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Manoel de Oliveira + Maria Ana Bobone + Ana Sofia Varela – “Oliveira Encena Régio No Sete Sóis Sete Luas” (artigos opinião / concertos / festivais)

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quinta-feira, 19 Junho 2003


Oliveira encena Régio no Sete Sóis Sete Luas

DE JUNHO A NOVEMBRO


“Mário ou Eu Próprio o Outro”, peça de José Régio com encenação de Manoel de Oliveira, é um dos pontos altos do festival, que este fim-de-semana arranca na Feira. Maria Ana Bobone e Ana Sofia Varela são as fadistas representantes de Portugal em Itália



Manoel de Oliveira leva peça de Régio a Roma em Julho

A estreia mundial, a 9 de Julho, em Roma, de uma encenação de Manoel de Oliveira para a peça de teatro, em um ato, “Mário ou Eu Próprio o Outro”, de José Régio, é um dos acontecimentos do Festival Sete Sóis Sete Luas que amanhã tem início em Santa Maria da Feira, no âmbito da Festa Europeia da Música.
“Mário ou Eu Próprio o Outro”, cuja antestreia terá lugar um dia antes da apresentação na capital italiana, narra, sob a forma de ficção, os últimos dias de vida do poeta da geração de Orfeu, Mário de Sá-Carneiro, de quem Régio, figura proeminente da revista “Presença”, era amigo.
A peça, em fase de ensaios, tem como protagonistas Rogério Vieira (no papel do poeta), Diogo Dória (o seu duplo) e Leonor Silveira, actriz emblemática dos filmes de Oliveira que já se inspirara em Régio para fazer os filmes “Benilde ou a Virgem Mãe” e “O Meu Caso”. “Mário ou Eu Próprio o Outro” será ainda apresentada em Setembro, na Feira, no Imaginarius, festival de teatro de rua que há três anos se realiza nesta cidade.
Como tem acontecido em edições anteriores, o Sete Sóis Sete Luas – considerado um dos festivais mais importantes da Europa pela Comissão Europeia no âmbito do Programa Cultura 2000 – movimenta um número elevado de artistas, nacionais e estrangeiros, num circuito que, entre Junho e Novembro, passará por Portugal, Itália, Espanha, Grécia e Cabo Verde.
Ponto fulcral da programação é o ciclo de concertos com artistas lusófonos que o Sete Sóis Sete Luas leva todos os anos à cidade toscana de Pontedera, sede do teatro Immagini, entidade organizadora do certame. O fado, à semelhança do que tem acontecido nas últimas edições, ocupa um lugar de destaque. Ana Maria Bobone e Ana Sofia Varela, duas das mais importantes jovens intérpretes do novo fado, foram as escolhidas para atuar, no final de Julho, não só em Pontedera, mas também em Roma e Ponsacco. De Cabo Verde, cuja música tem tido presença constante no Sete Sóis Sete Luas, irão igualmente a Itália duas cantoras da nova geração, Mayra Andrade e Isa Pereira. Kátia Guerreiro, outro nome emergente da nova geração de fadistas, actuará, por sua vez, em Agosto, em Tavernes de la Valldigna, Espanha.
No sentido contrário, Portugal receberá, provenientes de Itália, o tenor italiano Alessandro Safina, conhecido sobretudo pelas suas participações em óperas pop, e Antonella Ruggiero, cantora que na Feira apresentará um espetáculo de homenagem ao fado e a Amália Rodrigues.
Ponte de Sor receberá o músico grego Lambros Karaferis, executante de clarinete e especialista das tradições musicais da região do Epiro, o Grupo de Dança de Ioannina e a banda de rock acústico do nordeste de Itália, Bonifica Emiliano Veneta. O veterano cantor cabo-verdiano Bana atuará igualmente nesta localidade.
Mas a lista de artistas que ao longo de todo o Verão irão percorrer o périplo mediterrânico traçado pelo Sete Sóis Sete Luas não se esgota nestes nomes. No rol de participantes incluem-se ainda os portugueses Cabeças no Ar, Banda Sinfónica de Jovens de Santa Maria da Feira, Lula Pena e Ficções, os italianos Samuele Garofali, Alan Wurzburger, Marco Poeta e Accademia del Fado, Carlos Faiello Tammurriata Remix, Luca Alinari e Barbapedana e os cabo-verdianos Fertilizante e Ildo Lobo. E ainda Samir e Wissam Joubran (Palestina), Kostantinos Ignatiadis (Grécia), Discipulos de Morales (Espanha) e Nour Eddine (Marrocos).
Uma chamada de atenção especial para três concertos de folk absolutamente a não perder. Elenna Ledda, cantora da Sardenha e um dos expoentes do canto de raiz tradicional do Mediterrâneo, actua a 12 de Setembro em Castro Verde. Maurizio Martinotti, antigo elemento dos La Ciapa Rusa, executante de sanfona, compositor, arranjador e cantor que nos últimos anos se tem dedicado a uma série de projetos em torno da música religiosa e profana das regiões do Piemonte, atua ao lado do grupo espanhol Urbàlia Rurana a 9 de Agosto, em Vila Real de Santo António. Finalmente, os galegos Luar na Lubre atuam já este sábado na Feira (ver caixa).
O Sete Sóis Sete Luas, cuja gravura do programa deste ano foi especialmente desenhado por Dario Fo, conclui-se a 16 de Novembro, em Alicante, com um espetáculo realizado por Dario Fo e Franca Rame, de homenagem a José Saramago, no dia do seu 81º aniversário.

Festa da Música na Feira
Santa Maria da Feira é um dos castelos do Sete Sóis Sete Luas. Tem mística, tem locais, gastronómicos e paisagísticos, fabulosos, e tem, como membro da Festa Europeia da Música que desde o ano 2000 aqui se realiza, irmãs gémeas nas cidades de Barcelona, Madrid, Roma, Nápoles, Milão, Bruxelas, Paris, Liverpool, Istambul e Praga, todas elas envolvidas neste projeto criado em 1982 por Jack Lang no âmbito da Associação Europeia da Festa da Música, com sede em Bruxelas. E tem, obviamente, boa música. Entre os vários artistas presentes na festa deste ano, destacam-se dois intérpretes italianos, Antonella Ruggiero, autora de álbuns como “Libera” e “Registrazioni Moderne”, que na Feira apresentará o seu novo espetáculo, de homenagem ao fado e a Amália Rodrigues, e Alessandro Safina, tenor de 35 anos que tanto dá voz a “La Bohème”, de Puccini, como se mostra capaz de invadir os tops com as suas participações em óperas pop. Atuam ambos amanhã. No sábado, será a ver do grupo galego Luar na Lubre fazer uma demonstração do grau de sofisticação a que chegou nos dias de hoje a música tradicional do seu país. Estão lá as “gaitas” de Bieito Romero e a voz de cristal de Rosa Cedrón, mas também uma atitude descomprometida que aproxima os sons antigos de uma sensibilidade pop, como no último álbum, “Espiral”. Os Cabeças no Ar, supergrupo composto por Rui Veloso, Jorge Palma, Tim e João Gil, com letras de Carlos Tê, vão confirmar, também no sábado, que “A seita tem um radar”. No mesmo dia, os cabo-verdianos Fertilizante, Prémio Revelação Sete Sóis Sete Luas, levam à Festa da Música os sons tradicionais da ilha de Santo Antão.

Maria Ana Bobone Lança “Senhora Da Lapa” De Noite, Na Igreja – Entrevista –

29.01.1999
Maria Ana Bobone Lança “Senhora Da Lapa”
De Noite, Na Igreja

Em “Luz Destino”, Maria Ana Bobone fazia flutuar a sua voz entre o cravo e as entoações barrocas de João Paulo Esteves da Silva e a guitarra portuguesa de Ricardo Rocha, na nave de uma igreja abandonada. Os três voltaram ao mesmo local, trocaram de posições e o resultado é “Senhora da Lapa”, verdadeiramente o álbum de estreia da cantora. Clássico, ideal para meditar, assombrado pelos ecos da noite.

Maria Ana Bobone vem do fado, sente como enraizadamente portuguesa a música que canta e não esconde o desejo de, um dia, gravar um disco inteiro com reportório clássico. “Senhora da Lapa”, editado com o selo M.A. (uma espécie de variante, mais romântica, da ECM), leva mais longe o gosto pelo intimismo e pela religiosidade que já despontava em “Luz Destino”. A par da voz, brilham as palavras de Fernando Pessoa e de Sebastião da Gama. O PÚBLICO conversou com a cantora.

FM – Em “Senhora da Lapa” os intervenientes são os mesmos, mas a hierarquia mudou…
MARIA ANA BOBONE – Resolvemos, desta vez, fazer um disco meu. Era suposto ser um disco de “lullabies” [canções de embalar], mas acabaram por ir surgindo outras músicas diferentes. Tudo isto porque o Tod [director da editora] achava que a minha voz era a ideal para cantar esse tipo de canções. Podia ter alguma graça fazer um disco desses… Mesmo assim há algumas semelhanças em canções como “Jesus embala o Menino” e “Luar”, que parece uma música infantil e depois se complica, à maneira do seu autor, o João Paulo…
FM – Está a cantar cada vez mais próximo de um certo registo clássico…
MARIA ANA BOBONE – Se tivesse de catalogar o meu estilo era, sem dúvida, mais para o clássico, embora entre aspas, entre muitas aspas…
FM – O fado ficou definitivamente para trás?
MARIA ANA BOBONE – Acho que não. A música deste disco é muito portuguesa, tem algumas raízes no fado. Mas é verdade que quis sempre explorar outros caminhos. As canções deste disco não são, de todo, fados, mas sinto nelas essa portugalidade. Deve lá haver qualquer coisa na estrutura…
FM – A quem se deve a escolha dos poemas, entre os quais sobressaiem dois de Sebastião da Gama, incluindo as duas versões do título-tema?
MARIA ANA BOBONE – Andámos, o João Paulo e eu, a vasculhar em alguma material que ele já tinha feito. “Senhora da Lapa” foi feita de propósito para o disco, assim como o outro poema de Sebastião da Gama, usado em “ABC”.
FM – Sentiu particular prazer em cantar algum dos poetas que aparecem no disco?
MARIA ANA BOBONE – Talvez o Fernando Pessoa, em “Flux”, bem como a Maria Pimentel Montenegro, em “Dos teus olhos”.
FM – Como se processou a transição de uma posição secundária, em “Luz Destino”, para o protagonismo de “Senhora da Lapa”?
MARIA ANA BOBONE – O outro disco não era um disco meu! Eles já tinham feito o disco todo e chamaram-me à última hora para cantar. Fui apenas mais um instrumento. Neste disco, pelo contrário, foi tudo moldado a mim. Eles compuseram e tocaram para mim. Daí as tais canções de embalar que eles também achavam muito paropriadas para a minha voz.
FM – Quer dizer que, pelo menos nesta primeira fase da sua carreira, ainda não detém o controle sobre a orientação estética a seguir?
MARIA ANA BOBONE – Não tenho muito, não! Se fosse eu a escolher exactamente o que queria, seria eu sozinha a fazer o disco! Não tenho controle no sentido em que respeito a personalidade e opções dos outros músicos. É um bocado: ‘Olhem, eu sou isto, o que é que queres, o braço, a perna, o joelho ou o pé?’ Posso perfeitamente não escolher o pé!… Quer dizer que não canto tudo o que me puseram à frente. Aliás havia, à partida, algumas canções com que não me identificava. Daí que o disco tivesse demorado algum tempo a sair [um ano e meio]. Porque quis acrescentar-lhe mais duas ou três músicas mais mexidas: “Hortelã-mourisca”, “Ternura” e “Espelho quebrado”, que é um fado. Achava o alinhamento original todo muito igual, lento, embora, claro, este não seja um disco para dançar, mas, pelo contra´rio, um convite à reflexão, à interiorização.
FM – A presença, no disco, de um saxofonista, Peter Epstein, não deixa de fazer lembrar outra colaboração, muito antiga, entre uma fadista e um saxofonista: Amália Rodrigues e Don Byas…
MARIA ANA BOBONE – É uma mera coincidência. O saxofonista aparece porque já tinha gravado com o João Paulo num disco dele, instrumental, chamado “Mergulho”. O Tod Garfinkle, da editora, resolveu misturar no meu disco o saxofone, até porque o Peter já manifestara antes o seu apreço pela minha música. Adaptou-se lindamente ao “feeling” do disco.
FM – Prefere ouvir-se a si própria a cantar fado, acompanhada por guitarras e violas, ou neste tipo de reportório, acompanhada por piano?
MARIA ANA BOBONE – Ouço-me a mim própria de uma maneira que só eu conheço. Ninguém mais sabe. Sinto-me bem das duas maneiras. Mas, muito mais do que uma casa de fados, gosto do ambiente de uma igeja, como aquela onde gravei este disco, onde as condições acústicas são fabulosas.
FM – Em que altura e em que condições é que foi gravado o álbum?
MARIA ANA BOBONE – Foi espectacular! Já com o “Luz Destino” senti a mesma sensação, de estar numa igreja grande e vazia, à noite, à uma da manhã, com tudo fechado, silêncio lá fora, só com umas luzinhas acesas. Eu cantava mesmo de frente para o altar, com o gravador em cima do altar. É uma sensação única, poder cantar à vontade, soltar tudo! Fabulos!
FM – Ainda canta em casas de fado?
MARIA ANA BOBONE – Nunca cantei, por sistema, em casas de fado. Tenho algumas saudades, mas a verdade é que o meu actual estilo de vida – tenho aulas de canto de manhã e dou aulas de música, à tarde, num colégio particular – não mo permite. Com o tempo que me sobra, trato da minha carreira.
FM – Emancipou-se, então, em definitivo, do grupo de fadistas de que fazia parte com outros jovens fadistas, o Alma Nova?
MARIA ANA BOBONE – Isso já é, completamente, história. Claro que, se o João Braga me convidar para um espectáculo, eu vou com todo o gosto e alinho. Eu já gravei, já fiz, já andei mais do que os outros, mas há sempre uma relação.
FM – O contrato com a M.A. prevê a edição de mais discos?
MARIA ANA BOBONE – Vou dizer uma coisa fantástica: não existe nenhum contrato! [Risos.] É tudo feito na base da boa-fé. O Tod gosta da kinha música, a editora paga-nos, tem sido tudo impecável. Nunca vi isto em mais lado nenhum. E não há exclusividade. A qualquer momento posso decidir outra coisa qualquer. É um bom recado para as editoras. Acho que é a maneir amais honesta de trabalhar. Se não estiver satisfeita, ou a editora não estiver satisfeita, acabamos a relação. O que obriga ambas as partes e esforçarem-se para se aproximarem.
FM – Já pensou alguma vez em gravar um disco só com reportório clássico?
MARIA ANA BOBONE – Sim, já me passou pela cabeça. Mas ainda não estou preparada, nem conheço reportório suficiente. Era mais por achar graça, não como estilo de vida. Tenho uma personalidade um bocado instável. Gosto de fazer várias coisas, de não me prender a uma só.

Maria Ana Bobone – Senhora Da Lapa

05.02.1999
Portugueses
Maria Ana Bobone
Senhora Da Lapa (7)
M.A., distri. Dargil

mabobone

LINK (“Nome de Mar”)
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Belíssima, a apresentação gráfica desta “Senhora da Lapa”, como é timbre da editora M.A. (uma espécie de ECM mais clássica), ajustando-se perfeitamente à beleza da voz de Maria Ana Bobone e à música composta por João Paulo Esteves da Silva e Ricardo Rocha. Gravado na mesma igreja de “Luz Destino2, onde Bobone era ainda a convidada de um trabalho pautado por ambiências barrocas, “Senhora da Lapa” é um álbum vicadamente contemplativo, aberto às refracções da pedra e à obscuridade do tempo, onde a cantora faz questão de mostrar quão longe está já do registo fadista que marcou a fase inicial da sua carreira.
Sobre poemas de Matilde Rosa Araújo, Sebastião da Gama, Maria Pimentel Montenegro, David Mourão-Ferreira, Arlindo de Carvalho e Fernando Pessoa o piano de João Paulo e a guitarra de Ricardo Rocha (e, em dois temas, o saxofone de Peter Epstein, decerto um admirador de Jan Garbarek) desenham cambiantes classicizantes, dos quais a voz de Bobone tira o máximo partido.
Destaque, num disco onde o equilíbrio e a serenidade predominam, para os sombreados satieanos do piano de João Paulo, em “ABC”, e para as interpretações de Bobone, em “Ar”, carregada de dramatismo, “Os teus olhos”, e “Elegia”, um crepúsculo de tons menores, “jazzy” e introspectivos, também neste caso servido por uma execução de superior contenção por parte de João Paulo Esteves da Silva.