pop rock >> quarta-feira >> 27.07.1994
DOSSIER
Tuna Fixe!
Serenatas ao luar. Farra até às tantas. A camaradagem e o espírito de grupo. A música. A borga. O reatar de tradições. Quim Barreiros, o herói. Pela alegria e pela irreverência. São as tunas académicas, um fenómeno emergente entre a juventude universitária portuguesa.

Um pouco por todas as universidades do país os estudantes envergam de novo a capa e a batina, erguem o estandarte e tentam recuperar o verdadeiro espírito académico. Algo que se perdeu na vertigem da competição e do individualismo que grassam na sociedade portuguesa actual. As tunas servem, entre outras coisas, para fortalecer o espírito de grupo. Os tunos nascem para se divertirem mas também para conquistarem uma unidade perdida. Os estudos, nalguns casos, quando a paixão é maior, ressentem-se. É preciso sacrificar num lado para celebrar no outro.
Tudo está ainda no princípio. Ensaiam-se fórmulas e discutem-se modelos. O exemplo vem de Espanha, onde a tradição das tunas é mais antiga. Os tunantes, ou tunos, ou seja, os amigos da boémia, fortalecem laços, juntam as guitarras, bandolins, cavaquinhos, contrabaixos, acordeões e pandeiretas e cantam temas populares, melodias fortes, algumas brincalhonas, outras mesmo picantes. Estão unidos. Nalguns casos nem tanto. Há dissidências, elementos que saem de uma tuna para entrar noutra. Mas a regra não é essa. É-se tunante, de uma tuna que não pode ser nenhuma outra, até ao fim da vida. Com orgulho. Há quem fale na formação de uma quadratuna, tuna de veteranos.
Entra-se para uma tuna por uma porta estreita. O candidato a tuno submete-se a praxes. A rituais de iniciação. Pelo menos deveria ser assim. O mais importante é saber se tem ou não o espírito. Quem der provas entra, quem não se achar capaz sai. Cada tuna tem cerca de trinta elementos. Muita gente. Mas o corpo colectivo é só um. As serenatas podem ser um problema. Antigamente era fácil, no tempo dos orfeãos, considerados por alguns antepassados das tunas. Os rapazes saíam para a rua e cantavam à janela para as donzelas. Hoje já há tunas femininas e o caso mudou de figura. Elas perderam a timidez e cantam aos rapazes. É a mudança dos tempos e de mentalidades. A renovação da tradição. É normal, dizem alguns. Não pode ser, a tuna é coisa de homens, dizem outros, tradicionalistas ferrenhos. Mas o pior é quando as tunas são mistas. Aí fia mais fino. Como é? Raparigas fazendo serenatas a raparigas? Rapazes guitarrando outros rapazes? Não pode ser. Não fica bem. É um problema que é preciso resolver. Há vários problemas a resolver.
E os trajes? Há que ter cuidado. Sobretudo no caso das raparigas. Nem saias muito curtas, para não distrair demasiado as atenções e evitar os piropos dos mais atrevidos, mas muito compridas também não. Porque isto de cantar, vivar parte da vida numa tuna, não é só brincadeira, pode ser uma coisa muito séria. Por isso é preciso separar as águas e distinguir entre os verdadeiros tunos e aqueles que se fazem passar por tal como justificação para a bandalheira. É preciso trabalho, ensaios, fortalecer o tal espírito de grupo. Existe ordem na aparente desordem de uma tuna. Tem que ser assim. As tunas viajam por Portugal e pelo estrangeiro, participam em festivais, representam uma instituição.
Tornou-se moda convidar tunas para os programas de televisão. Têm pinta, fazem número, são folclore, pensam os responsáveis. Metem-nos nas primeiras filas, trajados a preceito e pedem-lhes palmas e alegria. As tunas, algumas, vão. Em geral arrependem-se. Dizem-lhes que vão tocar, mas mal os tunos pegam nos instrumentos e se preparam para atacar a primeira canção, logo surgem os irritantes genéricos, com a ficha técnica a passar depressa e as tunas a ficarem a ver navios. Também é costume convidar tunas para colorirem homenagens a fadistas conhecidos. No último aniversário de Amália, não podiam faltar. Lá estava uma tuna. É bom, é mau? As pessoas falam deles e delas, vestidos de negro, a cantarem coisas que toda a gente pode cantar. São contagiadas pela alegria dos tunos. Voltam talvez a ter saudades do tempo em que eram estudantes. É mesmo assim, eles e elas juram que sim: tuno até ao fim.
O PÚBLICO entrou no universo das tunas. Falou com elementos de algumas delas. Com os magísteres, por exemplo, que são uma espécie de chefes, organizadores, catalisadores do espírito de cada tuna. Desfizeram-se ideias feitas. Tunos da Estudantina Universitária de Lisboa, da Tuna da Universidade Internacional, da Tuna Universitária do Instituto Superior Técnico, e da Tuna-Maria, uma das poucas tunas femininas existentes, contaram histórias e segredos. As duas primeiras já gravaram compactos. Ficaram de fora muitas outras, de Lisboa, Porto e Coimbra. Todas elas com as suas próprias histórias para contar. É um mundo mais complexo do que parece, o das tunas universitárias. Eferreá!!
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De Pára-Quedista A Pranchado
O fenómeno das tunas explode nos meios académicos de Lisboa em 1988, com o aparecimento da Tuna da Universidade Internacional, formada por um grupo de amigos que “gostava de tocar e beber uns copos”. Tem 30 elementos. “Com uns a sair e outros a entrar.” Foi a primeira tuna mista e a primeira a fazer o ressurgimento da capa e batina em Lisboa. Mas a história vem de trás. “As tunas são originárias de Espanha”, explica Rogério. O fenómeno chegou cá “com a vinda da tuna de Santiago de Compostela a Coimbra. Surgem nessa altura, por volta de 1912, a Estudantina de Coimbra e a Tuna do Orfeão do Porto, as duas tunas portuguesas mais antigas”.
Rogério diz que a Tuna da Universidade Internacional (TUI) surgiu para ressuscitar em Lisboa o espírito das tunas. A primeira das praxes de uma tuna diz respeito ao seu nascimento. Para nascer, uma tuna tem que ser apadrinhada por outra, já existente. No caso da TUI o padrinho foi o Orfeão do Porto. Ramón – um espanhol que se transferiu de uma tuna castelhana para a TUI, ficando os dois agrupamentos geminados – critica as tunas que não cumprem esta praxe: “É preciso que haja uma tuna com experiência que ensine aos candidatos o que é ser tuno. Ninguém nasce tuno. Aprende-se com a prática.”
Na TUI para se chegar a tuno tem de se passar por três fases distintas. “Na primeira, vemos se o candidato tem aptidões para ser tuno”, explica Ramón. É a fase do “pára-quedista”, em que “uma pessoa ainda não está integrada na tuna, nem sobe ao palco com os outros para cantar. Vem aos ensaios para aprender. Ninguém lhe pode tocar. É como se fosse imaculado”. Esta fase dura em geral três, quatro meses. “Quando vemos que ele já está a tocar e a cantar bem, fazemos-lhe uma prova escrita em que terá de mostrar perante um júri se aprendeu ou não as músicas.” Se passar, torna-se caloiro e já poderá subir com os outros para o palco. “Já tem mais responsabilidade”. Esta segunda fase, em que o caloiro é denominado “pranchado”, costuma durar cerca de dois anos.
O “pranchado” deverá desempenhar tarefas, como “transportar os instrumentos, comprar bebidas, fazer a limpeza depois de um ensaio, etc.”. “São os burros de carga!”, diz a rir o Rogério. “É nessa altura que vemos se ele tem ou não o espírito de camaradagem e se quer cumprir as regras do jogo.” Finalmente, a última iniciação, a entrada definitiva na tuna, ou seja, o “baptismo”, acontece “de surpresa”. “Vamos um dia para uma fonte e é aí que se processa o baptismo. Com o caloiro em cuequinhas…” Chegado a este ponto convém precisar que a TUI é uma tuna mista… “É igual, elas em cuequinhas e ‘soutien’.”
A TUI foi a primeira a organizar em Lisboa um festival de tunas, com “tunas de todo o país e de Espanha”. Em Dezembro deste ano vai realizar-se a sexta edição. Mandam as regras que a tuna receba “cachet” pelas suas actuações apenas nas participações em festivais nos vários pontos do país ou do estrangeiro. No âmbito das actividades académicas não se cobra.
É o lado mais formal das actividades musicais. Além dele, a tuna “toca nas ruas e nos bares”, diz Rogério. “É mais boémio, vamos para o Bairro Alto ou Mouraria, fazer serenatas.” As canções do nosso disco [“Encantos de Lisboa”, editora Ovação] falam da vida da boémia, das serenatas ao luar.” E as raparigas? “Há um preconceito quando se diz que as tunas têm que ser só masculinas ou femininas. Ninguém tem problemas em fazer serenatas juntos.” (Ver foto.)
Um aspecto curioso na vida das tunas é a rivalidade existente entre elas: “uma rivalidade saudável”, garante Rogério. “Podemos sair nós e outra tuna qualquer e irmos para os copos juntos.” A quem a TUI não perdoa é à Estudantina Universitária de Lisboa. “Fizeram uma coisa muito mal feita”, comenta Ramón. “Numa altura em que já havia algumas tunas em Lisboa, eles, em vez de arranjarem caloiros, foram buscar elementos a outras tunas, incluindo a nossa. Aconteceu que as outras tunas que estavam a começar ficaram fracas. Não é por acaso que a Estudantina nunca foi convidada para nenhum festival de tuna em Portugal.”
Rogério e Ramón apreciam ambos Quim Barreiros, embora sejam de opinião de que ele “não tem nada a ver com as tunas”. Para Rogério, “o fenómeno Quim Barreiros surgiu a nível universitário porque em Lisboa ou em qualquer outro lado onde há queima das fitas o Quim Barreiros está lá. Pode dizer-se que nas universidades toda a gente gosta muito dele.

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A Tuna Institucional
A Estudantina Universitária de Lisboa (EUL) foi formada em 1992. É uma espécie de supertuna, ou tuna das tunas, integrando elementos de várias faculdades da capital. “Das universidades públicas e privadas e privadas, da medicina à informática, há praticamente elementos de todos os cursos”, diz Luís Jerónimo, “magíster” da EUL, que tem cerca de 30 elementos. A tuna já apareceu na televisão ao lado de Herman José e colaborou recentemente no aniversário público de Amália. Nela, ao contrário de outras tunas, não há praxes de entrada. Para Luís Jerónimo, “é um processo natural”: “As pessoas vão aparecendo, é óbvio que têm que ter determinados requisitos – ser estudante universitário, saber tocar um instrumento e cantar. Depois vão andando connosco, vão aos ensaios. Se virmos que eles entraram bem no estilo das músicas e que tocam razoavelmente, começam a acompanhar-nos como caloiros.”
Alvo de várias críticas, nomeadamente por ter “roubado” elementos a outras tunas, Luís Jerónimo, que foi um dos fundadores da Tuna da Universidade Internacional, uma das que se sentem mais lesadas, defende-se: “Quando há críticas, das duas uma, ou há alguma coisa muito má e muito grave ou há alguma coisa muito boa. Não fomos buscar ninguém à Tuna da Universidade Internacional. Eles vieram de livre vontade. Foi aí que surgiu a ideia da Estudantina. Depois, como este era um projecto que agradava a muitas pessoas, pessoas que já pertenciam a outras tunas, estas juntaram-se por sua vez à Estudantina. Não havia qualquer pretensão de ‘roubar’ seja quem fosse.”
Outra das críticas relaciona-se com a falta do chamado “espírito de tuna” na EUL, encarada como um grupo onde, de facto, em termos artísticos, os seus elementos são excelentes, mas onde a camaradagem é menor e a vida de boémia mais controlada. Em suma, uma tuna mais bem-comportada. “Não aceitamos que digam isso. Até porque, para contradizer essa opinião, posso dizer que estivemos na Páscoa em Paris, durante 15 dias e, além dos espectáculos marcados, aproveitámos para conviver uns com os outros, acertar ideias, discutir projectos, fazer músicas, enfim, mas também um bocado de boémia, de copos, etc.”, replica Luís Jerónimo.
Já com um compacto no mercado, editado pela Vidisco, “Estudantina Universitária de Lisboa” e um segundo em preparação. A EUL é, a par da Tuna da Universidade Internacional e, anteriormente, das tunas de Coimbra e do Orfeão da Universidade do Porto, uma das poucas que tem a sua música gravada. Sem a preocupação de seguir modelos ou a tradição: “Não existe uma verdadeira tradição, porque a tradição implica muitos anos passados sobre uma mesma realidade. A tradição das tunas em Portugal não existe, está a fazer-se agora. Existiram a Estudantina de Coimbra e a Tuna do Orfeão Universitário do Porto, no início do século, mas depois essa tradição apagou-se.”
Uma das ideias avançadas por Luís Jerónimo é a criação de “uma instituição nacional que regulamentasse um bocadinho a realidade das tunas”, no sentido de definir normas e defender a qualidade artística delas.: “Uma tuna não é só juntar 20 ou 30 indivíduos em cima de um palco. O espírito académico, toda a gente fala nele mas pouca cumpre. Há uma rivalidade estúpida entre as várias tunas, não há uma amizade, uma coesão, uma força. A rivalidade tem que pressupor o respeito entre uns e outros e isso não se verifica. Aquilo que cada tuna quer dar a entender é uma coisa, o espírito é a capacidade de ser tuno, de se dar bem, de ir para os copos, sem se embebedar.”
E o “magister” da EUL explica: “Quando as pessoas ouvem falar em tuno, boémia, copos, tudo isto lhes faz confusão e, devido à má imagem criada pelos estudantes nestes últimos anos, nomeadamente nas manifestações ou nas semanas académicas, em que passam nos carros completamente bêbedos, vão para o hospital em estado de coma alcoólico, tudo junto cria na consciência das pessoas que boémia é sinónimo de bebedeira. Não é. A magia dos copos não quer dizer estar ali numa mesa a beber até cair para o lado. Os copos encerram em si toda uma mística muito importante que é o convívio e a amizade.”
Sobre as tunas mistas, Luís Jerónimo tem ideias formadas: “Não faz sentido raparigas estarem a cantar para raparigas ou rapazes para rapazes. É problemático. Uma pessoa quer usar palavrões próprios, às vezes, entre os homens. Com meninas… se bem que as mulheres que fazem parte das tunas tenham, digamos assim, uma personalidade diferente da das outras raparigas estudantes, mais para a frente, também gostam de beber o seu copo. Agora, concordo e acho que é de incrementar a existência de tunas femininas.

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Dez Horas A Jogar Matraquilhos
Vinte e oito elementos formam a Tuna Universitária do Instituto Superior Técnico. Manuel Correia toca pandeireta e é “o principal”, já que na TUIST não se emprega o termo “magister”, de origem espanhola. “Tentamos puxar às tradições portuguesas o mais possível e não imitar os espanhóis. Procuramos investigar o que havia há 50 anos atrás, o que faziam as estudantinas e orfeões da altura.” A data oficial de formação da tuna é 20 de Março de 1993, embora alguns dos seus elementos se tenham reunido há mais tempo. Actuaram na primeira parte do espectáculo recente de Quim Barreiros na Aula Magna de Lisboa. Foram apadrinhados pela Tuna do Liceu de Évora, a única liceal do páis e uma das mais antigas, formada em 1902. “Mantiveram-se até hoje e usam capa e batina.”
Nas intenções do grupo esteve desde o início a vontade de serem diferentes, “não em ser uma bandalheira mas sim uma tuna no verdadeiro sentido”. “Fizemos recolha sobre as características das tunas. Tentamos, além disso, adaptar o nosso reportório aos dias de hoje, embora procurando manter particularidades como as praxes, o traje, etc.” o mais difícil, na formação de uma tuna, diz Mário Fernandes, guitarrista da TUIST, “não é arranjar cem pessoas que toquem bem viola, é arranjar vinte pessoas com uma boa atitude”.
Manuel Correia não concorda com a existência de festivais que, segundo ele, seguem o modelo espanhol, com atribuição, por exemplo, de prémios aos melhores solistas. “Nas nossas tunas não há solistas. Só nas espanholas, que têm uma tradição muito mais forte. As tunas portuguesas copiam-nas. Na TUIST não há solistas.” O “principal” acha igualmente que “é grave haver tunas em que metade do seu reportório é composto por músicas espanholas”. A tuna do Técnico toca apenas temas próprios, embora “com raízes na música popular portuguesa”.
Manuel Correia critica também o facto de algumas tunas se estarem a virar “para o lado comercial, em vez de o fazerem para o mais importante, que é o espírito. O disco, por exemplo, deverá ser uma consequência de vários anos de existência”. “De todos os discos gravados por tunas portuguesas – garante Manuel Correia -, só conheço um em que realmente transparece o espírito académico e a raiz portuguesa, o primeiro da Estudantina de Coimbra. O segundo já é mais comercial, vê-se que foi feito por contrato.”
Torna-se evidente que a TUIST não quer ser, de facto, uma tuna igual às outras. “Ser tuno não é só vestir a capa e a batina. É uma maneira de estar”, diz Mário Fernandes. “O mais importante é, pr exemplo – embora tenhamos todos namoradas -, podermos estar juntos num jantar ou ir para a feira jogar matraquilhos. Chega estarmos lá, sem ser preciso apanhar bebedeiras.”
É fácil entrar para a TUIST? “Não pomos barreiras à entrada de algumas pessoas. Só que, pela especificidade do grupo, só gente com este espírito é que se adapta. Quem não gostar de estar dez horas a jogar matraquilhos… Uma vez no dia 31 de Julho do ano passado, estávamos reunidos e resolvemos que tínhamos que ir passar férias a qualquer lado. Juntámo-nos no dia seguinte em Santa Polónia e apanhámos o primeiro comboio!…
A quem quiser entrar, levamo-lo a um jantar e vemos se alinha nas brincadeiras, para estudarmos a personalidade da pessoa. O ano passado tivemos o caso de alguém que nem sequer sabia tocar. Levámo-lo a jantar, passámos uma noite divertida com ele e pronto entrou logo na tuna. Demos mais importância a esta maneira de estar… É muito mais fácil entrar um rapaz que saiba tocar só o dó e sol mas que tenha o espírito do que um gajo que seja um maestro mas não tenha esse espírito.”
Fazem a apologia de Quim Barreiros: “Pode lá ter todos os defeitos mas ele é de facto um êxito, porque é bem português. Aquilo é Portugal. Damo-nos muito bem com ele.” Mas advertem: “O perigo está em que as pessoas associem as tunas ao Quim Barreiros. Há muitas tunas que entram na onda. Não sabem ter o seu espaço e vão atrás do Quim Barreiros. Entram na fase da brejeirice mas não sabem fazê-lo bem. O Quim Barreiros sabe ser brejeiro. É diferente de ser ordinário e mal-criado.”
A TUIST orgulha-se de ter contribuído para o ressurgimento do espírito académico no Técnico: “Havia uma grande sede. As festas no Técnico, há dez anos, eram no estilo dos marinheiros do Cais do Sodré. Só iam homens e acabava sempre me naifas e facada. Agora têm mil pessoas, o ambiente é outro, e as pessoas vêm de todo o lado para nos ver. Mas ainda há quem nos ache exibicionistas. Por andarmos de capa e batina. A capa e batina são o traje autorizado para os estudantes universitários de Portugal e não são só para o Porto ou Coimbra. Só falta arranjar um concurso público, como aconteceu na Universidade Nova, e escolher um estilista para fazer os fatos, com apresentação na Gare Tejo…”

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Até Ao Outro Dia De Manhã
Da cisão na tuna mista da Faculdade de Ciências e Tecnologia nasceu, em Novembro do ano passado, a TunaMaria, uma das raras tunas femininas existentes em Portugal. Em finais de Abril deram o primeiro espectáculo, num festival de tunas. São 30 e tocam os instrumentos habituais numa tuna: acordeão, bandolins, cavaquinhos, guitarras, pandeiretas, flautas. Sandra Isabel toca acordeão. Ana Teresa, pandeireta.
Começaram por ser recebidas pelas pessoas e pelas tunas masculinas, como elas próprias dizem, “com um pé atrás”. “Até porque as duas tunas femininas mais antigas são pouco conhecidas – diz a Sandra, que desempenha no grupo a função de magister -, a tuna feminina do Orfeão do Porto e outra, da Covilhã.”
Sandra e Ana são ainda muito novas, 21 e 20 anos, respectivamente. Para elas, como para outros elementos da TunaMaria, nem sempre é fácil sair para as noites de boémia. “É difícil, aqui em Lisboa. Normalmente só a seguir a um espectáculo”, observa Sandra. “Há pessoas que moram com os pais, outras na outra banda.” Mas quando se juntam não brincam em serviço: “Somos capazes de estar até ao outro dia de manhã.” O espírito de tuna “foi crescendo”. No que diz respeito a serenatas, a TunaMaria anda a preparar aquilo que é a sua obrigação: “Ainda não fizemos. Mas os rapazes também hão-de gostar. Mas primeiro que tudo é preciso arranjar um reportório para isso.” Um reportório que, nas actuações normais, inclui canções “mexidas”, temas populares, por enquanto sem composições originais.
Praxes vão “passar a ter”. Por serem uma tuna muito recente, não têm ainda caloiras. O traje adoptado é o clássico saia-casaco, com um pormenor extra, o chapéu alentejano, de aba larga. “É o nosso símbolo, o que nos distingue. As pessoas acham piada.” Preferem seguir o modelo português, embora não se importem de tocar músicas espanholas, “até italianas, que são mais difíceis”. De resto, tunas femininas em Espanha, são coisa recente e as que existem “não gozam de muito boa fama”. “É a tal coisa de raparigas bonitas e mal-comportadas” (risos). Na TunaMaria, passa-se por cima dos preconceitos: “Apanhamos bebedeiras se for preciso, como os rapazes.” Mas há um conservadorismo na atitude que nem Sandra nem Ana negam. “Dentro da nossa tuna estabelecemos uma certa altura para a saia. No Porto elas usam abaixo do joelho. Em Coimbra, mais ou menos a meio do joelho. Nós escolhemos acima do joelho.” “Logo acima do joelho”, apressam-se a acrescentar. Mesmo assim “ouvem-se comentários”. Mesmo da parte de outras tunas, “se alguém aparece com uma mini-saia”. “Temos muito cuidado com o comportamento que temos”, diz a magister da TunaMaria, “até mesmo em palco”. É que “enquanto os rapazes podem mandar piadas às raparigas”, às raparigas “não convém” fazê-lo, “por causa da imagem que se dá para fora e porque as pessoas à vezes interpretam isso de maneira errada”. Os copos, esses, não constituem problema, “até dão uma certa alegria quando uma pessoa sobe para o palco. Não ir bêbedo, claro, mas alegre. Uma alegria que pode ser contagiante”.
Problema real são os estudos, que amiúde passam para segundo plano. Há quem “deixe de estudar um bocadinho”, para se entregar às actividades da tuna, como há quem faça o contrário e não esteja disposta a sacrificar os estudos. Quando há um teste, por exemplo. A Ana Teresa, a partir de certa altura, “só via a tuna à frente”. A Sandra afirma que já sacrificou bastante o curso. Os professores não dão qualquer apoio. “Alguns acham giro mas não dão qualquer ajuda. Mesmo da parte da faculdade, que nós representamos, ninguém facilita, por exemplo, no aspecto das faltas. Simplesmente não ligam nenhuma.”
Apesar de tantas dificuldades, a TunaMaria ensaia duas vezes por semana, na Faculdade de Ciências e Tecnologia. Três, quando há espectáculo. Todos os dias, antes do primeiro espectáculo.
Numa coisa a TunaMaria não difere das tunas masculinas. Na admiração por Quim Barreiros. Ao ponto de incluírem no seu reportório “Bacalhau à Portuguesa”. “Por brincadeira. Os espanhóis adoram esta música.” ” A tuna chegou mesmo a fazer uma primeira parte de um espectáculo do popular acordeonista. “Eu, pessoalmente, não gostava dele”, diz Sandra. “Mas depois de conviver com ele, vê-se que há nele uma alegria que contagia. Fala com as pessoas de uma maneira cómica. E as músicas têm imensa piada.”
