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Penguin Cafe Orchestra – “A Arte Do Desequilíbrio Perfeito” (concertos | artigo de opinião | discografia)

Pop-Rock 09.01.1991 – concertos / artigo de opinião


A Arte Do Desequilíbrio Perfeito

São como uma orquestra de circo, exótica e colorida – seis pinguins de corpo humano que arribam a Portugal para nos fazer cócegas e confundir. Clássicos e folclóricos, os Penguin Café Orchestra deitam abaixo todos os castelos sem que ninguém lhes leve a mal. O melhor é não tentar compreender.

O verdadeiro cómico nunca se desmancha. Conta as piadas sem se rir, como deve ser. A “troupe” Penguin Café Orchestra é assim mesmo: não para de brincar. Sempre com ar sério, violinos e pautas para desconcertar. São danados para a brincadeira. Pegam em tudo, nos sons todos que fazem o folclore do mundo, abanam um bocadinho os alicerces, não muito, da tradição e entretêm-se a ver como seria se fossem eles os demiurgos.
Simon Jeffes é o maestro da banda da fantasia. Um sonhador. De um sonho nasceu a designação do grupo. Café de pinguins, como poderiam ser ursos polares ou focas. Sonhos frios. Esquisitos. Os bichos em causa têm corpo humano, como aparecem nas capas dos discos. Tocam tambores, ukeleles, dançam, apanham sol. Os mais pequerruchos andam de triciclo.

Obscuros

Brian Eno reparou neles, como não podia deixar de ser. Brian Eno repara em tudo o que é diferente. Eles eram. Produziu-lhes a estreia em disco, intitulada simplesmente “Music From The Penguin Café”, dos menos obscuros gravados para a Obscure. A capa original era como todas as outras da editora – um quadaradinho de luz aberto sobre paisagem urbana escurecida. Anos mais tarde, a E.G. apagou a noite, substituindo-a pelos pinguins, refrescando-se à luz do sol. Comparada com os assombramentos oceânicos de Gavin Bryars ou os malabarismos conceptuais de John Cage, Jan Steele, Michael Nyman, Chritopher Hobbs ou Tom Philips, na altura juntos e “obscuros”, a música dos Penguin Café Orchestra soava a sol, a brinquedos tocados por meninos a quem deixaram brincar aos “clássicos”. Na época, não se parecia com nada. Rock não era. Clássico muito menos. Para folclore havia erudição e electrónica a mais. Experimentais, talvez?… Se se quiser… embora nesta categoria não haja quase nunca espaço para dançar, nem para o simples prazer de tocar.
Percebe-se que SimoncJeffes se diverte a confundir as mentes menos ginasticadas. Ou talvez queira que acreditemos nele, à boa maneira elegante dos excêntricos genuínos. De 1974, ano em que começaram a gravar o primeiro álbum, até hoje, consolidou-se o discurso, tornado entretanto familiar pelo hábito e o gosto pelo bizarro, característico do século.

A Vida No Circo

Em seis anos gravaram outros tantos álbuns, entre os quais um mini de reduzida circulação. Os três primeiros permanecem, até à data, como os melhores: “Music from the Penguin Café” (1976), “Penguin Café Orchestra” (1981) e “Broadcasting from Home” (1984). Era a novidade, mas não só. Havia o gosto pelo risco, a vontade de tudo experimentar. A procura de um equilíbrio entre todos os géneros musicais que se diria impossível de alcançar. Ao fim e ao cabo, se não o conseguiram, pelo menos, honra lhe seja feita, fizeram gala em exibir o espectáculo esplendoroso do desequilíbrio perfeito. Ainda e sempre uma brincadeira?
“Signs of Life” (1987) e “When in Rome” (registo ao vivo, 1988) são mais calmos e previsíveis. Quase clássicos, se a palavra não soasse, neste caso, a perversão. O mundo, para os Penguin Café Orchestra, é um circo aberto a todas as idades. Da História, fazem tábua rasa. Cantam e tocam, com a mesma seriedade distanciada, o tradicional épico “Giles Farnaby’s Dream” e temas que intitulam solenemente de “O som de alguém que amas, que se vai embora e isso não interessa”, “As calças de Pitágoras” e “O êxtase de pulgas dançarinas”. Tê uma especial predilecção por feijões.
Utilizam em disco e em palco, muitos instrumentos, acústicos, cómicos e electrónicos: ukelele (o nosso cavaquinho), cuatro, acordeão, as cordas todas, dulcitone, harmónio, oimnichord, kalimba, a lista continua. Há quem os leve muito a sério ou exactamente o contrário – a banda “folk” irlandesa Patrick Street inclui, no seu último álbum, o tema “Music For a Found Harmonium”, como se de um clássico tradicional se tratasse. Admirável mundo novo. Hoje, em Coimbra, no Teatro Gil Vicente, sexta em Lisboa, no Teatro S. Luiz, e sábado no Porto, Simon Jeffes, Geoffrey Richardson, Helen Liebman e mais três explicam por sons a lógica da “Rua Sésamo”. Histórias estimulantes, como por vezes se contam no café.

OS DISCOS
“MUSIC FROM THE PENGUIN CAFÉ” (1976, Obscure, reed. E.G.)
Estreia magistral. O caos sob controlo. Canções falsamente folclóricas alternando com longas sequências (ZOPF”, “The Sound of Someone…”) em que a electrónica serve para ligar caixinhas de música à corrente. Pequenos “trompe l’oeil’ melódicos de fazer arrebitar o ouvido. Pinguins à solta. Uma delícia.
“PENGUIN CAFÉ ORCHESTRA” (1981, E.G.)
Superdivertido. O “non-sense” como lógica irredutível, elevado à dignidade de grande arte. O tal das “caçlças de Pitágoras” e das pulgas em êxtase. Canções curtas em extensão, mas enormes em capacidade criativa e subversão inocente. Como as calças do filósofo.
“BROADCASTING FROM HOME” (1984, E.G.)
Na senda dos anteriores trabalhos, opta no entanto por vias mais declaradamente “clássicas”, como em “Heartwind”, com predomínio das cordas, ou ambientais como o satiesco “Now Nothing”. “Music by Numbers” prossegue o fascínio pela matemática utilizada à avessas.
“SIGNS OF LIFE” (1987, E.G.)
Dissipado um pouco do fascínio da trilogia inicial, tornada previsível, a música dos pinguins perdeu em novidade o que ganhou em seriedade. Como se brincar fosse agora uma coisa muito séria. O que antes era alegria de criança não passa aqui de riso amarelo. Também… A vida não é só brincar…
“WHEN IN ROME” (1988, E.G.)
Gravado ao vivo na capital italiana, o disco serve apenas para demonstrar mais uma vez o reconhecido virtuosismo dos músicos. Nenhum original, de uma das bandas mais originais de sempre da música popular. Os Penguin Café preparam-se para editar brevemente um disco gravado com orquestra, das verdadeiras… À atenção da Gulbenkian…




Penguin Café Orchestra – “O Pinguim Não Despe O Fraque” + Penguin Café Orchestra – “Union Cafe” (entrevista + crítica de álbum | dossier)

pop rock >> quarta-feira, 29.09.1993


O PINGUIM NÃO DESPE O FRAQUE



“Imaginary World Music”, houve quem chamasse à música dos Penguin Café Orchestra, um híbrido de estilos e referências que hoje soa bastante menos radical. A banda, que começa por ser o espaço de concretização das ideias de Simon Jeffes, tem um álbum novo, editado numa multinacional. Chama-se “Union Café” e pisca o olho a temas e sons de álbuns anteriores. Pop de câmara ou seja lá o que for, a música ouvida neste café, tem menos piada e as experiências funcionam a um nível quase subliminar. Crise de crescimento ou fruto da maturidade, o Café Pinguim passou a reservar o direito de admissão.



Arredado, pelo menos de forma evidente, o elemento surpresa, da música dos Penguin Café Orchestra, compete-lhe agora apurar cada vez mais a vertente do classicismo. Se os primeiros álbuns – “Music from the Penguin Café”, “Penguin Café Orchestra” e “Broadcasting from Home” submetiam essa componente Às infiltração de músicas alienígenas, filtradas através de um humor subtil, “Union Café” afirma orgulhosamente a perfeição das formas e a depuração de uma linguagem que se cinge ao essencial. Se bem que permaneçam subentendidos e camadas profundas de significados, que aqui, em entrevista ao PÚBLICO, Simon Jeffes ajuda a desvendar.
PÚBLICO – É lícito considerar os Penguin Café Orchestra apenas a exteriorização de um projecto pessoal?
SIMON JEFFES – Digamos que eu sou o cérebro e os outros músicos são os braços e as pernas, o corpo. Se os diversos órgãos não funcionarem, o corpo não funciona.
P. – O novo disco soa bastante mais clássico que os anteriores, que recorriam bastante ao humor e a um intenso trabalho de estúdio.
R. – Penso que tem a ver com o tempo e com a idade [Simon Jeffes tem hoje 44 anos de idade]. Com o tempo tornei-me cada vez mais interessado no som de grupos que tocam sem qualquer tipo de amplificação. Para fazer isso é necessário escolher instrumentos cujo som se possa combinar, numa situação acústica, sem sistemas electrónicos. Isso leva a uma determinada selecção dos instrumentos. Por exemplo se tiver um trombone, um piano e um “ukelele” [instrumento havaiano, igual ao cavaquinho], não se vai conseguir ouvir o “ukelele”.
Isto levou-me a dar mais relevo ao que na aparência parece ser uma formação mais tradicional. A intenção não é ser tradicional, tem a ver com o modo como os instrumentos funcionam, quando tocam uns com os outros.



P. – Em “Union Cafe” os instrumentos dominantes são o piano e as cordas.
R. – A razão porque estou actualmente a tocar mais piano do que guitarra prende-se com a resposta anterior. O piano é umm dos instrumentos sem amplificação que soa mais claro.
P. – A frase que aplicaram à sua música “Imaginary world music”, diz-lhe alguma coisa?
R. – É engraçado porque eu mesmo usei uma frase semelhante, há cerca de uns dez anos: “folclore imaginário”. Na minha imaginação, vejo este lugar, o café Pinguim, e o seu folclore próprio. Nessa época prestávamos uita atenção à música étnica, talvez porque então a música clássica e a música pop não falassem connosco directamente, era como se faltasse qualquer coisa. Também nos interessávamos por movimentos como o surrealismo. O termo “folclore imaginário” surgiu porque eu sentia como que um hiato na minha experiência.

Música

P. – Encontra alguma explicação para a insistência com que os grupos folk, estou a lembrar-me dos Patrick Street e dos Matto Congrio, pegam no tema “Music from a found harmónium”?
R. – Escrevi essa peça no Japãp, em 1982. A razão do título prende-se com uma ocasião em que eu andava a caminha de noite por uma rua de Quioto e encontrei um “harmónium” [órgão de pedais] que alguém tinha deitado fora, na rua, como se fosse lixo.
Trouxe esse órgão para casa e foi nele que escrevi o tema. Tive a sensação curiosa de que o tema surgira de um lugar muito puro, não consigo explicar bem: desde que escrevi esse tema ele passou a ter a como que uma existência própria, com um apelo que parece funcionar em qualquer tipo de situações e culturas.



Cage Tomado À Letra

P. – No novo álbum aparece o tema “Yodel 2”, depois de ter havido “Yodel” em “Penguin Café Orchestra” e um “Prelude & Yodel”, em “Broadcasting from home”. A que se deve tal repetição?
R. – A razão por que uso o termos “yodel” é por se tratar de uma técnica na guitarra em que se puxa uma corda e logo de seguida se comprime o dedo sobre ela. Produz como que dois sons quase em simultâneo, dois sons que alternam muito rapidamente, numa maneira muito semelhante ao “Yodelling”, que é uma técnica vocal utilizada nas regiões alpinas, em que a voz oscila entre a nota fundamental e uma espécie de “falsetto”. É como se eu fizess “yodelling” na guitarra.
P. – “Cage dead”, outroion Café”, é uma referência explícita a John Cage?
R. – Sim, escrevi-o na altura em que Cage morreu, o ano passado. Escrevi-o muito rapidamente e baseia-se nas letras do seu nome, “C”, “A”, “G”, “E” [iniciais de notas, em inglês]. O mais estranho é que o ambiente geral, sem que tenha sido essa a intenção, soa como um cortejo funerário. Não exageradamente triste, mas revela um certo tom de solenidade.

Pitágoras Ao Telefone



P. – “Silver star of Bologna”, do novo álbum, remete para outros títulos anteriores relacionados com a Itália. Além disso os Penguin Café gravaram o seu disco ao vivo em Roma (“When in Rome”). A Itália exerce algum fascínio especial sobre si?
R. – Um impacte fulgurante. Por exemplo, escrevi “Silver star of Bologna” há dois anos, numa altura em que me foi dada a oportunidade de organizar um festival em Bolonha, num pátio de uma antiga prisão. Eram convidados músicos para tocarem lá, os Penguin Cafe Orchestra tocaram lá. O espaço tornou-se no próprio Café Pinguim durante um mês. Escrevi o tema como uma espécie de comemoração. Além disso costumamos fazer digressões frequentes por Itália.
P. – “Discover America” inclui excertos de temas tradicionais americanos…
R. – “Discover America” baseia-se inteiramente na minha descoberta, que consistiu em juntar três temas tradicionais. “Red river valley”, “When the saints” e “Home on the range”. Se se tocar estes três temas em simultâneo, sem qualquer adição de material harmónico, eles harmonizam-se mutuamente e produzem uma espécie de harmonia americana quintessencial. Soa um bocado como Aaron Copland, sobretudo um acorde que lembra “Appalachian Spring”. Penso que é notável, juntar três peças americanas e, sem querer, elas soarem a Aaron Copland.
P. – A Inglaterra é contemplada com “Lie back and think of England”…
R. – É uma peça de construção muito simples. A sensação que se obtém dela lembra-me um pouco os compositores românticos ingleses, como Elgar ou Vaughan Williams. Há um certo ambiente pastoril…
P. – É influenciado pelos compositores que citou?
R. – Sim, penso que isso é inevitável, quando se é inglês. A música desses compositores é bastante estimulante no mesmo sentido em que Copland é o compositor americano quintessencial. Penso que Elgar e Vaughan Williams representam a quintessência dos compositores ingleses. É lógico que, em certa medida, eu receba a sua influência.
P. – Em “Pythagoras on the line” utiliza o mesmo som telefónico que já havia utilizado em “Telephone & rubber band”, do segundo álbum, no qual, curiosamente, figura o tema “Pyrhagora’s trousers”…
R. – Sim, essa citação de “Telephone & rubber band” é um polirritmo no compasso de 5/4, que é o ritmo que se obtém quando se faz soar ao mesmo tempo o sinal de chamada e o sinal de “impedido”. A explicação para a presença de Pitágoras no título é porque eu sou um grande admirador dele, do que ele pensava sobre a música e das suas observações acerca das relações numéricas entre harmónicos, e das frequências específicas das notas de uma escala ou de séries harmónicas. Quando estou a escrever uma peça que é uma colecção de polirritmos, lembro-me sempre que o devo a Pitágoras.
P. – Dada as características da sua música, pode falar-se numa síntese de intuição e matemática?



R. – Mas não é sempre assim que toda a música deveria ser? [Risos]. Por mim, procuro criar esse equilíbrio. É tudo aquilo por que me esforço – tentar encontrar um equilíbrio entre as diferentes forças que existem dentro de nós e procurar racionalizá-las. Ou será melhor dizer, irracionalizá-las?…




PENGUIN CAFÉ ORCHESTRA
Union Cafe
Polygram, Distri. Polygram

UM CAFÉ DE LUXO


Muita da magia original deste grupo, cuja génese, afirma Simon Jeffes, se deve a um sonho, residia precisamente na dimensão onírica da sua música, na imprevisibilidade, na capacidade que o grupo demosntava de surpreender através de uma música difícil de catalogar, que tinha tanto de clássico como de herético. Álbuns como “Music from the Penguin Cafe”, produzido por Brian Eno, para a Obscure Records e posteriormente reeditado nas edições E. G., “Penguin Cafe Orchestra” e “Broadcasting from Home” continham este elemento de surpresa que tornava cada audição numa espécie de “puzzle” de resolução sempre diferente. Uma mistura estranha, que englobava elementos clássicos, despistagens étnicas e “pastiches” de música de câmara em registo assumidamente “naif”, em que a tecnologia de estúdio dava o toque final de diferença, com o recurso a montagens, colagens e truncagens de toda a ordem.
A partir de “Signs of Life”, porém, as coisas descambaram para o sério, como se Simon Jeffes tivesse descoberto de súbito a sua veia de grande compositor e achasse que valia a pena mostrar ao mundo que já não havia lugar para brincadeiras. Claro que não foi num ápice que as características, digamos surrealistas, da música dos Penguin Cafe se evaporaram, para em seu lugar ficarem apenas as grandes declarações eruditas. Aconteceu, porém, que esta faceta passou a figurar nos discos mais como autocitação do que como elemento criativo propriamente dito.
Nesse disco, como em “Union Cafe”, permanecem as rumbas, os tangos e outras danças localizáveis algures entre o mapa e o cabaré da imaginação, as pilhagens a folclores vários, o minimalismo saltitante das cordas e dos ritmos em sobreposição, mas tudo isto aparece de forma previsível, não admirando sequer a recorrência de alguns títulos de temas anteriores ou mesmo, como em “Pythagoras on the line”, o decalque sonoro explícito. Um pouco como baralhar de novo e voltar a dar as mesmas cartas, só que por ordem diferente.
Sintomático desta ausência de novas ideias é o facto de “Discover America”, tema que o compositor se limita a sobrepor três canções populares norte-americanas, tocadas em simultâneo, sem qualquer outra intervenção da sua parte senão de orientar o sistema, acabar por ser o maior factor de inovação num álbum que, de outro modo, se limita a polir arestas e a afirmar o primado da forma, segundo os cânones tradicionais. O que, por outro lado, representa ainda o reconhecimento das virtualidades do passado, nessa utilização de uma técnica em tudo idêntica à usada por Brian Eno, no segundo lado de “Discreet Music”. O café Oinguim tornou-se um café de luxo, onde não cabem mais as traquinices. É uma questão de nos resignarmos aos sinais exteriores de riqueza. Porque lá dentro o ambiente continua afinal a ser requintadíssimo. (7)

Penguin Cafe Orchestra – “A Arte Do Desequilíbrio Perfeito” (concertos / antevisão / artigo opinião / discografia)

Pop-Rock 09.01.1991 – concertos / artigo de opinião


A Arte Do Desequilíbrio Perfeito

São como uma orquestra de circo, exótica e colorida – seis pinguins de corpo humano que arribam a Portugal para nos fazer cócegas e confundir. Clássicos e folclóricos, os Penguin Café Orchestra deitam abaixo todos os castelos sem que ninguém lhes leve a mal. O melhor é não tentar compreender.



O verdadeiro cómico nunca se desmancha. Conta as piadas sem se rir, como deve ser. A “troupe” Penguin Café Orchestra é assim mesmo: não para de brincar. Sempre com ar sério, violinos e pautas para desconcertar. São danados para a brincadeira. Pegam em tudo, nos sons todos que fazem o folclore do mundo, abanam um bocadinho os alicerces, não muito, da tradição e entretêm-se a ver como seria se fossem eles os demiurgos.
Simon Jeffes é o maestro da banda da fantasia. Um sonhador. De um sonho nasceu a designação do grupo. Café de pinguins, como poderiam ser ursos polares ou focas. Sonhos frios. Esquisitos. Os bichos em causa têm corpo humano, como aparecem nas capas dos discos. Tocam tambores, ukeleles, dançam, apanham sol. Os mais pequerruchos andam de triciclo.

Obscuros

Brian Eno reparou neles, como não podia deixar de ser. Brian Eno repara em tudo o que é diferente. Eles eram. Produziu-lhes a estreia em disco, intitulada simplesmente “Music From The Penguin Café”, dos menos obscuros gravados para a Obscure. A capa original era como todas as outras da editora – um quadaradinho de luz aberto sobre paisagem urbana escurecida. Anos mais tarde, a E.G. apagou a noite, substituindo-a pelos pinguins, refrescando-se à luz do sol. Comparada com os assombramentos oceânicos de Gavin Bryars ou os malabarismos conceptuais de John Cage, Jan Steele, Michael Nyman, Chritopher Hobbs ou Tom Philips, na altura juntos e “obscuros”, a música dos Penguin Café Orchestra soava a sol, a brinquedos tocados por meninos a quem deixaram brincar aos “clássicos”. Na época, não se parecia com nada. Rock não era. Clássico muito menos. Para folclore havia erudição e electrónica a mais. Experimentais, talvez?… Se se quiser… embora nesta categoria não haja quase nunca espaço para dançar, nem para o simples prazer de tocar.
Percebe-se que SimoncJeffes se diverte a confundir as mentes menos ginasticadas. Ou talvez queira que acreditemos nele, à boa maneira elegante dos excêntricos genuínos. De 1974, ano em que começaram a gravar o primeiro álbum, até hoje, consolidou-se o discurso, tornado entretanto familiar pelo hábito e o gosto pelo bizarro, característico do século.

A Vida No Circo

Em seis anos gravaram outros tantos álbuns, entre os quais um mini de reduzida circulação. Os três primeiros permanecem, até à data, como os melhores: “Music from the Penguin Café” (1976), “Penguin Café Orchestra” (1981) e “Broadcasting from Home” (1984). Era a novidade, mas não só. Havia o gosto pelo risco, a vontade de tudo experimentar. A procura de um equilíbrio entre todos os géneros musicais que se diria impossível de alcançar. Ao fim e ao cabo, se não o conseguiram, pelo menos, honra lhe seja feita, fizeram gala em exibir o espectáculo esplendoroso do desequilíbrio perfeito. Ainda e sempre uma brincadeira?
“Signs of Life” (1987) e “When in Rome” (registo ao vivo, 1988) são mais calmos e previsíveis. Quase clássicos, se a palavra não soasse, neste caso, a perversão. O mundo, para os Penguin Café Orchestra, é um circo aberto a todas as idades. Da História, fazem tábua rasa. Cantam e tocam, com a mesma seriedade distanciada, o tradicional épico “Giles Farnaby’s Dream” e temas que intitulam solenemente de “O som de alguém que amas, que se vai embora e isso não interessa”, “As calças de Pitágoras” e “O êxtase de pulgas dançarinas”. Tê uma especial predilecção por feijões.
Utilizam em disco e em palco, muitos instrumentos, acústicos, cómicos e electrónicos: ukelele (o nosso cavaquinho), cuatro, acordeão, as cordas todas, dulcitone, harmónio, oimnichord, kalimba, a lista continua. Há quem os leve muito a sério ou exactamente o contrário – a banda “folk” irlandesa Patrick Street inclui, no seu último álbum, o tema “Music For a Found Harmonium”, como se de um clássico tradicional se tratasse. Admirável mundo novo. Hoje, em Coimbra, no Teatro Gil Vicente, sexta em Lisboa, no Teatro S. Luiz, e sábado no Porto, Simon Jeffes, Geoffrey Richardson, Helen Liebman e mais três explicam por sons a lógica da “Rua Sésamo”. Histórias estimulantes, como por vezes se contam no café.

OS DISCOS

“MUSIC FROM THE PENGUIN CAFÉ” (1976, Obscure, reed. E.G.)
Estreia magistral. O caos sob controlo. Canções falsamente folclóricas alternando com longas sequências (ZOPF”, “The Sound of Someone…”) em que a electrónica serve para ligar caixinhas de música à corrente. Pequenos “trompe l’oeil’ melódicos de fazer arrebitar o ouvido. Pinguins à solta. Uma delícia.

“PENGUIN CAFÉ ORCHESTRA” (1981, E.G.)
Superdivertido. O “non-sense” como lógica irredutível, elevado à dignidade de grande arte. O tal das “caçlças de Pitágoras” e das pulgas em êxtase. Canções curtas em extensão, mas enormes em capacidade criativa e subversão inocente. Como as calças do filósofo.

“BROADCASTING FROM HOME” (1984, E.G.)
Na senda dos anteriores trabalhos, opta no entanto por vias mais declaradamente “clássicas”, como em “Heartwind”, com predomínio das cordas, ou ambientais como o satiesco “Now Nothing”. “Music by Numbers” prossegue o fascínio pela matemática utilizada à avessas.

“SIGNS OF LIFE” (1987, E.G.)
Dissipado um pouco do fascínio da trilogia inicial, tornada previsível, a música dos pinguins perdeu em novidade o que ganhou em seriedade. Como se brincar fosse agora uma coisa muito séria. O que antes era alegria de criança não passa aqui de riso amarelo. Também… A vida não é só brincar…

“WHEN IN ROME” (1988, E.G.)
Gravado ao vivo na capital italiana, o disco serve apenas para demonstrar mais uma vez o reconhecido virtuosismo dos músicos. Nenhum original, de uma das bandas mais originais de sempre da música popular. Os Penguin Café preparam-se para editar brevemente um disco gravado com orquestra, das verdadeiras… À atenção da Gulbenkian…