Ricardo Rocha – “Voluptuária”

(público >> y >> portugueses >> crítica de discos)
06 Junho 2003


O terceiro movimento

RICARDO ROCHA
Voluptuária
2xCD, ed. e distri. Vachier & Associados
8 | 10





Depois de Pedro Caldeira Cabral e das suas “Memórias da Guitarra Portuguesa” é a vez de Ricardo Rocha testemunhar a favor (embora a entrevista ao lado possa sugerir mais um “contra”…) da guitarra portuguesa e das suas especificidades enquanto instrumento que melhor exprime um modo de sentir (tradicional?) português mas que finalmente se abre para um universalismo, de ordem não só estética como ideológica, antes apenas enunciado.
“Voluptuária” pode ser encarado como o terceiro momento, ou movimento de um caminho de emancipação deste instrumento que terá tido origem em Carlos Paredes, prosseguindo no sentido de uma certa “normalização” estilística através de Pedro Caldeira Cabral, e finalmente sido redimido das suas limitações próprias e enquadrado no campo mesmo das novas músicas, por Ricardo Rocha. De Paredes retirou Rocha a expressividade física (o arrebatamento, esse é próprio da alma de cada um) enquanto de Caldeira Cabral aproveitou o gosto pelo jogo das formas e a propensão para um estruturalismo mais cerebral que em Paredes mal se deixava perceber por detrás do dilúvio das emoções.
Rocha possui uma visão de campo alargada, sente o tempo de uma forma que lhe permite ir do minimalismo e da repetição ao estatismo, das cascatas de acordes que tombam em dilúvio às notas soltas que flutuam com vida própria no seio do silêncio. Do classicismo, reiterado nas três composições em forma de “trompe l’oeil” com dedicatória a Scriabin e enredado nos parâmetros do contraponto e do Barroco nas peças para cravo, ao abstracionismo cultivado, à sombra de um acompanhamento discreto da guitarra, nas peças para violino. É, porém, no gosto pelo equilíbrio e na preocupação, quase obsessiva, pelo detalhe (inclusive posto em prática no trabalho meticuloso da escolha dos títulos e no grafismo da embalagem, um digipak que põe em contraste o lado cósmico com o microcosmos dos pequenos ícones pessoais) que Ricardo Rocha se revela exímio, propondo a integração da guitarra portuguesa numa “new age” de contornos inovadores onde as noções de tradicionalismo e modernidade se esbatem e a beleza não se esgota nas cores de uma natureza-morta, antes é espaço de procura de novos horizontes.



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