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Battlefield Band – “Stand Easy + Preview”

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994
Reedições


Battlefield Band
Stand Easy + Preview
Temple, distri. MC – Mundo da Canção



Uma primeira revelação pelos Battlefield Band, em início de carreira, passaram duas vozes femininas de razoáveis recursos – Jenny Clark, presente em “Stand Easy”, de 1977, e Sylvia Barnes, no EP “Preview”, do ano seguinte.
Era a época em que o som desta banda escocesa andava à procura de rumo e, ao mesmo tempo, de estabilizar a sua formação. Em “Stand Easy”, a música dos Battlefield soava curiosamente inglesa, nomeadamente nas harmonias vocais de temas como “The Battle of Falkirk Muir” e o “carol” “Christ has my hart ay”, reminiscentes dos Steeleye Span. Mas já lá estavam a tradicional extroversão instrumental impulsionada pelos teclados de Alan Reid e as “Highland pipes”, então a cargo de Duncan MacGillivray, em contraste com a delicadeza do violino daquele que viria a tornar-se a estrela fugitiva da banda, Brian McNeill.
Em termos de faixas, os destaques maiores vão para uma composição de Gillivray cantada de forma empolgante por Jenny Clark, “Sevan Braw Gowns”, e para a riqueza harmónica dos arranjos no já citado “The Battle of Falkirk Muir” onde pontificam o baixo, o cruzamento das vozes, o cravo e a gaita-de-foles, num registo que os Battlefield apurariam ao máximo nos esplendores de “Celtic Hotel” (7)

Vários (Festival Cantigas do Maio – edição 5) / Javier Ruibal – “No Seixal Tudo Mal Menos Ruibal” (reportagem)

cultura >> segunda-feira >> 23.05.1994


No Seixal Tudo Mal Menos Ruibal

Falhou quase tudo na edição número cinco do festival Cantigas do Maio que no passado fim-de-semana terminou no Seixal. Falhou o tempo, falhou o som, falhou a electricidade, falhou o programa, falharam os músicos. Uma desilusão à qual escapou Javier Ruibal.



Muzsikas e El Cabrero, respectivamente nomes de cartaz de sexta e sábado no Cantigas do Maio, realizaram ainda há bem pouco tempo em Portugal prestações brilhantes. Os húngaros no festival Intercéltico do Porto, o cantor de flamenco no Teatro S. Luiz em Lisboa. No Seixal as coisas correram-lhes mal.
Márta Sebestyen, ao contrário do que estava anunciado, não veio. Ainda os problemas pós-parto, segundo parece, que têm levado sistematicamente a cantora a anular os seus espectáculos com o grupo. Em seu lugar esteve Ticiána Kazár, uma mocinha de dezassete anos com muito futuro, um penteado igual ao de Márta e uma voz que, por enquanto, não chega aos calcanhares da outra senhora. Num dos temas, precisamente do reportório de Márta, Ticiána tocou “tin whistle” e até desafinou um pouco, decerto por estar muito nervosa.
Quanto aos Muzsikas, com um alinhamento totalmente diferente do do Porto, faltou-lhes desta vez o pequeno “it” que por vezes é tudo: o “swing”, aquele balanço que transforma a técnica e a matemática dos ritmos em qualquer coisa de orgânico. Em seu lugar houve uma componente didáctica, com longas introduções, demonstrações (uma delas cheia de humor, quando Daniel Hámar exemplificou no seu contrabaixo de três cordas o esqueleto rítmico de certas danças, reduzindo a música ao típico binário ao qual alguém já chamou de “serrar presunto”) e explicações sobre os temas. O virtuosismo esteve lá, é evidente, mas deu sempre a ideia de que os músicos tacteavam em busca do ponto de encontro. Miháli Sipos, o maior tecnicista dos Muzsikas, manteve-se à altura de si próprio, executando um solo prodigioso, melhor até do que no Porto, no tema do diálogo com o “gardon”. Mas Sándor Csóori, o segundo “virtuose” dos Muzsikas, mostrou-se demasiado ansioso no solo de gaita-de-foles que antecedeu “The Train”, o tema de desbunda que no Porto fez furor, e numa longa sequência de improvisação em trio foi igualmente infeliz no violino. Para piorar as coisas, a energia faltou por duas vezes – o que obrigou os músicos a tocarem sem luz nem amplificação – e o som esteve bastante mal, metálico e cheio de estridências. Como se tudo isto não bastasse, na parte de trás da sala (vamos chamar sala ao caixote sem o mínimo de condições para se ouvir música que é a Sociedade União Seixalense…) elementos infiltrados da geração rasca fizeram opossível para perturbar, falando em voz alta, abrindo e fechando portas, enfim, compondo o ramalhete de confusão e desconforto.
A chuva encarregou-se de dar o golpe de misericórdia, impedindo a programada sessão de teatro de rua, com bruxas e bruxedos, que não chegaram a sair de Salém, pela companhia Art’Imagem e alunos de escolas do Seixal.
Sábado começou da melhor maneira. Com Javier Ruibal, um cantor de flamenco da Andaluzia senhor de uma voz belíssima e pouco preocupado com purismos, ao ponto de incluir no seu reportório uma vocalização de uma “gnossiana” de Satie, a par de temas equidistantes da pop e do flamenco como “La rosa azul de Alejandria”, “Ay! Pelao” e “Pension Triana”. Na maioria das composições, Javier fez duo com António Toledo, um guitarrista de técnica vertiginosa, mais velocidade e dedos do que coração é certo, o que até acabou por ser coerente, já que a música de Ruibal tem sobretudo uma elegância e sensualidade cutâneas, mais do que profundidade e paixão visceral.
Esperava-se isso de El Cabrero, o sangue e a força da terra. Decepção! O cantor de flamenco e guardador de cabras em “part-time” esteve muitos furos abaixo da sua prestação do S. Luiz, chegando ao ponto de cantar totalmente fora de tom nos primeiros temas. Deficiências no som de munição? A guitarra de mestre Paco del Gastor mal afinada? Seja qual for a resposta, o certo é que só na parte final do concerto El Cabrero justificou a fama com que vinha justamente aureolado.
E como a chuva entretanto não parara, a organização, por vontade dos artistas, voltou a cancelar a sessão de rua. Desta feita com os Trastobilis, da Catalunha, já maquilhados e vestidos a preceito, a terem de desmontar a tenda, gorando deste modo as expectativas de quem se preparava para assistir a uma sessão de fogo, teatro, música e pirotecnia em frente ao Tejo. Antiapoteose e falta de sorte para uma iniciativa que este ano se debateu com uma série de adversidades contras as quais nada pôde ou não soube fazer. Maio, pode dizer-se, não foi em cantigas.

Dolores Keane + Kathryn Tickell – “Música Celta No Coliseu – Uma Estrela Ascende, Outra Cai”

cultura >> segunda-feira >> 09.05.1994


Música Celta No Coliseu
Uma Estrela Ascende, Outra Cai


Há vozes que envelhecem bem. A de Dolores Keane envelheceu mal. Fosse do álcool, por estar grávida ou do ambiente gelado do Coliseu o facto é que a cantora irlandesa foi uma sobra de si própria. Kathryn Tickell, pelo contrário, mostrou que o futuro da folk britânica passa por ela.



Está bem que a música folk é das mais férteis mas não exageremos. É que as cantoras desta área musical que nos últimos tempos nos têm visitado andam a exagerar. Só falta fazerem de Portugal uma maternidade. Márta Sebestyen, no recente Intercéltico, tinha acabado de dar à luz. Foi o que se (não) ouviu: a voz por um fio e os Muzsikas a salvarem, de que maneira, a honra do convento. Sábado à noite, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em espectáculo integrado na programação de Lisboa-94, Dolores Keane apresentou-se por sua vez com uma barriga de quase nove meses. Já não bastava a Maria do Amparo!…
Fosse por este ou por outro motivo qualquer – fortes indícios apontam para o álcool como principal agente de deterioração das cordas vocais da senhora ou não fosse ela da melhor cepa irlandesa – a actuação da mítica Dolores Keane saldou-se numa enorme desilusão. Se o reportório – uma mistura de canções de autores e proveniências variadas servidas por arranjos bacocos e músicos bastante pouco inspirados – até nem surpreendeu, confirmando ao vivo as debilidades dos seus últimos álbuns a solo, já a voz, uma voz que aprendêramos a amar desde quando Dolores era a jovem vocalista dos De Danann, deu uma pálida imagem da grandeza do passado. Dolores cantou em esforço. O seu vozeirão, com aquela gravidade rouca que o whiskey concede aos seus lacaios ao fim de anos de bons serviços, não teve porém o controlo de uma June Tabor, por exemplo, mostrando-se impotente para respirar com a naturalidade que seria legítimo esperar. O som, metálico e estridente, também não ajudou, destruindo o timbre vocal da irlandesa. Aliás, sempre que Dolores se afastava do microfone, logo a voz se lhe suavizava e tornava mais humana.
Enfim, a dama grávida (esta terá sido de resto a sua derradeira apresentação ao vivo antes do parto) cantou sobretudo canções do último álbum “Solid Ground” e autores como Kieran Alpen, Mick Hanly, Linda Thompson e Paul Brady entre várias “immigrant songs”, um exercício de “mouth music” e temas de influência “country”, um dos quais da tradição dos Apalaches com referências a Doc Watson e aos Carter Family. Por duas ocasiões Dolores Keane trocou o canto por uma flauta, nuns “reels”, “jigs” e uma valsa mal amanhados mas que serviram para quebrar a monotonia.
Sobre a banda – guitarras, baixo, bateria e teclados – que acompanhou Dolores Keane a Lisboa pouco há a dizer. Vulgar como qualquer grupo de baile. Nem John Faulkner, marido da cantora e músico de renome, escapou ao cinzentão. A voz não parecia a mesma de um álbum com a qualidade de “Kind Providence”. Quanto ao que mostrou na guitarra, bouzouki e violino, só na Irlanda há hoje centenas de putos capazes de fazerem melhor. Mas pronto, melhores dias virão e o que mais desejamos é felicidades para o casal e para o futuro rebento.
Felizmente tivemos na primeira parte Kathryn Tickell. Uma jovem instrumentista digna de se ver e de se ouvir que, aos 25 anos, é já uma das maiores intérpretes de gaita-de-foles em Inglaterra. Com ela veio a sua nova banda, tudo gente novinha, merecendo destaque o guitarrista Ian Carr e a agilidade digital de Karen Tweed, a acordeonista de laçarote vermelho na cabeça com ar de Pipi das meias altas. Kathryn alternou as “Northumbrian pipes” com o violino, rubricando neste instrumento “reels” em que deixou patente mais elegância do que virtuosismo. Mas foi nas “pipes” que a jovem mostrou todas as suas capacidades. Nem tanto nas acelerações, apoiadas numa utilização inteligente das escalas descendentes e dos meios tons que no final levaram parte da assistência a ir para a frente do palco dançar, como sobretudo num espantoso lamento enriquecido por um jogo de ornamentações, todo ele síncopes e “swing”, ao nível do que escutáramos antes e ao vivo em Paul James, no concerto para iniciados que este músico deu há uns anos em Algés com Nigel Eaton, ou no gaiteiro dos Perlinpinpin Folc.
Kathryn Tickell tem tudo para se tornar uma estrela: talento e fotogenia, a par de uma sensibilidade pop e de uma energia que transformam, sem a trair, a linguagem folk em qualquer coisa de excitante para outro tipo de audiências.