pop rock >> quarta-feira >> 08.06.1994
ORAÇÃO EM VERMELHO
Sarband
Llibre Vermell De Monserrat (8)
Jaro, distri. Megamúsica
Na essência, a emoção provocada pela audição de música antiga não difere da causada pela música tradicional. Por este motivo, cada vez são em maior número os apreciadores de um e outro género que procuram alimento espiritual do outro lado. Não sendo, de modo algum, especialista no campo das músicas medieval e da Renascença, há, no entanto, discos da chamada música antiga que tocam de maneira especial. Os leitores que, ao longo dos meses ou dos anos, têm acompanhado esta aventura pelas músicas do mundo, em particular as europeias, saberão decerto retirar da audição deste, como dos restantes discos recenseados nesta página, o mesmo prazer e compreender a intimidade existente entre estes sons e a música de nomes como os Ciapa Rusa, Perlinpinpin Folc, Lo Jai, Melusine, Malicorne, Milladoiro ou Noirin Ni Riain, entre tantos outros.
Os Sarband nem sequer são puristas. Vladimir Ivanhoff, líder da formação, é o mesmo que já havia inventado o conceito de música electrónica medieval, nos Vox, e introduzido a nota de diferença num disco de vozes búlgaras pelo Bulgarian Female State Choir.
Em “Llibre Vermell de Monserrat” – documento litúrgico que inclui dez peças musicais anotadas entre 1396 e 1399, descoberto na biblioteca do mosteiro beneditino de Monserrat, na Catalunha, dedicado ao culto da Virgem Maria e, desde o século XIII, tornado, juntamente com Santiago de Compostela, um dos principais locais de peregrinação em Espanha -, subintitulado “Cants del Romeus”, terceiro trabalho dos Sarband depois de “Cantico” e “Music of the Emperors”, não há, bem entendido, “samplers” nem sintetizadores. Enquanto, nos Vox Ivanhoff, procurava no artifício e nas técnicas de estúdio a nota extra de espiritualidade, nos Sarband terá compreendido que a voz do espírito necessita apenas, para se materializar, de vozes humanas afinadas com o Divino.
É o que acontece no “Llibre Vermell de Monserrat”, onde o canto de elevação dos peregrinos (neste caso, de quatro peregrinas do século XX) não impede, de forma alguma, antes se completa no elemento profano que se manifesta na instrumentação tipicamente medieval: “vielle” (violino arcaico, não confundir com am “vielle a roue”, sanfona em francês), sanfona, “shawm” (antepassado da bombarda), saltério, percussões europeias e árabes da época, “cornetto”, alaúde, gaita-de-foles e órgão, no fundo, alguns dos timbres característicos da música tradicional.
Se os Sarband se revelam proficientes no capítulo das danças instrumentais, é, porem, pela subtileza do canto, potenciado pela reverberação natural da catedral Osnabrük, na Alemanha, que o colectivo de Vladimir Ivanhoff se distingue, levando a regiões de pura beatitude o mesmo género de reverberações vocais que os “tradicionalistas” já conhecem de Noirin Ni Riain ou dos Anúna. Uma oração em vermelho.