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Rão Kyao – “Viva o Fado”

Pop Rock

11 de Dezembro de 1996
portugueses

Rão Kyao
Viva o Fado
ED. POLYGRAM


rk

Consumada a iniciação da flauta de bambu no fado, em “Fado Bailado”, Rão Kyao mergulha agora mais fundo as suas raízes musicais da infância, neste género de música. A escolha de fados tradicionais, de estrutura o mais aberta possível, permite ao flautista a improvisação e a depuração da essência do fado. Rão toca flauta como se cantasse interiormente e é essa interiorização do fluir interior da alma fadista que torna cada tema numa outra forma de ouvir o fado. Gravado ao vivo, em dois dias de espetáculo realizados no Amália-Clube de Fado, com acompanhamento de Carlos Gonçalves e José Luis Nobre Costa, à guitarra portuguesa, e Francisco Gonçalves, à viola, “Viva o Fado” é também a justaposição do fado com as músicas indiana e árabe, em modalidades e temas clássicas como o “Fado menor”, o “Fado Mouraria” e o “Fado Vitória”, “Lágrima”, “Biografia do Fado” e “Fado dos Sonhos”. Fadistas como Manuel de Almeida, a quem o disco é dedicado, Amália, Marceneiro, Carlos Ramos ou António dos Santos, e autores como Alberto Janes, Joaquim Campos, Alberto Costa e Frederico de Brito têm aqui a melhor homenagem que lhes poderia ser feita – erguer o fado a uma voz universal. (7)



Rão Kyao Lança “Junção”

19.11.1999
Rão Kyao Lança “Junção”
Como Um Farol
Quando no próximo mês se processar a transferência de poderes do território de Macau, de Portugal para a China, fará todo o sentido escutar o último álbum de Rão Kyao, “Junção”, gravado com a Orquestra Chinesa de Macau. Um sonho sobre a “integração”. Não política mas a que decorre de uma união espiritual.

“É como um gajo que tivesse tido um sonho”, assim define o seu autor a história de “Junção”, um álbum que, uma vez mais, demonstra a cumplicidade de Rão Kyao com a filosofia e a música orientais: “Um sonho sobre Macau”. O sonhador é um macaense “imaginário”. Sonha em várias etapas, correspondentes aos 12 temas de “Junção”. A viagem onírica tem início em Coloane, “uma ilha afastada que seria a parte mais selvagem, com mais impacto da natureza no seu estado bruto”. Segue-se “Taipa”, outra ilha, “já com mais movimento”, antes de se entrar em Macau, no “sítio das tendas, dos mercados”. Há um lado romântico, como acontece em todas as boas histórias, sonhadas ou não, “com a entrada de uma rapariga chinesa que simboliza a beleza”. Começa então a parte correspondente “às coisas que os homens fizeram, a parte cristã”. Há Surge o templo de S. Paulo, cuja fachada é um ex-libris de Macau. “Quis associar essa fachada mais a S. Paulo em si, um santo por quem tenho uma grande admiração”, confessa o flautista. “A-Má” é outro templo, neste caso dedicado à deusa do mesmo nome. Corresponde à “parte budista dos chineses”.
A partir daqui o sonhador entra numa fase do sonho em que “começa a haver uma integração dos portugueses e os chineses”. Aparece a guitarra portuguesa, entrelaçando-se com elementos chineses. Ele vê os “portugueses e os chineses a viverem juntos”. Nostalgia, saudade, sentimentos portugueses que, finalmente desembocam na festa, numa “espécie de um vira, mas tocado com o timbre dos instrumentos chineses”.
Chegados a esta fase do sonho convém explicar que “Junção” foi gravado em Cantão com a Orquestra Chinesa de Macau, dirigida por Wong Kin Wai, também autor dos arranjos e compositor do tema “A-Má”.
O sonho prossegue com “Farol da Guia”, outro tema de integração” (não integração política, como Rão Kyao faz questão de esclarecer -“não pensei na passagem política do território. O que me interessa é o lado mais espiritual”). “É acerca de um farol, algo que, para mim, sempre teve um simbolismo muito grande, algo de imutável que, ao mesmo tempo, indica a direcção às pessoas. As coisas passam mas o farol está sempre lá”. Há imagens de um barco chinês e de um barco português. “Com o farol no meio, a significar a existência de paz no meio disto tudo”. Segue-se a celebração chinesa e os dois elementos que se festejam em “Junção”, o amor, “tomado no seu sentido genérico e universal” e a celebração da paz, afinal o principal motivo que leva
Rão Kyao idealizou todo o guião. Antes, em 1984, Macau já surgira na sua discografia, através do álbum “Macau, o Amanhecer”. Mas o desejo de há muito acalentado era mesmo o de “usar os timbres chineses”. Rão fez uma maqueta com os temas e enviou-a, juntamente com as pautas, para o maestro chinês. As sessões de gravação decorreram “em directo, gravadas de forma clássica, sem qualquer espécie de overdubs”. “É tudo natural”, explica com orgulho o flautista.
“Junção” vai ter apresentação ao vivo, com a mesma orquestra, embora com uma formação um “bocadinho mais reduzida”, que esteve presente no disco, nos próximos dias 26 (no Coliseu do Porto), 27 (no Teatro Gil Vicente, em Coimbra) e 29 (na Aula Magna, em Lisboa).

Rão Kyao viaja em “Navegantes” – Entrevista –

23.01.1998
Rão Kyao viaja em “Navegantes”
Bambu E Especiarias

Foi-se o fado, mas as ondas do mar continuam a empurrar Rão Kyao na direcção de uma música cada vez mais ampla e com mais espaço para respirar. Em “Navegantes”, o seu novo álbum, a flauta de bambu dança com as vozes, um saltério e uma secção de cordas. Índia, Jamaica, Arábia, Portugal olhado do Oriente. Mapa de uma viagem interior atenta ao sopro dos mestres e do mundo.

LINK (En-Cantado, 2009 – Parte 1)
LINK (En-Cantado, 2009 – Parte 2)

“Navegantes” é um álbum acústico em que Rão Kyao desenha as cores do que ele próprio chama o “uno no múltiplo”. Uma espécie de espectáculo ao vivo da alma do músico, inspirada no movimento das águas e na sabedoria de um dos mestres indianos da flauta, Hariprasad Chaurasia.

FM – “Navegantes” recorre a uma quantidade de meios técnicos e humanos pouco habitual nos seus discos. trata-se de um alargamento da sua visão musical ou de algo mais?
RÃO KYAO – Há, efectivamente uma mudança. Gravar um novo disco, só por gravar, não fazia sentido. É uma ideia que já tinha com o Luís Pedro Fonseca [produtor e arranjador do álbum], de apresentar um disco basicamente acústico, uma direcção que quero aprofundar cada vez mais, bem como uma utilização orquestral, algo que já havia feito antes, mas de uma forma ligeira.
FM – Afirma na capa que este disco é “uma viagem interior”.
RÃO KYAO – Um dos títulos que cheguei a ponderar muito para este disco, só que não consegui reduzi-lo a uma palavra, era “o uno no múltiplo”. a unidade da expressão musical manifestada através de certas experiências que me são intímas. Essa viagem interior passa por vários pontos que são, no fundo, o meu legado musical, a minha espiritualidade musical. É um tipo que está a navegar, navegação no sentido interior.
FM – Uma viagem sob o signo das águas…
RÃO KYAO – Águas, porque é, de todos os elementos, o mais associado à própria sonoridade da flauta de bambu.
FM – “Navegantes” navega explicitamente nas águas da “world music”. Na contracapa aparece mesmo o rótulo “rare things from Portugal”. Uma aposta para o estrangeiro?
RÃO KYAO – Espero que sim. Interessa-me alargar o meu mercado o mais possível. Parece-me que há um interesse, lá fora, por este tipo de música, não só por ser “world music”, mas por um tratamento natural dos sons. “Navegantes” é quase um disco de rua.
FM – “No balanço” tem por base um ritmo reggae…
RÃO KYAO – É uma coisa de rua. Um aceno a um ritmo de que gosto muito e que se tornou internacional. É um tema que temos vindo a tocar ao vivo, que confere à música uma coloração muito festiva.
FM – A música árabe aflora em “Arab”.
RÃO KYAO – Isso é mesmo, abertamente, um aceno aos nosso amigos árabes, cuja música constitui para mim uma grande influência.
FM – Depois há a música indiana. O mais interessante é que, para além dos temas em que esta música assume, de forma inequívoca, esta influência, ela está presente, de forma mais subtil, nos temas que tomam por base a tradição portuguesa. Isso nota-se, por exemplo, nas interpretações vocais. Até a convidada Filipa Pais soa algo indiana quando canta uma canção como “Na vindima”…
RÃO KYAO – Acho giro que diga isso, embora talvez não gostasse de vê-lo escrito, poderia soar a uma pretensão absurda da minha parte…
FM – não é uma crítica, antes pelo contrário…
RÃO KYAO – Pois, a nossa música, através de todas as suas formas, tem realmente esse aspecto. Digamos que eu, ao interpretá-la, vou mais para esse lado. É algo que me é íntimo. Uma música que, sendo portuguesa, tem essa costela mais desértica, no sentido daquela sonoridade que vem da Índia.
FM- “Oca” e “Ecos tribais” são exercícios solitários, respectivamente na ocarina e na flauta de bambu, onde recorre à técnica de “multitracking”. Um desejo de interiorização mais abstracta?
RÃO KYAO – São as tais viagens. Se assistir a um espectáculo meu, seria incompleto não aparecer esse aspecto… Não é só o “multitracking”, mas a maneira como se joga com a sonoridade e as possibilidades do instrumento. A flauta pode ser vista de uma forma percussiva, de uma forma cantada, de uma formaencantatória… Os “Ecos tribais” têm um aspecto ritualizado…
FM – Nunca tinha tocado ocarina antes, nos seus discos. Trata-se de experimentar diferentes tipos de respiração, no sentido mais lato deste termo?
RÃO KYAO – Sim. Tenho várias maneiras de desenvolver as técnicas de respiração. Por exemplo, estou a introduzir, lentamente, a utilização da respiração, da sua sonoridade, pelo nariz, como um ritmo alternado à flauta. Uma das cosias que a música tem que ter é uma boa respiração. Num músico de sopros essa respiração é-lhe naturalmente dada pelo facto de ter que respirar.
FM – Também toca, pela primeira vez, em “Lençóis de trigo”, um saltério, que nem sequer é um instrumento de sopro…
RÃO KYAO – Utilizo-o apenas para obter um determinado tipo de ressonância.
FM – E canta muito neste disco…
RÃO KYAO – É uma coisa que tenho andado a fazer nos espectáculos ao vivo. Pensando bem, este disco é como se fosse um espectáculo meu ao vivo. Uso a voz de uma forma onomatopaica que não pode ser escutada separada da flauta.
FM – A espiritualidade que ressalta da sua forma de tocar fez-nos lembrar o flautista indiano Hariprasad Chaurasia. Conhece a sua música?
RÃO KYAO – É um grande amigo meu! Coneci-o na Índia, onde estive muitos anos a estudar flauta, numa altura em que eu tinha arranjado emprego a tocar em filmes indianos. Tornámo-nos amigos. Sou fã dele e reconheço-o como uma influência muito grande na minha música.
FM – E Stephan Micus, outro músico que me parece cada vez mais próximo de si?
RÃO KYAO – Esse já pelo aspecto do conceito. É um músico que já chamo de “vanguarda”, no sentido de ir à frente, de ver a música com outra profundidade e de abrir novos caminhos…
FM – Trata-se de alguém cuja música está muito ligada aos elementos e que, inclusive, já tocou em pedras e em vasos. Sente também essa ligação forte com a Natureza?
RÃO KYAO – É um dos aspectos que sempre me fascinou. Nunca quis tocar uma flauta transversal, metálica. A flauta de bambu sempre representou a minha aproximação a um elemento natural.
FM – Considera-se um músico de fusão?
RÃO KYAO – O termo só me desagrada por achá-lo exagerado. Ou seja, não como frango por ananás. A fusão só faz sentido, ou concordância, ou consonância, na ligação de estilos. Se formos a ver, toda a música que tem uma raiz funa no mundo nasceu de uma fusão. O jazz, por exemplo, é uma música completamente de fusão, no entanto tem uma característica própria. E a nossa própria música tradicional – mais fusão é impossível… Há, realmente, coisas que surgem e se mantém pelo tempo, criam uma raiz e dão frutos de fusão. Mas, ao mesmo tempo, sou um músico que pensa muito emtermos de uma m´suica de raiz, há aqui uma bipolaridade. O maior músico é aquele que tem uma raiz muito profunda, mas, ao mesmo tempo, está sempre aberto a encontros.
FM – Como e quando é que vai levar “Navegantes” para a estrada?
RÃO KYAO – Vou levar os músicos todos. O início da digressão pelo país vai ser no próximo dia 3 de Fevereiro, no espaço Roma, em Lisboa. O que não quer dizer que vá fazer o mesmo nos espectáculos de província – não é para minimizar, mas não posso andar com 40 músicos atrás. Aí teremos que fazer um apleo aos “samplers”.