Pop Rock
10 de Maio de 1995
álbuns world
Caminhos de Terra
ALAN STIVELL
Telen Geltiek (5); Reflets (6); Renaissance de l’Harpe Celtique (7); Alan Stivell à l’Olympia (7); Chemins de Terre (8); E Landonned (8); Trema’n’Inis (5); Terre des Vivants (5); Before Landing (8); Un Dewezh ‘Barzh Ger (Journée à La Maison) (6); Symphonie Celtique – Tir Na Nog (10); Legende (6); Harpes du Nouvel Age (7); The Mist of Avalon (3); Again (6)
Dreyfus, distri. Megamúsica
Reposta na sua totalidade pela Dreyfus, a discografia de Alan Stivell, personalidade por vezes polémica – à qual se deve a recuperação e divulgação da harpa céltica na Bretanha, bem como o lançamento das bases da música de fusão da tradição bretã com outras culturas tradicionais, de raiz celta ou não, e o rock -, varia entre o sofrível e o imprescindível. A primeira fase é a da divulgação da harpa céltica (“Telenn geltiek”, em bretão), do empenhamento político, da reconstrução da alma da ancestral Bretanha, do desenterrar dos seus mitos e da sua música, empunhando a língua como arma.
Mais do que “Reflets” e “Telenn Geltiek”, este um registo histórico, embora incipiente, de 1965, “Renaissance de l’Harpe Celtique”, com a sua longa “suite” “Gaeltacht”, é um manifesto poderoso de coerente que na época chegou a fazer algum furor nos círculos folk mais abertos do continente. O espectáculo ao vivo no Olympia – transmitido há muitos anos pela RTP – coincide com o período de euforia, constituindo a sua mistura vibrante da bombarda, da gaita-de-foles e da harpa bretãs com a guitarra e o baixo eléctricos uma novidade explosiva. “Chemins de Terre” é o álbum folk rock por excelência, o disco dos “an dros” eléctricos que atirou definitivamente a música da Bretanha para as bocas do mundo. É também aquele onde se concentrou uma formação forte de sempre, na qual pontificavam os decibéis guitarrísticos de Dan Ar Braz, a contrastarem com a postura e sensibilidade acústicas de Gabriel Yacoub, que sairia do grupo para formar uma das lendas da folk francesa, os Malicorne. Por esta altura o harpista (e não só; Stivell sempre acumulou no “tin whistle”, gaita-de-foles escocesa e bombarda) já se impregnara da mitologia celta e das suas imprecisas origens, lançando-se na teorização de uma comunidade celta universal que empurraria o mundo de novo para o paraíso. “E Landonned” baixa o tom rockeiro do seu antecessor, sendo um dos álbuns mais conseguidos do bardo, só ultrapassado pelo colosso que é a célebre sinfonia céltica. Dezenas de músicos provenientes das mais diversas origens, a utilização de várias linguagens planetárias, do sânscrito a dialectos africanos, uma visão globalizante da música fazem desta longa “suite” (no original, um duplo álbum) coral e instrumental um dos pilares da música folk de sempre e uma das suas fusões mais conseguidas, como se o planeta inteiro cantasse a sua universalidade e as suas diferenças num hino cósmico destinado a ser ouvido pelas estrelas.
Na vertente mais desvairada mas também piegas desta cosmovisão está “Terre des Vivants”, uma tentativa de fazer pop electrónica, por vezes quase industrial, onde a ânsia de modernidade não encontra correspondência musical à altura. Do lado literário, com a inclusão de uma longa tirada declamada, está “Trema’n’Inis” (“Em direcção à Ilha”, o tal paraíso perdido, Tir Nan Aog).
“Before Landing” regressa ao rock com eficácia e sem fugir ao bom gosto, coisa que Stivell nem sempre conseguiu. O álbum tem um trunfo: a presença do violinista inglês, na altura ainda nos Fairport Convention, Dave Swarbrick. Em “Un Dewezh ‘Barzh Ger” assiste-se à aproximação da Bretanha com a música indiana e ao tipo de folclorite da qual Loreena McKennitt é hoje uma das porta-vozes.
O incaracterístico “Legende” antecipa o regresso às origens de total dedicação à harpa, mas agora nas tonalidades new age de “Harpes du Nouvel Âge”, apresentadas pelo músico nos mais diversos contextos, desde a música antiga à improvisação e à música contemporânea, para tal utilizando tanto o velho modelo acústico do seu pai, como uma variante electroacústica. Depois de “The Mist of Avalon” – a senilidade total, o misticismo de pacotilha, o choradinho pseudocósmico – Stivell emendou a mão e refez, sem grandes concessões, alguns temas antigos, em “Again”. Mesmo se o futuro é incerto, o homem merece respeito.