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Vários (Teatro Del Buratto, Riccardo Tesi, Consonanza) – “Grupo Teatral Italiano Organiza Festival Tripartido – Imaginar O Sul” (Festival Sete Sóis Sete Luas)

cultura >> segunda-feira, 20.09.1993


Grupo Teatral Italiano Organiza Festival Tripartido
Imaginar O Sul


“Sete Sóis, Sete Luas” é o primeiro festival luso-grego-italiano de teatro e cultura organizado pelo grupo teatral italiano Immagini, de Pontedera. Música clássica, tradicional e teatro percorrem o Alentejo durante nove dias. Numa iniciativa que “visa a aproximação de três mundos extremamente ricos de história e tradições artísticas”.



“Pane Blu”, pelo Teatro Del Buratto, iniciou, em Montemo-o-Novo (ver caixa), a programação do festival “Sete Sóis, Sete Luas”. Nesta cidade alentejana que encetou um processo de geminação com a sua congénere, Pontedera. Hoje é a vez do Anfiteatro Zeca Afonso, em Mértola, abrir as portas à música tradicional do Centro de Itália, pelo trio do acordeonista toscano Riccardo Tesi, um dos mais reputados intérpretes do “organetto” da actualidade (crítica aos álbuns “Il Ballo Della Lepre” e “Véranda” na página de “world” do suplemento “Poprock”, de quarta-feira passada) que vem ao Alentejo acompanhado de Ettore Bonafé, em vibrafone e percussões, e Maurizio Geri, guitarra e voz. O espectáculo, de genérico “Etnia Immaginaria”, tem ainda agendadas datas para Évora, dia 23, no Palácio Barrocal, do Inatel, Beja, dia 24, no largo das Portas de Mértola, Montemor-o-Novo, dia 25, no largo dos Paços do Concelho, e Estremoz, dia 26, na Igreja dos Congregados. Todos os concertos às 21h30, com entrada livre.
O grupo Consonanza, de Florença, apresenta por sua vez o espectáculo “Dal solo al sexteto”, em concertos de música clássica que terão lugar em Montemor-o-Novo, dia 23, na Igreja de São Domingos, Alcácer do Sal, dia 24, na Igreja de S. Maria do Castelo, Beja, dia 25, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, e Évora, dia 26, na Igreja das Merc~es.
Nascido da herança de três projectos organizados em anos anteriores pelo grupo, “Sicilia in immagini” (1990), “Alentejo in Immagini” (1991) e “Arianna” (1992), “Sete Sóis, Sete Luas” representa a assunção, simbólica e pragmática, da unidade do triângulo Portugal-Itália-Grécia.
Iniciativa original, pelos pressupostos de que parte (“apresentar-se não como manifestação de carácter passageiro e consumístico, mas sim como projecto estável e permanente ao longo dos anos”) e pelos objectivos que propõe (além da natural divulgação de música e teatro, “criar um ponto de referência também para investigadores e homens de teatro interessados no processo de troca e de confronto com culturas de raízes ibéricas e helénicas”), o festival já teve lugar este ano na província de Pisa, Itália, entre 20 e 30 de Julho, continuando, a seguir a Portugal, em Atenas e Rodes, Grécia, no mês de Dezembro. Sempre e de futuro segundo o mesmo esquema tripartido e itinerante de presentações nos três países englobados no projecto, apresentando embora, para cada edição, um programa unitário.
Mas não se ficam por aqui os objectivos do “Immagini” de Pontedera. Prevista está ainda, no campo literário e editorial, a publicação de uma obra inédita em italiano, “O Ano de 1993”, um original de 1987, de José Saramago, “o maior escritor português vivo”. Com tradução do professor Domenico Corradini, catedrático de Filosofia do Direito, na Universidade de Pisa, e também consultor cultural do festival.
“Sete Sóis, Sete Luas” conta com a organização, além do grupo de teatro de Pontedera, da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e do Organismoos Dodekannisiaso Theatrou de Rodes. Já este ano o festival ganhou o Prémio Caleidoscópio, atribuído pela Comunidade Europeia às manifestações artísticas com marcada dimensão europeia.

Pedro Caldeira Cabral – “Pedro Caldeira Cabral” + “Duas Faces”

pop rock >> quarta-feira, 08.09.1993
REEDIÇÕES


PEDRO CALDEIRA CABRAL
Pedro Caldeira Cabral (6)
Duas Faces (6)
CD EMI – VC



Considerado, com Carlos Paredes, um dos expoentes da guitarra portuguesa, de Pedro Caldeira Cabral sempre se comentou que o seu estilo, por comparação com o do autor de “Verdes Anos”, é demasiado frio e cerebral. O que se torna tanto mais incómodo quanto existem de facto semelhanças estilísticas entre ambos. Mas enquanto Paredes se “perde”, no sentido em que se deixa arrastar pela inspiração do momento, numa postura interpretativa em que o corpo funciona como uma extensão biológica da guitarra, Pedro Caldeira Cabral coloca-se no pólo oposto, o da distanciação. O que, se por um lado retira à sua música alguma expressividade emocional, lhe permite, por outro, percorrer áreas e registos musicais inacessíveis a Paredes. É assim que em “Pedro Caldeira Cabral”, na companhia de elementos do Opus Ensemble e dos “jazzmen” Carlos Bica e Carlos Martins, Caldeira Cabral leva a guitarra aos salões de música de cãmara (a par de incursões na Andaluzia e no minimalismo africano de “Uimbe”) e em “Duas Faces”, com João Nunes Represas e Rui Luís Pereira, “Dudas”, ex-Resistência e Ficções, se aproxima das cadências étnicas – portuguesas (em que aflora por vezes a vizinhança com Júlio Pereira), árabes, brasileiras – e do fado. Num e noutro caso, a diversidade e o tecnicismo demosntrados não arrastam consigo a paixão, soando certos temas a exercícios formais que os próprios títulos sugerem: “Jogo dos sons”, “Estudo em harpejos”, “Ostinato”. Um caso a exigir uma certa dose de loucura.

Kronos Quartet – “Kronos Quartet – Entre O Brilhantismo E O Bocejo”

Secção Cultura Terça-Feira, 07.05.1991


Kronos Quartet
Entre O Brilhantismo E O Bocejo


Os Kronos Quartet tocaram domingo no Tivoli vestidos de todas as cores, às riscas e aos quadrados. Serviram-se dos instrumentos de corda como se fossem tambores. Apanharam o comboio de Steve Reich e, no fim, quase saltaram das cadeiras, para interpretar um clássico de Jimi Hendrix. A música de câmara já não é o que era.



Sobre o palco do cinema Tivoli, em Lisboa, discretamente iluminado, três homens e uma mulher, de vestes garridas e pose descontraída. Dois violinos, uma viola, um violoncelo. O bastante para, mal as cordas começaram a vibrar, fazerem desaparecer num instante as ideias preconcebidas sobre como aqueles instrumentos devem soar. De resto, os Kronos Quartet fizeram aquilo que deles se esperava, ou seja, uma demonstração de diferentes abordagens à música contemporânea, filtrada pela sensibilidade muito própria dos quatro músicos e traduzida numa criteriosa e diversificada escolha de repertório.
Do programa constavam obras dos compositores africanos Dumisani Maraire e Foday Musa Suso (respectivamente “Mai Nozipo” e “Tilliboyo”), do nova-iorquino supersónico John Zorn (“The Dead Man”), do polaco Henrik Mikolaj Gorecki (“Already i tis Dust”) e do holandês Louis Andriessen (“Facing Death”).
Logo na primeira peça se viu que, para David Harrington, John Sherba, Hank Dutt e Joan Jeanrenaud, o termo “instrumentos de corda” não é um conceito linear. As respectivas caixas de ressonância pareciam ter sido construídas de propósito para servirem de tambores, suporte de complexos e delicados batuques. Desconfia-se que, em certas passagens, os músicos terão utilizado, em cada mão, mais um ou dois dedos sobresselentes. Em “Tilliboyo” (“Pôr-do-sol”) – ênfase para o rendilhado de “pizzicatos”, criadores de intrincadas tapeçarias rítmicas. A escolha destas duas obras serviu pelo menos para demosntrar a importância que os Kronos Quartet dão às músicas não-ocidentais e para convencer as sensibilidades mais empedernidas da imensaidade de notas clandestinas escondidas entre os meios-tons da nossa querida escala.
Com John Zorn as coiss aceleram inevitavelmente. Dividido em pequenas células autónomas, “The Dead Man” deu para tudo – serrotes com o freio nos dentes, explosões, respiração asmática, ranger de portas, ou simplesmente a vibração do ar agitado freneticamente pelos arcos dos instrumentos, foram alguns dos timbres, mais ou menos agradáveis ao ouvido, com que os Kronos Quartet presentearam uma assistência ávida de bizarrias. Mal imaginava ela que a “pior” parte estava para vir, a da música “séria”, sorumbática, de fazer descair os cantos da boca e franzir as sobrancelhas. Falemos então de coisas sérias.
“Already i tis dusk”, assombrosa de intensidade dramática, mergulha nas pulsões humanas mais obscuras, progressão majestosa pelos meandros da alma em busca da luz, culminando na total suspensão temporal, num silêncio e paz tumulares acentuados pela iluminação de palco, reduzida a um penumbra crepuscular.
Louis Andriessen compõe sempre a partir de temas grandiosos. Seja no tríptico “Il Duce”, baseado na vida do ditador italiano, no “Il Principe”, de Maquiavel, no “magnum opus”, “De Staat”, inspirado na “República” de Platão ou na ópera “Passion selon Saint Matthieu, Orpheu set George Sand”, há sempre motivos para profundas especulações metafísicas. Foi o que aconteceu na sala do Tivoli, durante “Facing Death”, já que grande parte dos presentes baixou as pálpebras, abandonado-se aos prazeres soporíficos da contemplação. A luz súbita do intervalo serviu para despertá-los do êxtase.
“Different Trains”, obra minimal-ferroviária do compositor americano Steve Reich, ocupou integralmente a segunda parte do concerto. Encomendado pela CP, por ocasião da inauguração do troço Rossio – Cais do Sodré, “Different Trains” é uma espécie de contraponto erudito da “Autobahn” (“auto-estrada”) dos germânicos Kraftwerk ou de “Station to Station” de David Bowie. As cordas juntam-se a outras pré-gravadas e a vozes aleatórias que periodicamente vão determinando as progressões melódicas dos instrumentos ao vivo, segundo um processo semelhante e radicalmente assumido por Scott Johnson na obra-prima “John Somebody”.
“4/4 Tango”, de Astor Piazzolla, cumpriu de forma brilhante o primeiro encore. Finalmente, no segundo e último, o tema por que todos esperavam – “Purple Haze”, de Jimi Hendrix. Delírio generalizado, dos músicos (“atacaram” o tema de tal forma que por pouco iam rebentando as cordas) e do público, infelizmente pouco numeroso. Aos Kronos Quartet só faltou pegarem fogo aos violinos. Bem vistas as coisas, até pegaram…