Arquivo da Categoria: Concertos

Resistência – “Peça De Resistência” (concerto na TV)

televisão e rádio >> domingo, 26.12.1993
DESTAQUE


Peça De Resistência

OS RESISTÊNCIA são talvez o grupo mais amado e mais odiado da música popular portuguesa da actualidade. Amados por hordas de um público maioritariamente adolescente e suburbano, que encontram nas versões de Pedro Ayres, Miguel Ângelo, Tim, Fernando Cunha, Fernando Júdice, Alexandre Frazão, José Salgueiro, Fred Mergner e Olavo – a formação actual dos Resistência – um lenitivo para as maleitas causadas por uma vida mal-iluminada e com futuros quase sempre pouco risonhos para oferecer. Odiados sobretudo por alguma concorrência, que não lhes perdoa terem “descoberto” a fórmula milagrosa que faz vender os discos.
Essa receita, se é que existe uma, dava antigamente pelo nome de “mensagem”. Consistia em ter algo para dizer, acreditar nesse algo, e cantar e tocar em conformidade. Foi assim que procederam os Resistência, ao fazerem suas e entregarem de bandeja a toda uma geração filha do vazio mas ávida de infinito as canções portuguesas, antigas e modernas, que julgam relevantes, reunidas e servidas num novo contexto.
Claro que há sempre quem levante o dedo acusador e ponha a banda sob suspeita, bradando aos céus: “Hipocrisia!”. São os que não perdoam ao ex-herói ter feito a ponte até José Afonso com passagem pela festa do “Avante!”. Os que não compreendem a inteligência e as coisas da psicologia. No fundo, uma certa arte de navegar.
Se em relação à atitude – ou ao que se julga perceber dela – a podemos aceitar ou não, já a música, despojada da sua carga simbólica e significante, é passível de crítica. São notórios, sobretudo nas actuações ao vivo, um peso e uma falta de mobilidade paquidérmicas. Será das guitarras a mais que pedem licença para não se atropelarem ou das vozes por vezes mal oleadas, será da falta de ginásticato é que nem sempre os sons estão à altura das intenções.
Aconteceu um pouco isto no espectáculo que os Resistência deram em Dezembro do ano passado no Armazém 22, em Lisboa. Num cenário de morgue industrial, feito de néon e metal, houve a celebração de um ritual onde o ruído e a ausência de condições se conjugaram para tornar irreconhecíveis as palavras e deformados até à monstruosidade os sons. O que, mesmo assim, não foi suficiente para esfriar os ânimos de uma assistência de milhares de jovens enleados numa rede de tensão, sôfregos de canto e de participação, ávidos de verem projectados o filme dos seus sonhos. Os Resistência, um grupo de intervenção?
TV 2, às 13h55

Santana – “Sacred Fire” (vídeo | VHS)

pop rock >> quarta-feira, 22.12.1993
VÍDEOS


SANTANA
Sacred Fire
Polydor, distri. Polygram, 97”, venda directa



O disco é fraco. O vídeo é chato. A vida tem destas coisas. As coisas são como são e os Santana já deveriam há muito ter dado por encerradas as suas actividades. Infelizmente ainda por cá andam, com Carlos Santana a arder no fogo sagrado. O vídeo limita-se a mostrar, com toda a preguiça, que pode haver nestes “long forms” de espectáculos ao vivo as inexistentes peripécias do concerto recente realizado pela banda na Cidade do México. Às vezes, quando a música é má, as imagens compensam e podem justificar a aquisição da cassete. Não é o caso. Aliás, a regra deveria ser, para cada suporte na área do audiovisual, a existência, nas respectivas linguagens específicas, de um mínimo de originalidade e criatividade. Aqui não há nada que atraia o olhar para o ecrã ou o ouvido para as colunas. É a sensaboria do princípio ao fim: plano geral de banda, grandes-+lanos dos váriso executantes, “close ups” sobre alguns pormenores aleatórios do que se passou no palco, planos do público, de novo plano geral da banda, música a metro, os sentidos sem alimento que lhes mate a fome, a paciência a esgotar-se. Talvez com “sensorround”, talvez com ecrã gigante em cristais líquidos, talvez com uns Santana interactivos, “Sacred Fire” se deixasse ver com algum agrado. Assim como está tem tanto interesse como um taparuere e a vivacidade de uma múmia. (1)

Madredeus – “Madredeus No Centro Cultural De Belém – Cerimónia Solene”

cultura >> domingo, 12.12.1993


Madredeus No Centro Cultural De Belém
Cerimónia Solene


A celebração do costume, em tom mais solene. O novo templo de Belém não permite brincadeiras e os Madredeus cumpriram a preceito o seu papel. Tudo muito sério e empertigado, com os temas inéditos a diluírem-se numa sonoridade que ameaça provocar saturação. Eles prometem novos voos.



O Centro Cultural de Belém(CCB) intimida. Nos concertos do CCB, a música é por norma bem comportada, engravatada. Uma ocasião solene em que os artistas se vêem na obrigação de provar qualquer coisa. Foi assim com Vitorino, voltou a sê-lo com os Madredeus, nas noites de sexta e sábado no grande auditório. Entra-se no CCB como numa catedral. Com os Jerónimos de um lado e os esgotos do Tejo do outro é difícil não ver no CCB uma nova escola de descobridores. Uma pessoa entra anónima no CCB e sai de lá com apelido Gama ou Cabral.
Os Madredeus assinaram no templo, pejado de fiéis encalorados pelo ar condicionado ligado no máximo, mais um capítulo da história trágico-marítima da Pop nacional. Em termos de comunicação com o público não se pode dizer que tenham sido efusivos, limitando-se Teresa Salgueiro a um “boa-noite a todos” no princípio e um “obrigado a todos” no fim. Um dos pontos fortes foi a iluminação, entregue em mãos de mestre. Cada canção vestiu-se com uma pequena cenografia de luz, um quadro fugaz de reflexos e fulgores coloridos que ora aprisionavam a figura de Teresa Salgueiro numa pirâmide de raios brancos, ora faiscavam em relâmpagos laranja (jugo não ter havido aqui quaisquer intentos eleitoralistas), como aconteceu no instrumental “Slostício”.
Descontando uma certa ointoxicação provocada pela sobrexposição a temas como “O pastor”, “O ladrão” e “Vaca de Fogo”, que ficamos a trautear interiormente mesmo contra-vontade, numa relação insidiosa que ameaça transformar-se de amor em ódio, o concerto dos Madredeus pode considerar-se um êxito. Teresa Salgueiro, sem estar nos seus melhores dias (diga-se que os piores dias dela equivalem aos melhores para a maioria das outras cantoras), rubricou apesar de tudo momentos de excepção, ao longo da segunda parte do concerto, em “Maio maduro Maio” – versão do tema de José Afonso que integra o álbum de homenagem a este autor a publicar em breve – “Os senhores da guerra”, um inédito escrito por Francisco Ribeiro e, como vai sendo hábito, no ascético “O menino”, tema emblemático da religiosidade que ilumina o coração dos Madredeus, apresentado já em período de “encores”.
“Matinal” foi outro momento alto, com o tradicional dueto vocal de Teresa Salgueiro e Francisco Ribeiro (repetido em “O ladrão”) que cada vez mais privilegia as acentuações étnicas do canto. Idem para o instrumental “Açores” no qual ficou patente a interligação perfeita entre as guitarras de Pedro Ayres e José Peixoto.
Em conclusão: mais um triunfo para os Madredeus e alguns indícios de saturação. A banda soube criar um som original, certo, mas tem sentido dificuldades em renová-lo, ficando a pairar a ameaça de poder ruir sobre si próprio. Será mesmo necessário que os instrumentos (salvo honrosas excepções) toquem sempre todos ao mesmo tempo? Por que não explorar combinações parciais, criar novos espaços de silêncio, diversificar o leque tímbrico dos arranjos? Esperemos pelo novo álbum e pelas mudanças prometidas, com John Cale e Steve Hillage na agenda dos participantes. Porque se é verdade que por enquanto as pessoas gostam, também não é menos verdade que essas mesmas pessoas se saturam. Não há ovelhas que resistam a pastar sempre a mesma erva, pormelhor que seja o pastor.