Peter Hammill – “Peter Hammill, No São Luís – Ritual De Êxtase E Possessão” (concerto)

Cultura >> Sexta-Feira, 19.06.1992


Peter Hammill, No São Luís
Ritual De Êxtase E Possessão


DURANTE DOIS dias, na quarta-feira e ontem, o Teatro de São Luís, em Lisboa, transformou-se na catedral onde se celebrou o ritual da entrega de um homem à sua música. Peter Hammill arde literalmente no canto. Cada espectáculo seu é ao mesmo tempo um acto de catarse e uma dádiva de amor. De alegria e de crucificação. Único e, como tal, irrepetível.
Em palco, um piano e uma guitarra. Palavras e canções. Peter Hammill vive cada uma delas como se dessa assumpção dependesse a existência de si próprio e do universo. Foram ao todo quinze canções, escolhidas de entre uma lista imensa, de uma vida imensa. “Não interessam os títulos, mas a canção em si e a ‘performance’” – disse o cantor – “poderia cantá-las de forma totalmente diferente”.
Cada actuação ao vivo de Peter Hammill é uma parcela de eternidade. Qualquer coisa de muito íntimo, entre o silêncio e o grito,m ofertada à partilha dos “outros”, à massa anónima constituída por cada um de nós que, num momento ou outro da vida, interiorizou ou exorcizou as palavras do poeta. “All things are universal”.
Ficou a certeza, se dúvidas ainda havia, de que, pelo menos ao vivo, a grande arte de Peter Hammill permanece intacta e assim permanecerá para sempre. E o momento alucinante, na parte final de “Stranger still”, do artista possuído pelo génio e pelos deuses, na exaltação dramática do canto e da voz, na repetição demencial do verso final – “a stranger, a wordly man” – que o impeliu a saltar do banco do piano e a correr de braços abertos, triunfante, na direcção da assistência, perdido e encontrado, fora de si – em êxtase.
Para a posteridade, aqui fica o registo das canções onde, na quarta-feira, se cumpriu o ritual, por ordem de interpretação. Com Hammill ao piano: “Childlike faith in chilhood’s end” (única do período Van Der Graaf, do álbum “Still Life”), “Just good friends” (“Patience”), “Curtains”, “His best girl” (ambas de “Fireships”), Mirror images” (PH7”). Na guitarra: “The comet, the course, the tail” (“In Camera”), “I will find you” (“Fireships”), “Something about Ysabel’s dance” (Out of the Water”), “Ophelia” (“Sitting Targets”), “If I could” (“The Future Now”), “Patient” (“Patience”). De novo ao piano: “A way out” (“Out of Water”), “Stranger still” (“Sitting Targets”), “Traintime” (“Patience”). No “encore”: “Modern (“The Silent Corne rand the Empty Stage”. A perfeição.

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