Arquivo da Categoria: Fado

Vários – O Fado Em Imagens No S. Luiz

cultura >> sábado, 18.12.1993


O Fado Em Imagens No S. Luiz

FADO TEATRO? Por que não? Uma encenação da história desta música que Amália e Marceneiro, entre outros, imortalizaram, dos princípios do século XIX até aos nossos dias, é o que se propõe mostrar o espectáculo Fado É Vida, em cena hoje a amanhã no Teatro S. Luiz, em Lisboa.
Mestres e discípulos, as anedotas e as lendas, o fado e a sua evolução vão desfilar pelo palco em coreografias que evocam a desgarrada, o fado fandangado, a figura de opereta, bem como nomes e lugares que ficaram, como o conde de Vimioso, a Severa, Marceneiro, Amália, Hermínia, Alfama, Mouraria, Bairro Alto…
Segundo Gonçalo da Câmara Pereira, principal promotor desta iniciativa, que já foi apresentada ao vivo em 1989, no teatro Tivoli, em Lisboa, num espectáculo de beneficência organizado pelo padre Vaz Pinto, Fado É Vida começará com a leitura de um poema do professor Mascarenhas Barreto, “a perguntar oo que é o fado”, a partir da qual se vai desenrolar “toda uma sequência de músicas de fados tradicionais já conhecidos do grande público, desde o fado corrido do Manuel de Almeida ou o ‘Fado Malhoa’ da Amália até aos fados tradicionais mais modernos, da ‘Mariquinhas’ ao ‘Dar de beber à dor’”.
Do elenco fazem parte, além de Gonçalo da Câmara Pereira, autor do guião e encenação, Mico da Câmara Pereira e José da Câmara, responsáveis pelos arranjos musicais, uma nova geração de fadistas composta por Manuela Teles da Gama, Eduardo Falcão, Matilde Pereira, Rui Neiva Correia e Miguel Alvarez, acompanhados à guitarra por Manuel Cardoso e Luís Ribeiro e, à viola, por Francisco do Carmo, além de 12 figurantes, “que farão o ‘décor’ do palco, para d ar um enquadramento ao espectáculo, apresentando, entre outras, as figuras das varinas e varinos ou as meninas do Chiado, com as tranças enfeitadas de violetas”.
Vai haver sequências de vários fados cantados num só, como por exemplo uma sobre cavalos, “interpretada só por homens”, além de uma parte dedicada ao fado balada, de António dos Santos, feita pelo José da Câmara, e um fado de Coimbra interpretado pelo Mico da Câmara Pereira, que aparecerá “vestido de estudante”.
Fado É Vida, depois da apresentação no S. Luiz, seguirá em digressão pelo “país inteiro”, já a pensar em Lisboa, Capital da Cultura e na Expo 98.

Madredeus – “Madredeus No Centro Cultural De Belém – Cerimónia Solene”

cultura >> domingo, 12.12.1993


Madredeus No Centro Cultural De Belém
Cerimónia Solene


A celebração do costume, em tom mais solene. O novo templo de Belém não permite brincadeiras e os Madredeus cumpriram a preceito o seu papel. Tudo muito sério e empertigado, com os temas inéditos a diluírem-se numa sonoridade que ameaça provocar saturação. Eles prometem novos voos.



O Centro Cultural de Belém(CCB) intimida. Nos concertos do CCB, a música é por norma bem comportada, engravatada. Uma ocasião solene em que os artistas se vêem na obrigação de provar qualquer coisa. Foi assim com Vitorino, voltou a sê-lo com os Madredeus, nas noites de sexta e sábado no grande auditório. Entra-se no CCB como numa catedral. Com os Jerónimos de um lado e os esgotos do Tejo do outro é difícil não ver no CCB uma nova escola de descobridores. Uma pessoa entra anónima no CCB e sai de lá com apelido Gama ou Cabral.
Os Madredeus assinaram no templo, pejado de fiéis encalorados pelo ar condicionado ligado no máximo, mais um capítulo da história trágico-marítima da Pop nacional. Em termos de comunicação com o público não se pode dizer que tenham sido efusivos, limitando-se Teresa Salgueiro a um “boa-noite a todos” no princípio e um “obrigado a todos” no fim. Um dos pontos fortes foi a iluminação, entregue em mãos de mestre. Cada canção vestiu-se com uma pequena cenografia de luz, um quadro fugaz de reflexos e fulgores coloridos que ora aprisionavam a figura de Teresa Salgueiro numa pirâmide de raios brancos, ora faiscavam em relâmpagos laranja (jugo não ter havido aqui quaisquer intentos eleitoralistas), como aconteceu no instrumental “Slostício”.
Descontando uma certa ointoxicação provocada pela sobrexposição a temas como “O pastor”, “O ladrão” e “Vaca de Fogo”, que ficamos a trautear interiormente mesmo contra-vontade, numa relação insidiosa que ameaça transformar-se de amor em ódio, o concerto dos Madredeus pode considerar-se um êxito. Teresa Salgueiro, sem estar nos seus melhores dias (diga-se que os piores dias dela equivalem aos melhores para a maioria das outras cantoras), rubricou apesar de tudo momentos de excepção, ao longo da segunda parte do concerto, em “Maio maduro Maio” – versão do tema de José Afonso que integra o álbum de homenagem a este autor a publicar em breve – “Os senhores da guerra”, um inédito escrito por Francisco Ribeiro e, como vai sendo hábito, no ascético “O menino”, tema emblemático da religiosidade que ilumina o coração dos Madredeus, apresentado já em período de “encores”.
“Matinal” foi outro momento alto, com o tradicional dueto vocal de Teresa Salgueiro e Francisco Ribeiro (repetido em “O ladrão”) que cada vez mais privilegia as acentuações étnicas do canto. Idem para o instrumental “Açores” no qual ficou patente a interligação perfeita entre as guitarras de Pedro Ayres e José Peixoto.
Em conclusão: mais um triunfo para os Madredeus e alguns indícios de saturação. A banda soube criar um som original, certo, mas tem sentido dificuldades em renová-lo, ficando a pairar a ameaça de poder ruir sobre si próprio. Será mesmo necessário que os instrumentos (salvo honrosas excepções) toquem sempre todos ao mesmo tempo? Por que não explorar combinações parciais, criar novos espaços de silêncio, diversificar o leque tímbrico dos arranjos? Esperemos pelo novo álbum e pelas mudanças prometidas, com John Cale e Steve Hillage na agenda dos participantes. Porque se é verdade que por enquanto as pessoas gostam, também não é menos verdade que essas mesmas pessoas se saturam. Não há ovelhas que resistam a pastar sempre a mesma erva, pormelhor que seja o pastor.

Maria Teresa de Noronha, António Variações – “08.12.1993 – Capa”

pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993

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especial
DISCOS DE HOMENAGEM E REEDIÇÕES
Maria Teresa de Noronha
António Variações