeões da patetice, os Hermits são agora reabilitados a título de porta-vozes de eleição da inocência dos anos 60, numa compilação que alterna os hits imediatos com títulos que, apesar de não terem conhecido os favores da altura, por isso mesmo resistiram melhor ao tempo.

JIMI HENDRIX
Cornerstones, 1967-1970 (Polydor)

Quatro temas por ano. A ordem e simetria são muito bonitas. Greenaway procederia assim. O guitarrista era menos ordenado, o génio explodia-lhe da alma até à guitarra, em chamas. Hendrix não se compadece com cronologias. Pertence à eternidade. “Hey Joe, Are You experienced?” Ao pé dele somos todos meninos.

THE KINKS
“Kinks”, “Kinda Kinks”, “The Kink Controversy”, “Face To Face”, “Something Else By The Kinks”, “Live At The Kelvin Hall”, “Are The Village Green Presrvation Society”, “Arthur Or The Decline And Fall Of The British Empire”, “Lola Versus The Power Man And The Moneyground, pt. One”, banda sonora de “Percy”. (Castle)

Inglaterra, nevoeiro, chá das cinco, bosques verdes, Londres, Big Bem, Picadilly Circus, Ray Davies, Dave Davies, os Kinks. Sobretudo Ray Davies, o “dandy” preocupado em cantar o declínio do império. As reedições em CD reproduzem as capas originais e abrangem toda a obra fundamental da banda londrina. “Arthur” não apanhou o comboio das óperas rock, arrastado pela velocidade de “Tommy”, dos rivais “Who”. Quase tudo são hits que fizeram uma época e que assobiaremos para sempre no coração. “You Really Got Me”, “Sunny Afternoon”, “Waterloo Sunset”, “Death Of A Clown”, “Victoria”, “Shangri-La”. Roupas e vozes muito coloridas. Londres parecia então um arco íris.

RIGHTEOUS BROTHERS
Unchained Melody (Verve)

Já não se façam canções românticas deste classicismo. Se se fizessem, por que razão haveria um filme tão chunga quanto “Ghost” de ressuscitar um tema com 25 anos para os primeiros postos de vendas dos tops mundiais?
Rolling Stones

ROLLING STONES
Hot Rocks, More Hot Rocks (London, distri. Polygram)

A pretexto dos Stones 1990, a reedição dos seus êxitos no catálogo London. Passa sem muita discussão que aqui se encontra tudo ou quase tudo o que interessa nos Stones, e teria sido menos cansativo e incomparavelmente mais elegante editarem só estas colectâneas no lugar de “Steel Wheels”.

STEVE MILLER BAND
Best Of 68-73 (Capitol)

Tem tudo a ver com a recuperação de “The Joker” no recente anúncio da Levi’s. Mais ou menos o mesmo que a prévia “Anthology” sob outra ordem.

SMALL FACES
The Ultimate Collection (castle), The Singles A’s & B’s (See For Miles)




Se, na altura da explosão mod inglesa, os Who foram os que mais fizeram negócio, os Small Faces devem ter sido os mais originais e dinâmicos, extrapolando com classe as coordenadas soul e r&b para um contexto branco. Estas colectâneas são provas indiscutíveis.

TIM BUCKLEY
“Dream Letter, Live In London 1968”

Duplo CD contendo temas inéditos do autor de “Goodbye and Hello”, “Starsailor” e “Look At The Fool”. 1968 foi o ano em que se apresentou pela primeira vez ao público londrino. Uma voz, guitarra acústica, baixo e vibrafone (absolutamente encantatória a introdução de “Hallucinations”) chegaram para criar uma atmosfera mágica, intimista e irrepetível. Tim Buckley nunca parava de cantar, mesmo no intervalo entre duas canções. Como se sabe, só a morte o impediu de continuar.

VAN MORRISON
The Best Of (Polydor, distri. Polygram)
É quase um crime reduzir a obra discográfica do irlandês a escassas duas dezenas de títulos. A boa desculpa desta compilação é serem os favoritos do próprio artista na altura da resenha.

ANOS 70

BUZZCOCKS
The Peel Sessions Album (Strange Fruit, distri. Anónima)

Oportunidade para recordar Pete Shelley, acreditado como o poeta oficial do punk e um dos ídolos de Morrissey, nas gravações para o programa de John Peel, em Setembro de 1977, no zénite da sua eloquência desesperada.

CHIC
Megachic (Atlantic)

Depois das remisturas que lançaram o revivalismo “Chic”, os originais, ou seja, aquilo por que os Chic hoje valem ainda a pena serem recordados.

DAVID BOWIE
Changes Bowie, Space Oddity, The Man Who Sold The World, Hunky Dory, Aladin Sane, Pin Ups, Diamond Dogs (Emi)

Primeiras peças do grande teatro Bowie, acrescidas em CD, de temas bónus – novas misturas, “takes” de estúdio, brincadeiras. Claro que se trata de álbuns todos eles fundamentais, como fundamental é a totalidade da sua obra até “Scary Monsters / Super Creeps”. Daí para a frente o “Thin White Duke” trocou o teatro pelo cinema e os resultados são um pouco para esquecer, não havendo “Tin Machine” que lhe valha. Antes era diferente. Era sempre diferente. De álbum para álbum. De máscara para máscara. De comum entre “Space Oddity” e “Diamond Dogs” existe apenas essa extraordinária capacidade de se metamorfosear e a facilidade com que produzia fabulosas experiências musicais, sempre à frente do seu tempo. Indispensável. Toca a trocar os discos por CD!

THE ENID
Touch Me, Six Pieces, The Spell, Final Noise!

O melhor de uma dessas bandas sinfónicas que o punk sepultou, agora ressuscitada em CD como pioneiros da “nova idade”.

ISAAC HAYES
Black Moses (Stax)

O épico de 1971 reeditado num CD duplo para consolo dos iluminados da época e educação dos actuais aprendizes do funk filosófico. Apoteose acabada de um dos maiores profetas da música negra deste século.

THE ISLEY BROTHERS
Forever Gold (Epic)

Ainda não foi a reedição integral destas glórias da fusão soul/rock dos anos 70, que hoje se estima mais estimulante que na altura, mas do melhor nos seus primeiros quatro álbuns no selo próprio T-Neck.

JOHN LENNON & YOKO ONO
The Interview, (BBC) The Ultimate Lennon Box Set (Parlophone)




Duas horas de conversa entre John e o jornalista Andy Peebles, gravada para a Radio One, com a japonesa a interromper de vez em quando. As ideias, a generosidade e ingenuidade de um visionário que acreditou até ao fim que o mundo podia ser melhor. Quanto à caixa são os discos pós Beatles que já toda a gente conhece nu embrulho luxuoso para revigorar o apetite.

JONATHAN RICHMAN AND THE MODERN LOVERS
Great Recordings (Essencial)

Jonathan Richman, o tipo de Boston que à saída da Factory de Andy Warhol tropeçou num buraco negro e foi dar às filmagens de um secreto re-make de “O Feiticeiro de Oz”, retratado nos seus momentos de mais brilhante alucinação.

KATE BUSH
This Woman’s Work (Emi)

O trabalho todo – nove álbuns que incluem os seis discos de originais até agora gravados em estúdio, mais 31 lados B de singles, uma faixa extra retirada da colectânea “the Whole Story” e dois temas em francês, “Ne T’En Fuis Pas” e “Un Baiser d’Enfant”, num total de noventa e oito canções. Chega e sobeja para nos arrepiar.

KEVIN AYERS, JOHN CALE, ENO, NICO
June 1, 1874 (Island)




Imemorial reunião de quatro das personalidades mais bizarras da pop. Hoje, Nico, “deusa da Lua”, brilha na escuridão do firmamento. Ayers deixou os copos, deixando também para trás a genialidade dos cinco primeiros álbuns, trocada pelo sol de Maiorca. Cale continua a ser aquilo que sempre foi: um bom compositor, com esporádicos lampejos de génio. Eno forçou a que se inventassem novos sistemas de referência – sozinho, vai redescobrindo o silêncio e inventando novos universos. Há 16 anos provavam que a loucura pode ser partilhada, inflamados no vulcão de “Baby’s On Fire”.

KEVIN AYERS
The Collection (See For Miles)

O menino prodígio dos Soft Machine, que renunciou à alta-roda dos tops para cantar os prazeres e as amáveis alucinações da vida ao sol mediterrânico, em mais uma recapitulação que evita os delírios surrealistas em favor das baladas acessíveis e suaves.

LED ZEPPELIN
Remasters, Led Zeppelin (Atlantic)

No primeiro caso trata-se de três discos, ou dois CD, preparados e tratados em estúdio por Jimmy Page, numa operação de cosmética destinada a valorizar o material passado para o “compacto”. No segundo, os números passam para o dobro: Seis discos, quatro CD. 54 temas que incluem os bónus “Travelling Riverside Blues” e “White Summer / Black Mountain Side”, gravados em 1969 numa sessão para a BBC, nova versão do clássico da percussão “Moby Dick” e “Hey, Hey What Can I Do”, originalmente o lado B de “Immigrant Song”.

MADNESS
One Step Beyond; Absolutely; The Rise & Fall (Virgin)

Melhor banda “new wave” com humor britânico, recordada numa edição limitada de três “Picture discs”, talvez demasiado composta para recheio tão achicalhado.

MARC BOLAN & T. REX
My People Were Fair And Had Sky In Their Hair… Prophets, Seers And Sages, Unicorn/Beard Of Stars, Electric Warrior”, Bolan Boogie, The Slider, Tanx, Zinc Alloy And The Hidden Riders Of Tomorrow, Bolan’s Zip Gun, Futuristic Dragon, “Dandy In The Underworld, The Collection. (Castle)




Era uma espécie de David Bowie a uma escala menor. Mestre do “glamour” e da poesia “naif”, Marc Bolan era o Merlin dos adolescentes, cobrindo de lantejoulas e melodias pop um universo de fábula. Tyranossaurus Rex, assim se chamava o duo inicial – guitarra acústica, bongós e uma voz de encantar. Depois foi a electricidade e o rock em hits como “Hot Love”, “Get It On” e “Telegram Sam”. Infelizmente as letras dos álbuns da época “mística”, não constam nos CD. Também “T. Rex”, álbum de transição para a fase eléctrica não teve direitos de reedição. Deste disco apenas quatro faixas aparecem nas colectâneas “Bolan’s Boogie” e “The Collection”. Já não há flores na cabeça das pessoas.

MONTY PYTON
Monty Pyton Sings (Virgin)

Mais que larachas cantadas, canções verdadeiras que fazem rir, a prova dos nove dos Monty Python no terreno do “vaudeville”.

NICK DRAKE
Five Leaves Left, Brayter Layter, Pink Moon, Heaven In A Wild Flower (Island)

Obra completa do poeta da melancolia. A música de Drake cai na alma como folhas no Outono. Trsitemente. À luz da lua. Morreu muito novo, depois de caminhar pela loucura em câmara lenta. Passou despercebido na altura em que todos queriam ser sinfónicos. Ele cantava, apenas, com voz frágil, a passagem do tempo e das ilusões. Joe Boyd, responsável e amigo do artista, autorizou a venda do catálogo Witchseason à Island, na condição de esta manter permanentemente em “stock” os discos do poeta. “Heaven In A Wild Floer”, título do romântico William Blake para a colectânea do mesmo nome, sintetiza a essência da visão que Nick Drake em vida cantou e, depois da morte, decerto alcançou.

PETER GABRIEL
Shaking The Tree – 16 Golden Hits 8Virgin, distri. Edisom)

Foi o próprio Gabriel quem escolheu, e agora o seu segundo álbum a solo não está entre os seus preferidos, mas sobretudo o mais recente “So”. Sendo assim, se calhar, não valia a pena fazer compilação nenhuma.

QUEEN
Queen At The Beed 1973 (Band Of Joy, distri. Anónima)

A curiosidade de descobrir que, nas secções de gravação prévias ao álbum de estreia, a estrela dos Queen era Brian May. Do mal teria sido o menos…

SOFT MACHINE
The Peel Sessions (Strange Fruit)




Duplo álbum gravado durante as célebres sessões de John Peel, num período compreendido entre 1969 e 1971. Na época, Hugh Hopper acabara de substyituir Kevin Ayers e a banda alcançava com o duplo “Thrid” a sua obra-prima absoluta, após os psicadelismos pop dos dois primeiros discos. Destaque para a participação nalguns temas da secção de metais constituída por Elton Dean, Lyn Dobson, Marc Charig e Nick Evans (que colaboraria também em “Third”) e de uma nova versão de “Moon in June”, a clássica e terna liturgia esquizofrénico-vocal de Robert Wyatt, aqui com letra alusiva ao locutor. Mike Ratledge e Elton Dean tornam a coisa mais complexa.

THE STRANGLERS
Greatest Hits 1977-1990 (CBS, distri. CBS port.)
Agora saiu Hugh Cornwell, amanhã, se calhar, Jean Jacques Burnell vira actor de cinema, ou qualquer coisa no género. Os hits dos Stranglers, esses, são sempre os mesmos. Pelos vistos, o que muda é o pretexto.

SUICIDE
1/2 Alive (Contempo)




Alan Veja e Martin Ver gravaram, durante uma carreira de vinte anos, três álbuns de estúdio. Neste disco aproveita-se tudo o que ficara até agora de fora: gravações caseiras e inéditos ao vivo, gravados entre 1974 e 1979. “Harlem II”, “Going to Las Vegas”, “Space Blue”, “Long Talk”, “Speed Queen”, “Love You”, “Cool as Ice” e “Dreams” são alguns dos originais incluídos no disco. O ritmo da sociedade industrializada à beira do caos tocado por Ver em serra elétrica e cantado por Veja, encarnando o espectro cavernoso e reverberado de Elvis Presley. Implacável.

TELEVISION
The Blow Up (Danceteria)
Peça essencial para enriquecer a magra discografia da mais carismática banda nova-iorquina de guitarras na fase “new wave”, onde as duas faixas de cerca de 14 minutos, gravadas ao vivo em 1978, chegam e sobram para demonstrar o virtuosismo explosivo da dupla Tom Verlaine / Richard Lloyd.

ANOS 80

ABC
Absolutely (Phonogram, distri. Polygram)

O fim do contrato dos ABC com a Phonogram deu origem a esta compilação dos anos em que durou (81-89), com justo destaque para os títulos do LP de estreia “Lexicon Of Love”. O caso acabado dos tipos que são melhores a fingir mundos e fundos que a chorar as desgraçadas dos subúrbios.

CARMEL
Collected (London, distri. Polygram)




Jazz estilizado, gospel incendiário, pop distanta, conjugados numa fórmula harmónica que, ao longo de sete anos, nunca vingou nos tops, mas fez sempre as delícias das elites de bom gosto. Só os distraídos preferem a colectânea aos discos originais.

JOE JACKSON
Ntepping Out (A & M, distri. Polygram)

A colecção de mais de uma década de êxitos falhados, mas de muito prestígio, que acabaram por fazer a A & M meter Jackson no olho da rua.

THE FALL
458489 A-Sides, 458489 B-Sides (Beggars Banquet, distri. Anónima




Um disco para as faces A, outro para as B dos singles que os Fall editaram entre 84 e 89, os seus anos na Beggars Banquet. Mark Smith fica uma vez mais reiterado, é único companheiro de Morrisey na fé de que o público nunca se farta de lhe comprar discos por atacado.

THE GO-BETWEENS
1978-1990 (Beggars Banquet, distri. Anónima)
Os Go-Betweens acompanharam de perto as mais sinuosas elipses do coração apaixonado ao longo demais de uma década sem colherem grande contrapartida financeira. Esta compilação faz-lhes justiça alternando os seus clássicos com material que foi ficando pelo caminho.

MADONNA
The Immaculate Collection (Sire, distri. Wea)




Os hits da escaldante senhora e mais nada, dos inícios electrodisco nos primórdios da década de 80 até ao bailado “voguing” nos inícios dos anos 90. Como remate, a mesma história de sempre, quer dizer, mais um single para encher o olho no pequeno ecrã, onde pela milésima vez a loura avantajada justifica as suas fraquezas carnais.

MANTRONIX
The Best Of (1986-1988) (10 rec, distri. Virgin)

Pioneiros algo inglórios da actual febre de sincretismo dançante, os Mantronix viram o seu material antigo recuperado nesta compilação graças ao hit menor, mas recente “Got To Have Your Love”.

MOMUS
Monsters Of Love Singles (1985-90) (Creation, distri. Anónima)

Um tipo que se tornou francamente chato e afectado, cujas boas recordações estão todas aqui, porque o actual já ninguém tem paciência para aturar.

MORRISSEY
Bono Drag (His Master Voice, edi. EMI-VC)

Na sequência do ensaio frustrado para o segundo álbum a solo, Morrissey iludiu a crise editando primeiro um vídeo de concerto e em seguida esta compilação dos seus singles em nome próprio. A eloquência poética e a chama vocal não se apagaram, mas este material transpira a ausência de um cúmplice nos arranjos à altura de Johnny Marr.

NEW ORDER / JOY DIVISION
Peel Sessions (Strange Fruit, distri. Anónima)




Esboço de retrato da evolução do mais cinzento projecto britânico de finais dos anos 70 para a banda independente de dança mais brilhante dos 80, através das sessões gravadas pelas duas formações para o programa de John Peel. Sem surpresas, só pelo prazer de recapitular.

PUBLIC IMAGE LTD
Greatest Hits (Virgin, distri. Edisom)

O grande profanador de crina multicolor Johnny Lydon reciclado nos seus hits pós-Pistols, na liderança da “experiência” Public Image. Se isto não fosse uma compilação, mas um disco de originais, os PIL, seriam com certeza maiores que os Pistols.

THE TEARDROP EXPLODES
Everybody Wants To Shag The Teardrop Explodes (Fontana, distri. Polygram)

O terceiro álbum “perdido” dos Teardrop Explodes, com o título pretendido para o primeiro. Cinco faixas foram incluídas num EP que saiu em 83, duas retomadas depois a solo por Julian Cope, restando assim de facto cinco inéditos. Mais uma sequência de esboços que de canções acabadas, peça sobretudo dedicada aos colecionadores.

TALK TALK
Natural History (Parlophone, distri. EMI)

Estranhamente, depois de os Talk Talk terem assinado em “The Spirit Of Eden” um enorme salto qualitativo, percorrendo sinuosos caminhos algures entre a pop e a música ambiental, eis que a Parlophone os despediu. O êxito comercial da compilação cronológica sequente foi um verdadeiro certificado de incompetência para o seu sector de “artistas e reportório”.

Penguin Cafe Orchestra – “A Arte Do Desequilíbrio Perfeito” (concertos / antevisão / artigo opinião / discografia)

Pop-Rock 09.01.1991 – concertos / artigo de opinião


A Arte Do Desequilíbrio Perfeito

São como uma orquestra de circo, exótica e colorida – seis pinguins de corpo humano que arribam a Portugal para nos fazer cócegas e confundir. Clássicos e folclóricos, os Penguin Café Orchestra deitam abaixo todos os castelos sem que ninguém lhes leve a mal. O melhor é não tentar compreender.



O verdadeiro cómico nunca se desmancha. Conta as piadas sem se rir, como deve ser. A “troupe” Penguin Café Orchestra é assim mesmo: não para de brincar. Sempre com ar sério, violinos e pautas para desconcertar. São danados para a brincadeira. Pegam em tudo, nos sons todos que fazem o folclore do mundo, abanam um bocadinho os alicerces, não muito, da tradição e entretêm-se a ver como seria se fossem eles os demiurgos.
Simon Jeffes é o maestro da banda da fantasia. Um sonhador. De um sonho nasceu a designação do grupo. Café de pinguins, como poderiam ser ursos polares ou focas. Sonhos frios. Esquisitos. Os bichos em causa têm corpo humano, como aparecem nas capas dos discos. Tocam tambores, ukeleles, dançam, apanham sol. Os mais pequerruchos andam de triciclo.

Obscuros

Brian Eno reparou neles, como não podia deixar de ser. Brian Eno repara em tudo o que é diferente. Eles eram. Produziu-lhes a estreia em disco, intitulada simplesmente “Music From The Penguin Café”, dos menos obscuros gravados para a Obscure. A capa original era como todas as outras da editora – um quadaradinho de luz aberto sobre paisagem urbana escurecida. Anos mais tarde, a E.G. apagou a noite, substituindo-a pelos pinguins, refrescando-se à luz do sol. Comparada com os assombramentos oceânicos de Gavin Bryars ou os malabarismos conceptuais de John Cage, Jan Steele, Michael Nyman, Chritopher Hobbs ou Tom Philips, na altura juntos e “obscuros”, a música dos Penguin Café Orchestra soava a sol, a brinquedos tocados por meninos a quem deixaram brincar aos “clássicos”. Na época, não se parecia com nada. Rock não era. Clássico muito menos. Para folclore havia erudição e electrónica a mais. Experimentais, talvez?… Se se quiser… embora nesta categoria não haja quase nunca espaço para dançar, nem para o simples prazer de tocar.
Percebe-se que SimoncJeffes se diverte a confundir as mentes menos ginasticadas. Ou talvez queira que acreditemos nele, à boa maneira elegante dos excêntricos genuínos. De 1974, ano em que começaram a gravar o primeiro álbum, até hoje, consolidou-se o discurso, tornado entretanto familiar pelo hábito e o gosto pelo bizarro, característico do século.

A Vida No Circo

Em seis anos gravaram outros tantos álbuns, entre os quais um mini de reduzida circulação. Os três primeiros permanecem, até à data, como os melhores: “Music from the Penguin Café” (1976), “Penguin Café Orchestra” (1981) e “Broadcasting from Home” (1984). Era a novidade, mas não só. Havia o gosto pelo risco, a vontade de tudo experimentar. A procura de um equilíbrio entre todos os géneros musicais que se diria impossível de alcançar. Ao fim e ao cabo, se não o conseguiram, pelo menos, honra lhe seja feita, fizeram gala em exibir o espectáculo esplendoroso do desequilíbrio perfeito. Ainda e sempre uma brincadeira?
“Signs of Life” (1987) e “When in Rome” (registo ao vivo, 1988) são mais calmos e previsíveis. Quase clássicos, se a palavra não soasse, neste caso, a perversão. O mundo, para os Penguin Café Orchestra, é um circo aberto a todas as idades. Da História, fazem tábua rasa. Cantam e tocam, com a mesma seriedade distanciada, o tradicional épico “Giles Farnaby’s Dream” e temas que intitulam solenemente de “O som de alguém que amas, que se vai embora e isso não interessa”, “As calças de Pitágoras” e “O êxtase de pulgas dançarinas”. Tê uma especial predilecção por feijões.
Utilizam em disco e em palco, muitos instrumentos, acústicos, cómicos e electrónicos: ukelele (o nosso cavaquinho), cuatro, acordeão, as cordas todas, dulcitone, harmónio, oimnichord, kalimba, a lista continua. Há quem os leve muito a sério ou exactamente o contrário – a banda “folk” irlandesa Patrick Street inclui, no seu último álbum, o tema “Music For a Found Harmonium”, como se de um clássico tradicional se tratasse. Admirável mundo novo. Hoje, em Coimbra, no Teatro Gil Vicente, sexta em Lisboa, no Teatro S. Luiz, e sábado no Porto, Simon Jeffes, Geoffrey Richardson, Helen Liebman e mais três explicam por sons a lógica da “Rua Sésamo”. Histórias estimulantes, como por vezes se contam no café.

OS DISCOS

“MUSIC FROM THE PENGUIN CAFÉ” (1976, Obscure, reed. E.G.)
Estreia magistral. O caos sob controlo. Canções falsamente folclóricas alternando com longas sequências (ZOPF”, “The Sound of Someone…”) em que a electrónica serve para ligar caixinhas de música à corrente. Pequenos “trompe l’oeil’ melódicos de fazer arrebitar o ouvido. Pinguins à solta. Uma delícia.

“PENGUIN CAFÉ ORCHESTRA” (1981, E.G.)
Superdivertido. O “non-sense” como lógica irredutível, elevado à dignidade de grande arte. O tal das “caçlças de Pitágoras” e das pulgas em êxtase. Canções curtas em extensão, mas enormes em capacidade criativa e subversão inocente. Como as calças do filósofo.

“BROADCASTING FROM HOME” (1984, E.G.)
Na senda dos anteriores trabalhos, opta no entanto por vias mais declaradamente “clássicas”, como em “Heartwind”, com predomínio das cordas, ou ambientais como o satiesco “Now Nothing”. “Music by Numbers” prossegue o fascínio pela matemática utilizada à avessas.

“SIGNS OF LIFE” (1987, E.G.)
Dissipado um pouco do fascínio da trilogia inicial, tornada previsível, a música dos pinguins perdeu em novidade o que ganhou em seriedade. Como se brincar fosse agora uma coisa muito séria. O que antes era alegria de criança não passa aqui de riso amarelo. Também… A vida não é só brincar…

“WHEN IN ROME” (1988, E.G.)
Gravado ao vivo na capital italiana, o disco serve apenas para demonstrar mais uma vez o reconhecido virtuosismo dos músicos. Nenhum original, de uma das bandas mais originais de sempre da música popular. Os Penguin Café preparam-se para editar brevemente um disco gravado com orquestra, das verdadeiras… À atenção da Gulbenkian…