Arquivo da Categoria: Electrónica

Eat Static – “Implant”

pop rock >> quarta-feira >> 03.08.1994


Eat Static
Implant
Ultimate, distri. Polygram



A questão que se coloca em relação à chamada música “techno” já não é se os artistas estão mais ou menos inspirados mas sim se as máquinas estão melhor ou pior programadas. O factor humano tem tendência para desaparecer, dissolvido na trama da tecnologia. Os Eat Static são mais uma agremiação de techno-andróides que se fecharam no estúdio para elaborar as paisagens computorizadas de mundos virtuais. A capa tem gravuras de extraterrestres, um disco voador e, no interior, (de abrir, como se diria nos anos 70, com os rebuscados grafismos que ocupavam áreas imensas de cartão), uma paisagem de ficção científica na melhor tradição dos Hawkwind ou Roger Dean, nos dias em que o traço lhe descambava para o “kitsch”. “Implant” é uma orgia sequencial de pseudo-emoções artificiais destinadas a sincronizar os cérebros dos disco-zombies com a grande central cósmica dos grandes telepatas. Pelo meio, há uma pausa de “ambient”, para ressacara, antes da batida infernal retomar a sua tarefa de entrega das almas ao deus Pã, aqui disfarçado de astronauta. Mais uma vez os Kraftwerk tiveram razão quando cantavam em “Electric Café”: “Music non-stop – techno pop”. Na discoteca gigante do final do século, a música dura 24 horas por dia. Está previsto parar somente no dia em que o rosto dos humanos se abrir num sorriso de metal. (6)

Yellow Magic Orchestra – “Technodon”

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


Yellow Magic Orchestra
Technodon
Toshiba EMI, distri. EMI – VC



Em plena euforia “techno”, é bom recordar os progenitores do movimento e que esta música não é obrigatoriamente sinónimo de batida primária enfeitada com o menu de demonstração do último modelo de “sampler”. Os japoneses Yellow Magic Orchestra (YMO), com os alemães Kraftwerk e os suiços Yello (estes numa vertente mais humorista) foram os pioneiros. Seguiu-se-lhes a vaga de electronic body music, personificada por milhares de bandas, com os belgas na dianteira (Front 242, Front Line Assembly, etc.) e, já com a discoteca na hora do fecho, a ressaca a prazível da ambient house.
Como costuma acontecer sempre que um ciclo se completa, volvidos 16 anos sobre a sua estreia discográfica, de percursores do movimento, os YMO passaram a incorporar na sua música elementos estéticos introduzidos posteriormente pelos seus discípulos. É assim que em “Technodon” os puros exercícios de batida infernal de “Dolphinicity” e “Waterford” enfileiram ao lado de ambientalismos como “Nostalgia” e dos últimos resquícios de um orientalismo perdido, em “Pocketful of rainbows”, curiosamente o único tema que não é composto por nenhum dos elementos da banda. Assinale-se ainda algumas coincidências, ou não, como a proximidade estreita de “Nanga def?” com a cadência militar e os mesmos registos de sintetizador dos D.A.F. (de notar a própria semelhança fonética entre a designação deste grupo alemão e o “def” do título…); “High-tech hippies”, cuja vocalização lembra de imediato os New Muzik, e a utilização, em “Be a superman”, de um inconfundível som de computador, popularizado pelos Kraftwerk desse “The Man Machine”, antecedido, não sem uma nota de ironia, pela voz “fetiche” de William Burroughs, que volta a empastelar-se um pouco mais em “The merli”. Talvez faça então algum sentido procurar uma decifração das motivações e estrutura de “Technodon” na frase que os YMO afixam na capa: Afundar-se na loucura é positivo, em nome da comparação.” (7)

VÁRIOS – “The Phenomenology of Ambient, vol. 1: Free Zone”

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


Uma Questão De Ambientação

VÁRIOS
The Phenomenology of Ambient, vol. 1: Free Zone (5)
Crammed, distri. Megamúsica



Convém em primeiro lugar separar as águas. “Ambient” converteu-se hoje erradamente, para muitos, em sinónimo de música electrónica mais ou menos suave. Metem-se no mesmo saco Eno, Klaus Schulze e Tangerine Dream, com os Orb, KLF e Future Sound of London. A questão é que o som pode nalguns casos parecer semelhante à superfície, mas as filosofias que subjazem aos diferentes casos são opostas na sua essência.
Em rigor, o único ponto de contacto existente entre estes mundos é a tecnologia. Quanto aos alemães, é fácil pô-los de imediato fora deste barco. Os representantes da chamada “escola planante” partem da ideologia romântica à descoberta do espaço, exterior e interior. A música ambiental propriamente dita, enquanto termo tornado corrente pelas teorizações de Brian Eno elaboradas a partir de “Discreet Music”, procura, por seu lado, harmonizar o indivíduo com o espaço circundante. Integrar numa única música a melodia humana e o ruído circunstancial. Por último, a derivação final da “ambient”, proveniente do esvaziamento rítmico da “house”, procura pelo contrário uma espécie de conforto no vazio (são bem elucidativas, neste aspecto, as considerações que os Future Sound of London tecem a propósito so seu último disco), um paliativo para as ressacas provocadas pela “ecstasy” e pela orgia dançante das discotecas. A música ambiente, ou ambiental, do lado de Eno, procura o real. A “ambient” à saída das pistas de dança e à entrada da individualidade perdida mergulha no virtual. A primeira é atenção, a segunda alienação. A primeira vem de Cage e da Natureza, a segunda da “House” e dos químicos. Uma liga a outra desliga. Uma acorda, a outra adormece. Uma harmoniza, a outra normaliza.
A confusão aumenta quando se editam discos como este, onde, a pretexto de se tratar de uma “Free Zone” sem fronteiras, se juntam as batidas sem coração nem imaginação de técnicos recentes de manipulação sonora de várias nacionalidades, como Solar Quest, Avalon, Orange, Rising Sun Air, Porcupine Tree (os mais interessantes), Bleep, The Arc, Young American Primitive, Deep Space Network e Terre Thaemliz, com retalhos – onde a electrónica está mais presente ou é mais calma – arrancados a ferro de discos antigos do catálogo Made to Measure, na tentativa de desta forma fazer passar por “ambientalistas” nomes como Benjamin Lew, Sussan Deihim com Richard Horowitz, David Cunningham, Hector Zazou e Peter Principle. Até David Byrne (!), cuja música é tão ambiental como um par de dançarinos de lambada, foi enfiado a martelo nesta zona franca, através de um pequeno apontamento orquestral de “The Forest”. Se quiséssemos ser perversos, poderíamos descortinar nesta molhada uma estratégia concertada, fruto de um inconfessável desejo de procurar capitalizar num catálogo, o da MTM, onde, por ser dirigido a minorias, seguramente os números de vendas de discos não devem ser exorbitantes. Agora, se afinal também são “ambientais”, a rapaziada é capaz de pegar neles. Chama-se a isto vender gato por lebre. (5)