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Tetvocal + Gabriel Yacoub + Pi De La Serra – “VOZES A TRÊS” (ciclo de concertos | antevisão)

pop rock >> quarta-feira >> 01.02.1995


VOZES A TRÊS



O CICLO TRIPARTIDO “SONS (DA) VOZ” PROpõe-se mostrar algumas das facetas do canto e da voz humana num contexto que passa pelos coros “a capella” dos portugueses Tetvocal, a balada de intervenção do catalão Pi de la Serra e o intimismo, entre o “folk” e o hermetismo confessional, do francês Gabriel Yacoub. Se é verdade que o grupo português surge como exemplo de um fenómeno recente, cuja extensão e longevidade estão ainda por definir, e tem provas dadas até agora apenas no seu álbum de estreia acabado de editar, uma compilação de interpretações “a capella” do que poderemos chamar “standards” da música ligeira nacional, a sua inclusão servirá de certa forma para aligeirar o discurso dos restantes nomes em cartaz, qualquer deles com uma música bem sedimentada no tempo e uma “mensagem” a transmitir.
Pi de la Serra, nome de resistente, trouxe para a canção catalã a carga política e o tom intervencionista que nos anos 60 fez frente ao regime franquista. É uma voz rude, de luta, referência obrigatória de uma escola que entre nós teve os seus representantes nos chamados baladeiros que o lendário programa televisivo Zip-Zip ajudou a popularizar. A mensagem de Gabriel Yacoub, pelo contrário, é de outro teor e insere-se em parâmetros de ordem exclusivamente musical. Saído da formação inicial do bardo bretão Alan Stivell, Yacoub viria a revelar-se como um músico de importância, se não maior, pelo menos igual à do mestre.
Se a Stivell não podemos negar o papel decisivo que desempenhou na emancipação da tradição musical bretã, bem como na defesa da língua e da cultura desta região e na recuperação da harpa céltica em França, a verdade é que Yacoub, menos regionalista, criou, com os Malicorne, as bases de, mais do que um movimento, uma estética (de estilização) que se estenderia a todo o território e viria a ser seguida e desenvolvida por dezenas de discípulos (não só em França!) importantes como os La Bamboche, Maluzerne, Le Grand Rouge ou os actuais Yole, entre muitos outros. Gabriel Yacoub e os Malicorne conferiram à música folk francesa o estatuto de nobreza e universalidade que hoje detém. Em Portugal vamos escutá-lo sozinho. A sua voz basta.

SONS (DA) VOZ
TEATRO MUNICIPAL DE SÃO LUÍZ LISBOA
– GABRIEL YACOUB –
Terça-feira * 7 de Fevereiro * 22h
– TETVOCAL –
Quarta-feira * 8 de Fevereiro * 22h
– PI DE LA SERRA –
Quinta-feira * 9 de Fevereiro * 22h

João Braga, Miguel Sanches, Maria Ana Bobone, Sancha Costa Ramos, Mafalda Arnauth, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix, Salvador Taborda-Ferreira – “João Braga Apresenta “Em Nome Do Fado”, No Teatro S. Luiz – ‘Nem Bairrista Nem Paroquial'”

cultura >> terça-feira, 31.01.1995


João Braga Apresenta “Em Nome Do Fado”, No Teatro S. Luiz
“Nem Bairrista Nem Paroquial”



João Braga vai cantar “Em Nome Do Fado”. Com amigos, como ele gosta. Miguel Sanches, companheiro de longa data, mais seis jovens com quem o futuro pode contar: Maria Ana Bobone, Sancha Costa Ramos, Mafalda Arnauth, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix e Salvador Taborda-Ferreira. Acreditam todos que o destino pode e deve ser cantado com alegria.

“Em Nome Do Fado” é não só o genérico do último álbum de João Braga e do espectáculo que vai decorrer, depois de amanhã, no Teatro S. Luiz, a partir das 21h45, mas também um programa de intenções. “Em Nome do Fado, do antigo e do novo, do de sempre”, diz o fadista, para quem esta música, “além de um sentido universal, tem um sentido cósmico, porque é o próprio destino, o destino do homem que é o encontro, um dia, com a sua eternidade”. Razões mais do que suficientes para o fado não ser “nem bairrista nem paroquial”.
Por isso, João Braga procura as palavras dos poetas. Como, antes dele, já o fizera Amália, quando, há anos, “escandalizou os nossos intelectuais” por ter ousado cantar o autor de “Os Lusíadas”. “Como é que uma fadista”, diziam, “se permite invadir a sacralidade de Luís de Camões e cantá-lo em fado?”
João Braga segue-lhe o exemplo, talvez “com um bocadinho mais de insistência”. Como costuma dizer, “a poesia foi, em termos intelectuais e de escola, a única coisa que Portugal deu ao mundo”.
Pelo auditório do S. Luiz passará, pela sua voz e da dos seus amigos, a poesia de Fernando Pessoa, Sofia de Mello-Breyner, Pedro Homem de Mello, Miguel Torga, Vinícius de Moraes e João Fezas-Vital – este último falecido há pouco tempo e de quem cantou o primeiro poema da sua carreira, “Saudades da Tua Voz”, um poema “de esperança”, gravado “no último dia de 1966”.
Resistente, juntamente com João Ferreira Rosa, contra o fado-canção que, nos anos 60, desvirtuou a essência do canto fadista, João Braga volta a assumir-se como defensor de uma postura tradicionalista que defenda os valores mais profundos de uma música que Amália, António dos Santos, Manuel de Almeida, Maria Teresa de Noronha ou ele próprio, entre outros, ajudaram a imortalizar. “A minha preocupação era, nessa altura, a mesma de hoje e de sempre: opor-me à proliferação do nacional-cançonetismo, como então se chamava às coisas de mau gosto.”
Essa mesma preocupação, manifestada a outro nível na descoberta de novos valores capazes de perpetuar a tradição, levou, para já, ao “apadrinhamento” de vários jovens que com ele vão estar no S. Luiz: Maria Ana Bobone, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix – os três já com um disco gravado em conjunto e intitulado, justamente, “Alma Nova do Fado” – e Sancha Costa Ramos. A estes vieram juntar-se duas aquisições mais recentes: Margarida Arnauth e Salvador Taborda-Ferreira, também já com um álbum de estreia, com título homónimo, recentemente editado.
“Estou plenamente convencido que vão deslumbrar”, diz o fadista, que neste grupo de jovens encontrou “uma mesma filosofia, de olhar para o fado como expressão tradicional do canto português”. E acrescenta: “Além disso, não curtem aquele fatalismo e aquela tragédia que muitos gostam de cultivar. Têm outra atitude, são pessoas muito alegres, tão alegres que até se podem dar ao luxo de cantarem estas coisas tristes e divertirem-se.”

Acima Da Voz, O Sentimento

Também, com uma média de idades a rondar os vinte anos, quem é que se entristece a cantar seja o que for? Miguel Capucho tem 20, estuda na Escola Hoteleira do Estoril e fala do fado como uma “paixão”, sobretudo pelos “poemas, pelas letras em si”. Gosta de Artur Ribeiro e das palavras de Alain Oulman.
Sancha Costa Ramos, 21 anos, estudante de educação infantil, participou no espectáculo “Fados”, de Ricardo Pais. Tem o fado colado à pele e à alma: “Ouço constantemente fado. Tudo: Amália, Carlos Zel, João Braga, Carlos Ramos. Vou para as aulas com o ‘walkman’, a ouvir fado. As minhas saídas são só aos fados, para ouvir ou cantar”. Sancha procura “pôr verdade” naquilo que canta: “O mais importante nem é a voz, mas o sentimento.” Quem já a ouviu sabe mesmo que é assim.
Com 22 anos, Rodrigo Costa Félix estuda, “mais ou menos”, na Universidade Católica, porque os seus interesses e dedicação inclinam-se cada vez com mais força para a música. Ao contrário de Sancha, “é raro ouvir fado”. E, quando o faz, é apenas “para ter referências e aumentar o reportório”: “O essencial é frequentar as casas de fado e conviver com as pessoas. Para crescer no fado.”
O espectáculo “Em Nome do Fado” será ainda a oportunidade para reescutar a voz de um fadista que, segundo João Braga, é dos mais “injustiçados” do nosso meio musical: Miguel Sanches, não profissional por opção. Gravou em 1969, para a antiga RCA, um EP, outro em 1970 e, mais tarde, um terceiro em 1977, na Orfeu. Depois, parou. Viajou até ao Algarve e aí permaneceu para se dedicar às suas ocupações profissionais, na área da hotelaria e do turismo.
Nos últimos tempos, decidiu inverter o processo, não rejeitando a hipótese de gravar um novo disco, embora seja da opinião de que “gravar por gravar, sem apresentar algo de novo”, não interessa. E volta a expor-se nos palcos, como aconteceu no espectáculo de João Braga, no ano passado, no Centro Cultural de Belém: “Quando a pessoa sabe, ou sente, que tem algum valor, ficar em casa, escondido, é quase pecado.”

Blaine L. Reininger – “Blaine Reininger Anima Noites De Lisboa, Coimbra E Porto – Programador De Excentricidades” (concerto

cultura >> sábado >> 29.10.1994


Blaine Reininger Anima Noites De Lisboa, Coimbra E Porto
Programador De Excentricidades



Se quisermos ser rigorosos teremos que definir a música de Blaine L. Reininger como anacrónica, primária e por vezes até aborrecida. Mas no concerto que o ex-Tuxedomoon deu em Lisboa, o bigode, as deixas, os esquecimentos, os desatinos e algumas boas canções fizeram cair por terra todas as reservas.

“Estou aqui para vos entreter!”. Estava dado o mote para uma noite de loucura e algum amadorismo no duplo sentido do termo: amante e artesanal. De casaco verde vivo, o tradicional bigode à macho latino e expressão aluada, Blaine L. Reininger presenteou o escasso público que na noite de quinta-feira acorreu ao teatro S. Luiz em Lisboa com um “show” onde o “kitsch”, o “nonsense”, as movimentações desajeitadas pelo palco e alguma desorientação foram compensadas pela personalidade, o humor e uma música simpaticamente anacrónica. A mesma receita usada ontem em Coimbra e prevista hoje para o Porto, no cinema do Terço Às 22 horas. Música que oscilou entre a “cold wave” e a “electropop” do início dos anos oitenta, a nostalgia elegante de uma Europa idealizada e romântica e a excentricidade pura e simples.
Blaine L. Reininger entrou a falar e a cantar em espanhol (ele é natural de S. Francisco mas tem ascendência mexicana), com “Gigolo grasciento”. Começou por arranhar o violino pra, à medida que se foi descontraindo, mostrar lá mais para a frente que afinal é um executante de grande talento. Esqueceu-se de meter uma disquete no computador de ritmos, deixou cair as pautas, tocou programações “Midi”, improvisou na guitarra eléctrica e nos teclados e cantou com a sua voz misto de Bowie, Pavarotti e taberneiro. Referiu o seu amor por Paris – “la cité de mon coeur” – que no “Autô (Outono) é muito “Spéciau”, recordou os Tuxedomoon, carregou em centenas de botões, e brincou com as palavras na criação de ambientes inusitados.
“The polar orbit”, tema novo para uma banda-sonora, “Café au lait de Mr. Mxzptlk”, uma “Paris” nostálgica e Satiana, “Letter from home”, “To the green door”, “Nocturne in seven”, “Metro”, “La tombée de la nuit” – sobre uma vidita ao cemitério parisiense do Père Lachaise (“porque é que as pessoas vão visitar Jim Morrisson quando estão enterradas lá pessoas bem mais importantes como Oscar Wilde e Guillaume Appolinaire?”, perguntou) e “Night air”.
Quando, após hora e picos de concerto, regressou ao palco para dois encores, preenchidos por temas dos Tuxedomoon, Blaine Reininger, simulando uma expressão atrevida, murmurou para uma assistência nessa altura já rendida à sua “verve”: “vocês já sabiam que eu vinha, de qualquer maneira”. E em seguida, erguendo no ar duas disquetes: “ainda tenho mais estas duas para tocar”. Foi sempre assim, ao longo de uma noite bem passada, num espectáculo feito de descontracção, ausência total de pretensiosismo e canções divertidas. Tudo o que faz de um artista um verdadeiro “entertainer”.