Arquivo da Categoria: Clássica

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #78 – “Pensamentos sobre o rock – parte 2 (Victor Afonso)”

#78 – “Pensamentos sobre o rock – parte 2 (Victor Afonso)”

Fernando Magalhães
19.02.2002 170559
quote:
________________________________________
Publicado originalmente por Victor Afonso

“Satie (ainda que as peças deste para piano pareçam brincadeiras de crianças). ________________________________________
Olá Victor

No essencial concordo com (quase) tudo o que escreveste. Com uma ressalva, porém, e sobre isto aproveito a frase sobre o Satie, com a qual não estou de acordo.

Prende-se então esta minha “dúvida” sobre o que é ou não complexidade. É que me parece redutor analisar esta conceito unicamente à luz da forma/estrutura/arquitetura musical de uma dada peça, ou seja, à matemática pura e simples.

Esta complexidade pode ser – e é-o muitas vezes – um vetor emocional, sentimental ou psicológico. Algo, apenas percetível ao nível da interpretação (não necessariamente técnica) ou da escuta subjetiva. Por isso cada maestro ou cada executante sentirá/interpretará a mesma peça musical de forma diferente.

Precisamente, no caso de Satie a complexidade não está na pauta propriamente dita mas na densidade emocional da sua música (o tipo era maçon, não o esqueçamos…).
Qualquer pianista de meia tijela, é verdade, conseguirá tocar AS NOTAS de uma Gymnopédie ou de uma Gnossienne mas poucos são os que conseguem fazer a transposição do universo interior contido na música do compositor.
Há versões absolutamente pindéricas e “light” da sua música.

Mas se ouvires a interpretação dos temas mais clássicos e conhecidos de Satie por um pianista como REINBERT DE LOWE (que conheci há muitos anos através do “Em Órbita”) perceberás melhor o que quero dizer com esta outra forma de entender o termo “complexidade”.
O jogo de tensões/silêncios, o modo como cada tecla é percutida (como se tivesse sido exigida uma vivência de anos, para o fazer…), modo como cada pausa é estendida revelam uma coisa difícil de atingir: sabedoria. De tal forma esta interpretação exigiu tudo do pianista que este voltou novamente às mesmas peças, cerca de 20 anos depois, como se a música de Satie continuamente lhe sugerisse a necessidade de aprofundar mais e mais a sua abordagem.
20 anos para tocar “peças que parecem brincadeiras de crianças” !!!????. Não me parece…

Da mesma forma, há peças clássicas tecnicamente extremamente complexas que contém uma enorme parcela de vazio…Ou seja, na prática não são complexas na medida em que o vazio nunca é complexo.
Um computador pode escrever uma peça formalmente mais complexa que qualquer humano, ao ponto de ser impossível a sua execução.

A música de BRIAN ENO é complexa? Que valor tem um álbum como “Discreet Music”, por ex,, criado de forma aleatória por um sistema de produção sonora praticamente independente da componente humana? E, lá está, surpreendentemente, as sobreposições harmónicas dos vários loops postos “a correr” adquirem insuspeitos detalhes, de uma inultrapassável riqueza/complexidade. A dado ponto, como no minimalismo, a música passa a desenrolar-se sobretudo no cérebro do ouvinte, onde tudo se torna possível.

A música de Mozart na interpretação de Waldo de los Rios continua a ser complexa?

Chegamos ao nó da questão: O que é ou não música, afinal de contas? : )

saudações musicais complexas : )

FM

Philip Glass – “Itaipu / The Canyon”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


Philip Glass
Itaipu / The Canyon
Sony Classical, distri. Sonty Music



Parte dois e três da série de música programática inspirada na Natureza (a primeira foi “The Light”) paralela a outra do mesmo autor, mais antiga, a das óperas inspiradas em personalidades, como “Einstein on the Beach”, “Satyagraha” e “Akhnaten”. “Itaipu” usa a orquestra sinfónica e o coro de Atlanta, segundo um formato gigante à altura do tema escolhido: o percurso do rio Paraná, desde a nascente em Mato Grosso até à foz no Atlântico, passando pelo imenso lago artificial criado por uma não menos imensa barragem hidroeléctrica construída a meio doleito entre 1974 e 1991. Tão grande, de facto, que ao visitar os seus monstruosos geradores (a orquestra sinfónica do Brasil inteira tocou uma vez no interior de um deles!) e condutas, o compositor terá concebido logo ali o formato sinfónico-coral da nova peça. O “libreto” é uma adaptação de um mito dos índios guarani que refere “Itapu” (“a pedra cantante”) como sendo a vibração musical de uma antiga rocha, provocada pelo contacto com os rápidos do rio.
Ao contrário de “Itapu”, “Canyon” não se baseia em nenhum local concreto – é um “canyon” idealizado por Glass que a esta obra fez corresponder um naipe instrumental mais reduzido.
O certo é que, seja no meio aquático, seja entre as pedras, a linguagem mil vezes reciclada de Glass já não consegue provocar uma centelha de surpresa ou de excitação. Aqui, o compositor que faz óperas como quem estrela um ovo, bateu na tecla das grandes massas sonoras e nos coros tonitruantes, sobretudo em “Itaipu”, querendo simbolizar a grandiosidade do tema abordado. Algo numa veia semelhante à de “The Forest”, de David Byrne. Mas fica a impressão, como tem vindo a acontecer na maioria das obras recentes de Glass, de se tratar de um mero exercício formal. De uma reciclagem cansada das obsessões de sempre. Com corpo mas sem coração. Umas férias eram capazes de vir mesmo a calhar. (5)

Michael Nyman – “The Piano”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


Michael Nyman
The Piano
Virgin, distri. EMI – VC



Banda sonora do filme de Jane Campion, actualmente em exibição nos cinemas portugueses. Para trás ficou, até ver, Greenway e os seus grandes frescos decadentes, que serviam às mil maravilhas o neoclassicismo minimalista, com a reconhecida vénia a Purcell, de Michael Nyman. Em 2The Piano”, porém, o compositor toca pianinho, em peças curtas que deixam esbatido o seu estilo peculiar, o que se por um lado tem a vantagem de tornar o disco menos previsível, por outro acaba por torna.lo um pouco aborrecido. É a velha história das bandas sonoras que aguentam e as que não aguentam a ausência das imagens. “The Piano” aguenta com esforço, como um carregador de pianos.
Para ponto de partida das orquestrações, Nyman utilizou um reportório específico para piano que idealizou como sendo o reportório pianístico de Ada, a personagem principal do filme, nas suas aulas de aprendizagem / iniciação amorosa deste instrumento. Ada é escocesa: por isso, foram incorporados na música elementos folk deste país. Nota-se, se prestarmos muita atenção. Da música de Ada – de Nyman, pois – diz outra personagem do filme: “É um estado de espírito que nos trespassa… um som que provoca arrepios.” Provavelmente. (5)