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Steve Roach & Kevin Braheny – “Western Spaces” + Steve Roach, Kevin Braheny & Michael Stearns – “Desert Solitaire” + Steve Roach – “World’s Edge”

pop rock >> quarta-feira, 20.01.1993

FORA DE SÉRIE


Steve Roach & Kevin Braheny
Western Spaces (8)
CD, Fortuna
Steve Roach, Kevin Braheny & Michael Stearns
Desert Solitaire (7)
CD, Fortuna
Steve Roach
World’s Edge (8)
2xCD, Fortuna
Todos import. Ananana



Em “Western Spaces” e “Desert Solitaire”, primeira e segunda partes de uma obra conceptual, os compositores procuraram “captar a essência” do deserto. Em concreto, das regiões áridas do Sudoeste da América do Norte, da Califórnia e das vastidões do Mojave, cujas areias serviram de inspiração a estas paisagens impressionistas.
Steve Roach e Kevin Braheny fazem parte da cena electrónica da “West Coast” americana, de tendência sintesista. Nesta aventura a dois, cujo segundo tomo conta com a colaboração de Michael Stearns, proveniente da mesma área musical, procederam de forma idêntica ao projecto paralelo de Steve Roach com Robert Rich, que tão bons resultados proporcionou até agora, em “Strata” e “Soma”: electrónica mais sonoridades étnicas, reais e sampladas. No fundo, um entre vários ramos da árvore, cada vez frondosa, que Jon Hassell plantou em “Possible Musics”. Música de movimentos e reverberações tão amplas como as do deserto, de flutuações e alterações subtis, repetindo a sucessão imperceptível de contornos das dunas do deserto.
“Desert Solitaire” tem como defeito pouco adiantar em relação ao disco anterior. Diz as mesmas coisas da mesma maneira, sem apresentar inovações. Temas há que parecem repetições de “Western Spaces”. Cai por momentos na monotonia e na “new age” bem comportada. Mas será talvez a monotonia aparente do próprio deserto que exige a disponibilidade e a atenção dos máxima dos sentidos.
O disco a solo de Steve Roach não se afasta muito, em termos formais, dos outros dois álbuns. Nele o compositor parte da metáfora a “chegada à beira do abismo” e do impulso de “saltar no vazio, ganhando asas antes da queda”. Voo e gravidade, expressos num maior contraste dos timbres (não falta o inevitável “didgeridoo”) e na utilização sistemática de percussões – das profundezas das “frame drumas” ao retinir de sino rituais tibetanos e aos ecos de cerâmica do “dumbek”. A excepção é o tema com cerca de uma hora que ocupa a totalidade do segundo disco, “To the threshold of silence”, longa progressão ondulatória, tão silenciosa como “Thursday afternoon”, de Brian Eno, ou “Waiting for Cousteau” (que ninguém se espante, é diferente de tudo o que este autor fez até à data), de Jean-Michel Jarre, aquele que mais se aproxima do sentido xamânico que Roach procura imprimir à sua música.

Yello – “Essential Yello” (vídeo | VHS)

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993
Vídeos


BARRACA BARROCA

YELLO
Essential Yello
62’52”, Polygram Vídeo, distri Polygram



Correspondente em imagem ao disco e CD do mesmo nome reunindo alguns dos maiores êxitos da banda suiça de electropop, tendência dadaísta. Boris Blank, bigode, ar de engatatão latino, e Dieter Meier, bigode, “dandy” quarentão alisado a brilhantina, privilegiam o humor em detrimento da seriedade. Gostam de dar barraca. Faixa a faixa, encenam pequenas peças de absurdo, iluminadas a cores primárias – amarelo, verde, azul e vermelho -, servindo-se sobretudo do jogo histriónico e da gestualização levada ao ridículo. Requebros de galinha, esgares mirabolantes, poses “macho” e de matador compõem uma comédia em que as personagens secundárias (invariavelmente, uma “partenaire” com ar de escriturária à moda antiga que faz de mulher fatal e é cortejada de todas as formas e feitios e uma miúda novinha no papel de anjinho “kitsch”, cheia de sedas e auréolas) acentuam ainda mais o lado cómico e descabelado da acção.
Há corridas de automóvel com a menina Henriqueta (chamemos assim à senhora de óculos que parece sempre ter acabado de despir a bata), que é mais rápida que os bólides, Boris a fazer olhinhos de carneiro mal morto à menina Henriqueta que se vestiu de adolescente e se enfiou num descapotável “sixties”, Dieter a morrer de amores (pela menina Henriqueta?) e solidão num parque de diversões, caçadas numa selva de plástico, serenatas a manequins como o de “In every dreamhome a heartache”, de Bryan Ferry, e máquinas de “flippers” animadas. Ou seja, é quase sempre a brincar e em ritmos fortes, visto que a maioria dos temas, os mesmos dos formatos áudio (com excepção de “Driver/driver”, que no vídeo foi substituído por “Who’s Gone?”), são os mais comerciais e os escolhidos para a edição em single. Tudo num registo barroco recortado a papelão com forro dourado.
Duas canções escapam à tónica dominante: “Bostich”, um exercício de estética industrial criado na época em que os Yello rivalizavam em estranheza com os Residents, na editora Ralph, e “The rhythm divine”, na qual os dois suiços se rendem à voz de Shirley Bassey, deixando a câmara ocupar-se com ela, pondo por uma vez de lado a folia.
O único senão de “Essential Yello” é a insistência numa única fórmula. A concepção estética dos diversos clips é idêntica. As caretas, à medida que se avança através dos 16 temas, vão perdendo a graça, a iluminação, de chocante, passa a embirrante. Por fim, até a batida “disco” e as vozes de fantoche típicas dos Yello acabam por tornar-se maçadoras. Sabe-se como as imagens podem ser redutoras da mensagem musical, banalizando-a e tornando explícito o que vivia da sugestão. “Essential Yello” sofre deste mal. Salvam-se as coreografias patuscas e as expressões de virgem louca da menina Henriqueta. (6)

Stephan Micus – “To The Evening Child”

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993


Stephan Micus
To The Evening Child
CD ECM, distri. Dargil



Primeiro há o som, o timbre particular de um instrumento. Depois o trabalho sobre esse som, dominá-lo e combiná-lo com outros submetidos a idêntico tratamento. Assim se estrutura a música de Stephan Micus, um bávaro que, ao longo de uma discografia que agora atingiu o número 11, se tem dedicado ao estudo e à prática de uma diversidade de instrumentos, na maioria provenientes de culturas e tradições não ocidentais. Do som para uma gramática intuitiva, ao contrário da tradição ocidental (nomeadamente a romântica), que parte em primeiro lugar da escrita. Em cada nova gravação, o músico seleciona um número restrito de instrumentos, pondo em relevo a mais recente “descoberta”: o “shakuhachi”, o “nay”, vasos de barro, o “suling” ou simplesmente as pedras, como acontece em “The Musico f Stones”.
Alguém já definiu os resultados desta estética como “a melhor música acústica para meditação”. De facto, a serenidade e a simplicidade de processos são uma constante presente em toda a obra de Micus. O zen permeia cada nota, intercalando a vibração e o silêncio.
Em “To the Evening Child” as estrelas são os “steel drums”, neste caso provenientes da Índia Ocidental, que, faixa a faixa, alternam com o “dilruba” (instrumento de arco indiano), o “suling” (flauta de palheta que integra as orquestras gamelão do Bali), o “kortholt” (instrumento de sopro de palheta da Renascença), o “nay” (flauta de palheta do antigo Egipto) e o “sinding” (harpa da África Ocidental), a par das vocalizações encantatórias de Micus, que cada vez mais assumem um papel preponderante. Mantras introspectivas de uma “other world music”, para novos tempos que se avizinham. (8)