Joni Mitchell – “Night Ride Home”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 27 MARÇO 1991 >> Pop Rock >> LP’s


REGRESSO A CASA

JONI MITCHELL
Night Ride Home
LP / MC/ CD, Geffen, distri. BMG


Um caso de classe e distinção. Não fora o lamentável equívoco de “Dog Eat Dog” (acesso tardio de comercialite aguda) e seria caso para se dizer que Joni Mitchell nunca erra. Com “Night Ride Home” não só não erra como acerta em cheio no alvo. Digamos que a cantora canadiana consegue aqui conciliar a extrema simplicidade dos arranjos com as típicas sinuosidades de um estilo vocal e composicional muito próprio, sem perder de vista uma acessibilidade que não envolve qualquer tipo de concessões.
Longe vão os tempos do jazz, de “Mingus” e “Don Juan’s Reckless Brother”, ou os labirintos estruturais de “The Hissing of Summer Lawns”. De regresso à serenidade e ao tom acústico da fase inicial, aquela que culmina em “For the Roses” ou, já num período de transição, em “Court and Spark”. “Night Ride Home” flui com a facilidade das águas de um rio antigo, até ocupar o lugar exato num universo pacientemente construído, a que se acede sem pressas nem escusadas violências. Joni Mitchell nunca foi, de resto, mulher de perder a cabeça. Mas, se, na aparência, se pode falar em termos de “regresso”, “Night Ride Home” representa, além de tudo o mais, a maturidade e a depuração de um estilo.
Se, por vezes, o seu modo de cantar pareceu “difícil” e a sua poesia demasiado obscura, agora a música revela-se com a limpidez e o brilho de um diamante perfeitamente lapidado. Entre o som dos grilos numa noite de Verão, de “Night Ride Home”, e o tom sombrio e despojado de “Two Grey Rooms”, Joni Mitchell vai aos poucos desvelando o seu universo pessoal, através da poesia e de uma voz que, como em “Passion Play”, nos toca como o veludo sobre a pele.
Momentos trágicos, pontuados pelas explosões surdas dos timbalões orquestrais, em “Slouching towards Bethlehem” (baseado no poema “The second coming”, de W. B. Yeats). Momentos mágicos, vividos na Itália de Botticelli e Fellini, trazidos pelos ventos quentes do oboé que a própria Joni toca. Brilho cintilante ainda nas percussões de Alex Acuna, ao longo de todo o disco, e no saxofone de Wayne Shorter, em “Cherokee Lousie” e “Ray’s Dad Cadillac”. Depois do regresso, de novo a partida.

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