Arquivo de etiquetas: Teatro Municipal S. Luiz

El Cabrero e Paco El Gastor – “O Cantador De Flamenco El Cabrero, Abre Capital Ibero-Americana Da Cultura – As Sílabas Do Fogo”

cultura >> sábado >> 01.05.1994


O Cantador De Flamenco El Cabrero, Abre Capital Ibero-Americana Da Cultura
As Sílabas Do Fogo



SUBLIME. Não há outra palavra para definir a arte de José Dominguez, El Cabrero, e do seu companheiro, na guitarra e na vida, Paco El Gastor. Sexta-feira À noite, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, no espectáculo de abertura do ciclo “Lisboa, Capital Ibero-Americana da Cultura”, que prosseguirá até 12 de Maio, o público lisboeta assistiu à verdade do flamenco. Não o “flamenco” dos cifrões e das modas, dos Ketama, Jaleo, Pata Negra e quejandos, com que “nuestros hermanos” partiram à conquista dos mercados discográficos, mas a pureza religiosa do verdadeiro “canto hondo”, fogueira do Sul cujas chamas consomem a alma guerreira do povo cigano. Quem faltou à chamada tem oportunidade de remediar o facto uma vez que El Cabrero regressa a Portugal já no próximo dia 21, em concerto integrado na programação do festival “Cantigas do Maio”, cuja quinta edição decorrerá, como o ano passado, no Seixal.
El Cabrero canta e guarda cabras. O seu templo é a serra. As fontes e os rios. A liberdade das grandes altitudes. Em palco, vestido de negro, chapéu curvado sobre os olhos, lenço ao pescoço, a voz irrompe-lhe directamente do fundo. Nas malaguenhas, soléas, fandangos, bulerias e outras modalidades do flamenco que oferta ao público como uma dádiva de Deus. Enquanto canta, possuído pelo “duende”, as mãos de El Cabrero unem-se em oração, apontam, aprumam, esmagam, desenham os contornos dos corpos interiores e ilustram a voz do fogo. A arte do flamenco é a arte de dominar o fogo, de silabar, pôr ordem no movimento impreciso da labareda – no grito, na corrente, na síncope, no intervalo de silêncio. Por isso a água, a água da serra e da lua, está sempre presente nas metáforas – “as metáforas resiste ao calor”, disse um dia El Cabrero -, refrigério de uma música que consome e seca. Água que se confunde nas volutas e condutas do Inconsciente dos povos árabes do Mediterrâneo. No oásis de um lago. Nas sombras do mítico pátio andaluz. Que é o coração senão um pátio onde a luz brilha de dia e se acendem fogueiras nas noites de lua-nova?

Arte E Vida

Para este flamenquista e guardador de cabras de Aznacollar, localidade situada perto de Sevilha, arte e vida confundem-se. “A linha da arte é de tal maneira estreita que é preciso muito equilíbrio para nos aguentarmos sobre ela sem cair”. O mesmo se aplica à vida. Talvez por isso, talvez por dizer coisas como “as palavras da universidade parecem-me mesquinhas (…) os velhos do lugar são os meus livros”, há quem lhe chame iconoclasta e anarquista. No S. Luiz tornou-se evidente que El Cabrero não respeita outras regras senão as que lhe são impostas pelo corpo e ordenadas pelo espírito.
Paco El Gastor é outro assombro. Quais Vicente Amigo e, perdoe-se-me a heresia, Paco de Lucia. El Gastor alia uma técnica espantosa a uma intuição e sentimento não menos notáveis. O seu estilo difere da ortodoxia de outros guitarristas, no modo como o polegar direito e assume como chefe de orquestra de uma mão de mil dedos. Mago imbuído na sagrada missão para todo o alquimista de manter o fogo na altura certa. A sua música tem sal, sol e músculo. Sobre e com ela a voz ganha inteira liberdade para se expor, morrer e renascer À luz branca e excessiva do mar do centro. Onde a razão naufraga ou – havendo método e vontade – se coroa, e os sentidos mordem.
Rendeu-se, igualmente inflamada, a assistência. Gritos de incitamento aos músicos, lançados por portugueses e pelos muitos espanhóis presentes na sala: “Olé”, “Viva el cante hondo, vante grande de Espana”. “Bendita seja tu madre!” “Viva al-andalus!” Viva para sempre o caminho real do flamenco, onde El Cabrero prossegue a sua rota, “desde a raiz até à mais alta das folhas”.

Vários – O Fado Em Imagens No S. Luiz

cultura >> sábado, 18.12.1993


O Fado Em Imagens No S. Luiz

FADO TEATRO? Por que não? Uma encenação da história desta música que Amália e Marceneiro, entre outros, imortalizaram, dos princípios do século XIX até aos nossos dias, é o que se propõe mostrar o espectáculo Fado É Vida, em cena hoje a amanhã no Teatro S. Luiz, em Lisboa.
Mestres e discípulos, as anedotas e as lendas, o fado e a sua evolução vão desfilar pelo palco em coreografias que evocam a desgarrada, o fado fandangado, a figura de opereta, bem como nomes e lugares que ficaram, como o conde de Vimioso, a Severa, Marceneiro, Amália, Hermínia, Alfama, Mouraria, Bairro Alto…
Segundo Gonçalo da Câmara Pereira, principal promotor desta iniciativa, que já foi apresentada ao vivo em 1989, no teatro Tivoli, em Lisboa, num espectáculo de beneficência organizado pelo padre Vaz Pinto, Fado É Vida começará com a leitura de um poema do professor Mascarenhas Barreto, “a perguntar oo que é o fado”, a partir da qual se vai desenrolar “toda uma sequência de músicas de fados tradicionais já conhecidos do grande público, desde o fado corrido do Manuel de Almeida ou o ‘Fado Malhoa’ da Amália até aos fados tradicionais mais modernos, da ‘Mariquinhas’ ao ‘Dar de beber à dor’”.
Do elenco fazem parte, além de Gonçalo da Câmara Pereira, autor do guião e encenação, Mico da Câmara Pereira e José da Câmara, responsáveis pelos arranjos musicais, uma nova geração de fadistas composta por Manuela Teles da Gama, Eduardo Falcão, Matilde Pereira, Rui Neiva Correia e Miguel Alvarez, acompanhados à guitarra por Manuel Cardoso e Luís Ribeiro e, à viola, por Francisco do Carmo, além de 12 figurantes, “que farão o ‘décor’ do palco, para d ar um enquadramento ao espectáculo, apresentando, entre outras, as figuras das varinas e varinos ou as meninas do Chiado, com as tranças enfeitadas de violetas”.
Vai haver sequências de vários fados cantados num só, como por exemplo uma sobre cavalos, “interpretada só por homens”, além de uma parte dedicada ao fado balada, de António dos Santos, feita pelo José da Câmara, e um fado de Coimbra interpretado pelo Mico da Câmara Pereira, que aparecerá “vestido de estudante”.
Fado É Vida, depois da apresentação no S. Luiz, seguirá em digressão pelo “país inteiro”, já a pensar em Lisboa, Capital da Cultura e na Expo 98.

Sérgio Godinho – “Exposição à Luz” (concertos | antevisão)

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


EXPOSIÇÃO À LUZ



Sérgio Godinho vai mostrar 2ª Face Visível”, título inspirado na sua canção “A face visível da Lua”. No próximo sábado, no Porto, e na quarta-feira e no sábado da semana seguinte, em Lisboa, o autor do recente “Tinta Permanente” volta às actuações ao vivo, depois do sucesso alcançado com o anterior espectáculo 2Escritor de Canções”. O novo encontro ao vivo, de genérico “A Face Visível”, será, nas palavras de Sérgio Godinho, “bastante enérgico” embora integre momentos de maior intimismo (como será o caso de uma canção interpretada só com a guitarra acústica) e “mais exteriorizado” que “escritor de Canções”. Sérgio Godinho cantará os nove temas que compõem “Tinta Permanente”, num total de 28 canções que preencherão oo concerto. Temas antigos, outros menos, que Sérgio Godinho gosta de “tirar da prateleira”, mas que vão ter novos arranjos. “Vou sempre a uma lista básica de canções e depois olho para os meus discos e escolho. Por exemplo, vamos tocar o “Caramba”, do álbum “Canto da Boca”, que se presta muito às vozes e a um jogo interactivo entre os músicos. Não há canções que eu considere obrigatórias, embora haja algumas que possam ser consideradas como os “greatest hits” [risos]. O João Paulo está a fazer versões que, embora não as tornem irreconhecíveis, reflectem contudo, uma atitude um bocado diferente. Quando uma pessoa trabalha comigo gosto que dê os seus palpites.”
“A Face Visível” será ainda o reatar de velhas e o estabelecimento de novas relações entre o músico e o público. “Há muito tempo que não punha um concerto de pé”, diz, “e é evidente que quando fiz o ‘Tinta Permanente’ seria lógico que o fizesse. O disco saiu no fim de Abril, já um bocado em cima do Verão, havia outros compromissos e por isso só agora foi possível fazê-lo. Até porque agora me apeteceu tocar com uma formação mais alargada.”
Coincidência é o facto de o primeiro espectáculo se realizar no Porto, como coincidência é ainda fazer este mês uma ano desde que “Escritor de Canções” foi apresentado pela primeira vez ao vivo nesta cidade, precisamente no mesmo Rivoli.
“A Face Visível” será provavelmente o último espectáculo realizado no velhinho Rivoli, antes de sofrer obras de remodelação. “Não sei”, brinca o autor de “Sobreviventes”, “se assim for até podemos escaqueirar no fim aquilo tudo, desde os camarins até à sala [risos], de preferência com martelinhos.”
Que “face visível” será então dada a ver? “É o palco, o sítio onde estamos meis expostos. À luz.” Com Sérgio Godinho, vão estar em palco João Paulo Esteves da Silva, piano e direcção musical, Mário Franco, baixo e contrabaixo, António Pinto, guitarra, Paleka, bateria, José Salgueiro, percussões, Jorge Reis, saxofones, Filipa Pais, Sandra e Dora Fidalgo, coros.
Dia 20,
Teatro Rivoli,
Porto, 22h
Dias 24 e 27,
Teatro S. Luiz,
Lisboa, 22h