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Emilio Cao + Realejo + Sierra Maestro + Levada do Pelô + Toque de Caixa – “Ibéricos Ao Ataque” (notícia | festival | folk)

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


Ibéricos Ao Ataque

Ainda não se extinguiram os ecos da última edição dos Encontros Musicais da Tradição Europeia e eis que novos concertos de folk se perfilam no horizonte – para sermos mais precisos, em Vila Nova de Cerveira. A organização é da Etnia e a ideia é a criação de um Festival de Músicas de Expressão Ibérica a realizar todos os anos nesta localidade. Para já, e enquanto não surge esta alternativa aos Encontros, estão marcados os seguintes concertos, todos a realizar no Auditório Municipal de Vila Nova de Cerveira, pelas 22 horas. Hoje será possível escutar a voz e a harpa de Emilio Cao, um galego que já por diversas vezes visitou o nosso país. Fica pela enésima vez o pedido para que alguém, na Galiza, no resto de Espanha, em Portugal, seja lá onde for, reedite o trabalho maravilhoso deste músico, chamado “Fonte do Areño”. Vejam lá isso. Quem fizer questão de escutar Emilio Cao e não quiser viajar até ao Norte, poderá ficar-se pelo castelo de Palmela, onde, depois de amanhã, também pelas 22h, este músico galego volta a actuar, desta feita no âmbito da programação das Noites de Verão em Palmela.
Depois, no dia 22, é a vez dos portugueses Realejo, com António Meireles, o mágico da sanfona, e Manuel Rocha, um dos melhores violinistas da nossa praça, trazerem a sua folk de câmara a Vila Nova de Cerveira. Os Sierra Maestro, de Cuba, actuam no dia 29 e os Levada do Pelô, do Brasil, têm encontro marcado no Minho, no dia 10 de Agosto. Dois dias depois, a 12, outro regresso – este rápido – dos Radio Tarifa, que vão tentar emendar a mão e apagar a má imagem (opinião não partilhada por alguns, sabemos isso…) deixada nos Encontros em Algés. Até se pode dar o caso de a languidez do Sul resultar melhor no verde do Norte e a Radio sintonizar sem interferências em Vila Nova de Cerveira.
Por fim, a 17 de Agosto, mais portugueses, os Toque de Caixa, embalados para uma carreira que, em termos discográficos, começou da melhor maneira. O grupo do Porto tem, com certeza, novas e boas “Histórias do som” para contar.

Rosina de Pèira – “Anueit”

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


Rosina de Pèira
Anueit
Revolum, import. Megamúsica



O disco “experimental” de Rosina de Pèira, depois dos duos com Martina, “Nadal Encara” e “Cancons de Femnas”. Como acontece em todas as experiências, os resultados variam entre o fracasso e a solução milagrosa. Para esta exploração da música da região da Occitânica, Rosina contou com a colaboração de um naipe alargado de músicos, de onde se destacam Dominique Regef, na “vielle” (antepassado medieval do violino), e Eric Montbel, dos Lo Jai, na flauta e na “cornemuse” (uma das várias modalidades de gaita-de-foles francesas). Pecadilhos maiores são a presença da bateria, que, entre outros despautérios, destrói uma bela composição como “Vola ma cancon”, e a grandiloquência despropositada de certos arranjos, cujo exagero maior ocorre em “Lérnha” e “Te voli t’en voli”, neste caso na tradição do rock sinfónico. O resto, que ainda são dez canções, compensa tais baixios. A voz de Rosina consegue feitos notáveis, movendo-se entre as percussões africanas, os “samplers”, as programações rítmicas e os instrumentos de sopro, na recriação e libertação deveras arrojada, dos “tempos e contratempos, ritmos e biorritmos, oriundos de gerações culturais enterradas, amadurecidas e estratificadas ao sol dos Pirinéus”. Toda a parte final do álbum é sem defeitos: “Las Potincas”, imbuído até à medula do espírito tradicional, “Som som – la nena”, canção de embalar com instrumentos de água, kalimba e tablas, “Aurieja”, um instrumental palaciano-naturalista pontuado pelos sons dos campos da Gasconha, e “Les oiseaux de Guilhem Muche”, um minuto e meio para fechar os olhos e escutar apenas chilreios de pássaros. (7)
Nota: Numa recensão recente feita ao disco dos Hevia, o grupo é referido como sendo galego, quando na verdade é das Astúrias.

Ensemble Tre Fontane – “L’ Art Des Jongleurs, Vol. 2” + “Guillaume de Machaut & Le Codex Faenza”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994
WORLD


Ensemble Tre Fontane
L’ Art Des Jongleurs, Vol. 2 (10)
Guillaume de Machaut & Le Codex Faenza (8)
Alba Musica, distri. Megamúsica



Desculpem-me os leitores estes desvios, mas o facto é que nos últimos tempos as gravações mais interessantes têm aparecido na área das chamadas músicas antigas. É claro, na folk, as coisas não param, só que muitos discos, alguns deles brilhantes, não chegam ou ainda não chegaram aos nossos distribuidores. Mas regressemos às “velharias” e a dois discos de um grupo, os Ensemble Tre Fontane que, feitas as contas e assimilados os sons, não anda longe na atitude de algumas formações actuais da folk europeia.
Sobretudo no segundo volume de “L’ Art des Jongleurs” (o primeiro, que não conhecemos, incide na tradição vocal trovadoresca), o tratamento das fontes utilizadas sofre deslocações subtis que aproximam a música a formas musicais e de sensibilidade contemporâneas um pouco à maneira do que acontece nesse monumento definitivo de abolição de tabus e fronteiras estéticas no tempo que é “Carmina Burana” segundo os Clemencic Consort.
No caso dos Tre Fontane – um trio originário do Sul de França, região trovadoresca por excelência – e em particular no primeiro e mais antigo dos discos em análise, são as percussões soltas e evidenciando uma espontaneidade muito própria do universo folk a fazerem a diferença. Incidindo sobretudo no reportório instrumental da Idade Média, os Tre Fontane desenvolvem aqui, como na quase totalidade do disco posterior, a música anotada no Codex Faenza, descoberto em 1939, documento de primordial importância para o estudo e aprofundamento das técnicas interpretativas da música medieval. Às peças (baladas e “virelais”) de Gullaume Machaut, séc. XIV, músico e poeta considerado um dos melhores e mais representativos compositores no estilo da “ars nova”, juntam-se as “estampies” italianas, em voluntária acentuação de características comuns. Da audição de todas elas sobressai um sentimento de hedonismo exacerbado em que os sentimentos, da amargura mais profunda à exaltação amorosa, assumem proporções exageradas, pelo menos para a nossa triste e apagada maneira de sentir. A natureza, as voltas da roda do destino, a vida vivida em pleno, transformam-se em fonte de prazer constante. A música reflecte essa “joie de vivre” e exacerbação da arte ou do amor cortês levado a um refinamento e elegância de linguagem sem precedentes na chamada “ars antiqua”, anterior historicamente à “ars nova”. Faixas como “Tre fontane” ou as duas baladas de Machaut, exemplos de maior volúpia sensitiva numa obra que é toda ela um jardim de flores no esplendor máximo da fragrância e da cor – “Dame comment…” e “Dame ne regard pas…” são de molde a transformar por dentro quem as ouve. Centrada quase exclusivamente nas obras de Machaut, a última produção até ao presente dos Tre Fontane é mais contida, dando a entender uma preocupação maior de fidelidade às fontes consultadas e a uma contenção de estilo que se prolonga pela própria instrumentação, aqui limitada à sanfona, flautas de bisel, alaúde árabe e “sordun” (ou “sourdeline”, instrumento de palheta dupla de sonoridade aparentada ao fagote com um “vibrato” semelhante ao da gaita-de-foles), enquanto em “L’ Art des Jongleurs, vol. 2” se estende pela exuberância, além dos instrumentos citados, da “chalemie” (outro instrumento medieval de palheta dupla), bombarda e várias percussões (bendir, darbouka, tablas, tamborim, etc.). Entenda-se então a afirmação de Jacques Berque, aplicável por inteiro à música dos Tre Fontane: “A autenticidade não está na repetição exaustiva do antigo, mas sim no restabelecimento do antigo através da inovação”.