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Vários – “Polémica Entre Editoras E Retalhistas A DIFÍCIL CONVIVÊNCIA” (debate / retalhistas / discotecas / editoras / multinacionais)

pop rock >> quarta-feira, 07.04.1993


Polémica Entre Editoras E Retalhistas A DIFÍCIL CONVIVÊNCIA

Um dos pontos mais quentes e mais badalados nos últimos tempos tem sido o das (difíceis) relações entre as lojas de retalhistas, as vulgares discotecas, e as editoras multinacionais com sede no nosso país. Todos, ou quase todos, se queixam de que o mercado está em recessão e de que a galinha deixou de ser dos ovos de ouro. De ambos os lados esgrimem-se razões. Há lobos e cordeiros. Ogres e bodes expiatórios. O bolo, parece, não chega para todos.



Por entre o clima de suspeição, há quem se mantenha à margem, fazendo finca-pé da sua independência. Discotecas como Contraverso, VGM, One-Off e Bimotor, das mais prestigiadas da capital, utilizam estratégias que passam ao lado das multinacionais. São especializadas em músicas consideradas “difíceis”, mas têm uma clientela própria. Quem lá vai sabe exactamente o que procura. Música alternativa, na Contraverso, música clássica e Folk, na VGM, raridades dos anos 60 e 70, na One-Off, “heavy metal” e música de dança, na Bimotor, as principais apostas de cada uma delas.
Encomendas às editoras, só em desespero de causa ou mesmo, no caso da One-Off, inexistentes. Orlando Leite, da VGM, pouco trabalha com as editoras – “normalmente não têm as coisas de que necessito”. É fácil perceber porquê. A loja do Príncipe Real distribui e trabalha com os seus próprios catálogos: Accent, Ricercare, New Albion, Greentrax, Claddagh, Gael-Linn…
José Guedes, da Contraverso, diz com um sorriso irónico nos lábios que “compra tudo o que lhe interessa às multinacionais”. Importado directamente do estrangeiro, “apenas o que não há no mercado”. E acrescenta, com um sorriso: “É mais conveniente.” Relações directas com as editoras independentes estrangeiras não tem “nenhumas”. “Não é uma questão de preço”, garante, “não tenho é paciência para as aturar…”. José Guedes tem, contudo, uma opinião concreta sobre os preços praticados no mercado português: “Devem evitar-se os descontos escondidos, que se praticam em quase todas as lojas de Lisboa.” Que descontos escondiso? “Os interessados sabem…”
Nas lojas da cadeia Bimotor os diversos catálogos são, na maioria, provenientes lá de fora, já que as suas especialidades, a ”música de dança” e o “heavy”, que importam em grande quantidade, não estão disponíveis nas multinacionais. Para tal, a discoteca tem pessoal especializado, “pessoas que estão dentro de cada género de música”. “Temos a nossa própria noção de mercado”, diz Rui Rodrigues, da filial das Amoreiras, o que permite à Bimotor reger-se por regras diferentes das outras lojas.

À Beira Da Catástrofe

As editoras multinacionais apontam o dedo a dois intervenientes aparentemente distintos. Por um lado, aos retalhistas que passam ao lado dos seus catálogos, indo buscar lá fora aquilo que à primeira vista pareceria ser mais fácil e cómodo de obter através das editoras. Por outro, às chamadas “grandes superfícies”, os hipermercados, que põem à venda os discos dos artistas objecto de maior consumo, em quantidades maciças e com margens de lucro reduzidas.
As multinacionais vêem-se, deste modo, como que encurraladas entre dois fogos. Se as lojas não lhes compram, são obrigados a vender aos hipermercados, com a consequente diminuição na percentagem de lucros, mas como forma prioritária de escoamento do produto.
Para Francisco Vasconcelos, administrador da cadeia de lojas Valentim de Carvalho, os hipermercados são os principais culpados da fase descendente que a indústria atravessa: “Há dois anos, iniciámos uma baixa de preços em certos títulos escolhidos, em princípio dos mais vendidos, ou das novidades com maior expectativa, para respondermos à política comercial dos hipermercados. Existia um movimento bastante acelerado de fuga de público das lojas normais para os hipermercados. Foi para tentar estancar essa sangria que começámos esta política comercial. Estamos a trabalhar com margens de lucro normais, que rondam os vinte e tal por cento. Não conseguimos atingir os 28 por cento, que é a margem corrente das grandes cadeias internacionais – Virgin, HMVM, FNAC. Temos que sofrer um bocadinho e apertar o cinto.”
Nos hipermercados, “as margens de lucro descem aos cinco, seis por cento”, continua Francisco Vasconcelos, “números impossíveis de atingir por qualquer loja vulgar, até porque, logo à partida, se esta está situada num bom local, chega a pagar de renda cerca de oito ou nove por cento do valor da sua facturação a quem arrenda esse tipo de lugares. Pode dizer-se que há uma especulação imobiliária por trás de tudo isto. Se uma pessoa quiser abrir uma loja no Shopping de Cascais ou nas Amoreiras, é quanto vai ter de pagar. Como não podemos atrair o público para uma estrada deserta nem somos um supermercado que vende batatas juntamente com cassetes vídeo e açúcar, só discos, temos de ir para esse tipo de locais. Com sete ou oito por cento logo para o dono do espaço, é evidente que menos do que estes vinte e tais por cento não chega para pagar os ordenados das pessoas, as quebras de ‘stock’, tudo isso…”.
Ainda sobre a concorrência dos hipermercados, Francisco Vasconcelos lamenta o “desaparecimento de muitos clientes [incluindo lojas] tradicionais”: “Quando comecei a trabalhar nisto, havia qualquer coisa como 800 clientes. Hoje, em Portugal, não deve haver mais de cento e tal.” Descida violenta, “em parte resultado da crise económica, em parte porque estão a ser esmagados pelos hipermercados. Ou as lojas se tornam mais especializadas ou os hipermercados, cuja acção tem sido verdadeiramente catastrófica, toma conta disto tudo”.
Em relação às lojas da concorrência, a cadeia Valentim de Carvalho optou por as combater com as mesmas armas montando um departamento de música independente à base de importações directas, procurando, em simultâneo, uma melhoria de serviços e de atendimento ao público, partindo do princípio de que o cliente prefere pagar mais e ser mais bem atendido do que abastecer-se de discos a granel e entalados no mesmo pacote das couves e do detergente.
Segundo Francisco Vasconcelos, “as lojas de discos que lidam com produtos de entretenimento devem ser locais atraentes, onde as pessoas se deviam divertir e aprender. Vamos ter que tornar as lojas mais interessantes. Neste aspecto, a loja do Rossio teve um grande impacte no mercado”.

Rosário De Pecados

Se as lojas Valentim de Carvalho pensam já na resposta a dar à concorrência dos “híper”, outras há que elegeram um tipo de “inimigo” diferente, como é o caso da One-Off, que recusa a trabalhar com as distribuidoras / editoras portuguesas. Rui Spúlveda, responsável pela importação dos compactos desta discoteca instalada nas Amoreiras, vê na editora EMI (autónoma das lojas) – Valentim de Carvalho, “que domina o mercado nacional”, o culpado de vários males.
Antes, porém, Rui Sepúlveda começa por atacar as editoras em geral: “Andam pelos jornais e pela televisão a lamentar-se de que as vendas do passado caíram não sei quantos por cento e que este ano será ainda pior, quando o que se passa é que foram apenas elas que deixaram de vender”, já que “todas as boas lojas de Lisboa, que trabalham com importações directas, venderam melhor”. Vai mais longe: “É muito difícil arranjar cá aquilo que se pretende. As editoras, a maioria das vezes, não têm o que queremos e, quando têm, fazem a chamada ‘panelinha’ – primeiro é para as lojas deles [e aqui Rui Sepúlveda passa a referir-se em particular à EMI – Valentim de Carvalho], só o que sobra é que vai para as outras lojas. Há um boicote autêntico.”
Embalado, conta um caso acontecido há dois anos, “no Natal de 91, quando da saída do disco de Rui Veloso ‘Auto da Pimenta’”, que deu origem a uma autêntica “guerra de preços”: “A Valentim de Carvalho decidiu pôr este disco à venda, nas suas lojas, com 15, 20 por cento de desconto, o que, sendo um disco de grandes vendas que poderia ajudar várias lojas a recuperar de meses menos bons, obrigou toda a gente a baixar as margens de lucro. Nessa altura chegou a aventar-se a hipótese de se formar uma associação de lojas que boicotassem a Valentim de Carvalho.”
Por estas e por outras, a One-Off voltou as costas às multinacionais, que acusa de, por vezes, incorrerem em estratégias menos límpidas. Rui Sepúveda conta, a propósito, certos rumores que, segundo ele, correm em diversas discotecas sobre o lançamento, no ano passado, de “Rock In Rio Douro”, dos GNR: “Um mês antes de o disco sair, iam todos os dias dezenas de miúdos às lojas, pagos ou não pela editora, pedir o disco, dizendo que já tinha saído, e perguntar por que é que não estava à venda.”
Na opinião de Rui Sepúlveda, tratava-se de uma forma de pressão para forçar o retalhista a compras antecipadas e em grande quantidade. “Se o lojista não se precavesse”, argumenta, “comparava logo uns 500 discos, que depois ficavam em casa.” É que, ainda segundo o homem forte da One-Off, “quando o disco saiu de facto, as compras não chegaram sequer a dez por cento do número daqueles pseudopedidos”.

“Um Perfeito Disparate”

David Ferreira, administrador da editora EMI-VC, contactado pelo PÚBLICO, prontificou-se desde logo a comentar as “acusações” que sobre a sua casa reacaíam.
Do “caso GNR” às hipotéticas pressões às discotecas, David Ferreira garante que “é totalmente mentira”. E garante que só não processa o autor de tais afirmações por “falta de tempo”: “Além de ser mentira, é um perfeito disparate.” Para reforçar esta afirmação avança valores oficiais: “O disco saiu em Junho do ano passado e vendeu, só no mês de saída, 28.547 álbuns. As vendas totais até esta altura estão em 76.131, ou seja, o valor de saída praticamente triplicou. Isto fala por si. Estes dados são facilmente comprováveis na Sociedade Portuguesa de Autores. Além de que seríamos parvos se estivéssemos a perder tempo num estratagema tão complicado com artistas que claramente não nos levantam grandes problemas para atingir grande facturação. É absurdo.”
Quanto ao hipotético favoritismo dado pela editora às lojas Valentim de Carvalho, David Ferreira desmente-o igualmente de forma categórica: “Também é mentira. Tratamos de igual maneira os clientes que visitamos. A One-Off, tanto quanto me lembro, teve uma altura em que estava com os pagamentos em atraso. É evidente que uma loja nestas condições deixa de ser visitada. Mas isso não é uma questão de favoritismo – as editoras vendem, não oferecem. Em relação a qualquer disco, o que se passa é que nós, pelo contrário, temos uma política de saída simultânea de novidades e, quando os pedidos excedem as quantidades em ‘stock’, fazemos um rateio para que as existências, assim como as faltas, sejam distribuídas com justiça.” Sobre o pretenso boicote na forma de descontos despropositados nas lojas Valentim de Carvalho, do disco “Auto da Pimenta”, de Rui Veloso, David Ferreira classifica-o como “outro disparate!”.
“A lei portuguesa”, explica, “não permite às editoras discográficas fixarem preços de venda ao público. Nós temos um preço de revenda, que é o que consta na tabela, vendemos ao mesmo preço de revenda a todos os nossos clientes. O que acontece é que nessa altura a loja Valentim de Carvalho praticava, como continua a praticar, uma política de preços de uma série de referências que é a mesma dos hipermercados e que consiste em haver sempre uma lista de títulos em que se abdica das margens de lucro habituais. Não se trata de um desconto feito pela EMI – Valentim de Carvalho à Valentim de Carvalho loja, mas de um desconto feito pela Valentim de Carvalho aos clientes, o chamado preço VC aplicado a discos de artistas de todas as editoras, do Sting ou da Whitney Houston, por exemplo. Aí eu não tenho qualquer interferência. A Valentim tem os preços que tem, os hipermercados têm o preço que têm, a One-Off tem os preços que tem. Temos tabelas transparentes, em vigor para todos. A partir daí, não há nada que possa viciar a concorrência.”

CAIXA
EM BUSCA DO DISCO PERDIDO

Enquanto lojas e editoras se digladiam, o consumidor nem sempre encontra nas bancas o disco que procura. Fomos a quatro discotecas da capital em busca dos títulos que tiveram honras de destaque nas secções de música dos jornais “Blitz”, “Diário de Notícias” (suplemento “Compacto”) e PÚBLICO (suplemento Pop Rock), nas tr~es semanas compreendidas entre 2 e 17 de Março.



A lista de obras procuradas era a seguinte: “O Canto da Cidade” (Daniela Mercury), “So Tough” (St. Etienne), “Sweet, Oblivion” (Screaming Trees), “Talking Loud II” (colectÂnea), “Duran Duran” (Duran Duran), “Field Guide” (Timbuk 3), “Live in Theatre 1988” (David Sylvian), “Story of my Life” (Pere Ubu), “Songs of Faith and Devotion” (Depeche Mode), “Star” (Belly), “Frank Black” (Frank Black), “Senhas” (Adriana Calcanhoto), “Vorony” (Ukrainians), “Vox de Nube” (Noirin Ní Riain) e a reedição da série Earthworks.
Disponíveis nas quatro discotecas só estavam os Duran Duran, Depeche Mode e Belly. A estreia a solo de Frank Black apenas não figurava numa discoteca. Os St. Etienne apareciam em duas lojas. Com presenças solitárias em apenas uma loja estavam os Screaming Trees, a colectânea “Talking Loud II”, Timbuk 3, David Sylvian e Pere Ubu. De uma área mais específica, Ukrainians, Noirin Ní Riain e série Earthworks não figuravam em nenhuma discoteca.
Dois casos particulares, os discos das artistas brasileiras Adriana Calcanhoto e Daniella Mercury. No primeiro, o álbum ainda não saiu. Uma das discotecas já o teve à venda numa edição esgotada obtida através de uma distribuidora. O segund apenas existe nos formatos de vinilo e cassete, estando o compacto, de momento, esgotado na editora. Nos casos dos títulos em falta, ou eram desconhecidos ou nunca foram pedidos. Os Timbuk 3 tinham-se esgotado numa discoteca.
As conclusões a extrair são as de que apenas os títulos mais sonantes estavam à disposição do comprador. O factor crítica, para todas as discotecas consultadas, não é relevante ou é-o pouco, obedecendo as encomendas ou importações antes a critérios próprios de cada loja, segundo uma espécie de intuição sobre o que vende e o que não vende proporcionada pela experiência dos respectivos funcionários e/ou proprietários.
No caso de discos esgotados, o “stock” é renovado, a maioria das vezes, num prazo reduzido ou não chega a ser reposto, porque as previsões apontam para uma não-continuação da procura. O argumento da “falta de interesse” volta a ser invocado para os discos que nunca chegaram aos escaparates. É a retracção, compreensível, em tempo de vacas magras e forte concorrência. O comprador de discos, quando busca algo mais particular e fora do grande consumo, tem de procurar bem antes de encontrar o pretendido.
Há quem conheça o território e quem o desconheça. Os primeiros fecjham-se em copas, não vá alguém antecipar-se e comprar o compacto desejado antes de si (as quantidades são pequenas e a rapidez de aquisição é aqui um factor importante). Os segundos, se não quiserem andar de loja em loja, desistem ou resignam-se ao que há. Alguns encolherão os ombros e pensarão que, procura por procura, têm ali mais à mão o hipermercado.

READY MADE E PÓS



Nova formação dos Pop Dell’Arte: João Peste, Luís San Payo, Pedro Alvim, Paulo Monteiro, e João Luís II
O LANÇAMENTO DO ÚLTIMO TRABALHO DOS Pop Dell’Arte, “Ready Made”, terceira edição da Variodisc, esperado há cerca de um ano, vai finalmente concretizar-se na próxima segunda-feira, 12 de Abril, mas a banda promete já outro álbum. “Ready Made” vai ser editado em formato vinil, com seis temas, e em CD, no qual figuram ainda duplas versões de “2002” e “Mc Holly”. Ambos têm uma edição limitada de “ready mades”, adaptados ao formato, assinados pelos membros dos Pop Dell’Arte, quando da gravação do disco.
A nova formação dos Pop Dell’Arte – que inclui, desde o final do ano passado, além do trio sobrevivente (composto pelo vocalista João Peste, o baterista Luís San Payo e o baixista Pedro Alvim), outros dois novos membros, Paulo Monteiro, ex-Croix Saint, na guitarra, e João Luís II, na guitarra e manipulação de fitas – apresenta integralmente ou temas do novo álbum (com excepção de “808 loop”, dia 17 de Abril, na Voz do Operário, em Lisboa, além de uma série de temas novos do período pós “Ready Made”. Têm como convidado especial General D e a primeira parte do concerto será assegurada pelos Lulu Blind.
“se, mais uma vez adiamentos imprevistos impedirem a saída do disco, será por exclusiva responsabilidade da Varidisc, já que este álbum está concluído há muito tempo e nós não abdicamos da data do concerto de apresentação em Lisboa, que está prometido desde o final do ano passado”, referiu o mentor da banda, João Peste. O atraso na edição de “Reasdy Made” não impediu a banda de preparar novos temas que, segundo João Peste, “já justificam um outro álbum”. “My super Analana”, “H27”, “A sex machine (with hands to kill)”Be hop” e “Racismo é estúpido” são alguns desses temas, num conjunto de 13 que a nova formação dos Pop Dell’Arte se tem ocupado nos últimos seis meses. Esperamos que este futuro álbum viva dias melhores, com uma edição atempada.
Cristina Carvalho?/Conceição?

John Zorn – “Film Works, 1986-1990” + God – “Possession” + The Carl Stalling Project – “Music From Warner Bros. Cartoons, 1936-1958”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 15.04.1992


A CÂMARA ASSASSINA e outros desenhos animados

JOHN ZORN
Film Works, 1986-1990 (8)
CD, Elektra Nonesuch, import. Contraverso

GOD
Possession (7)
CD, Venture, distri. Edisom

THE CARL STALLING PROJECT
Music From Warner Bros. Cartoons, 1936-1958 (7)
CD, Warner Bros., import. Contraverso



A música de John Zorn é por natureza cinematográfica. O saxofonista e compositor inglês disseca os sons, retalha-os e reconstrói-os segundo um processo de montagem em tudo semelhante ao do cinema. Sobretudo desde “Big Gundown”, Zorn tem vindo a entregar-se a um meticuloso reprocessamento sonoro de variadíssimos estilos e “inputs” musicais que, ao invés de tenderem para sínteses aglutinadoras, disparam em vertigem centrífuga, em direcção a uma “micro-música”, chamemos-lhe assim, de ampliação e revalorização de pormenores. Como se a Zorn interessasse estudar o filme, fotograma a fotograma. Estética de fragmentação já presente em obras como o citado “The Big Gundown” (ainda sustentada pelas partituras de Ennio Morricone) e “Spillane” (outra referência explícita ao universo cinematográfico, neste caso ao “filme negro”), na longa dissertação sobre Godard incluída no álbum de homenagem a este cineasta, editado pela Nato, e finalmente levada ao extremo na autodevoração de “Naked City” e “Torture Garden”. “Film Works” reúne as bandas sonoras compostas por Zorn para os filmes “Hite and Lazy”, de Rob Schwebwr, “The Golden Boat”, de Raul Ruiz, e “She Must be Seeing Things”, de Sheila McLaughlin, e uma versão “pastische” de “The Good, the bad and the ugly” para um anúncio da Camel. As imagens sonoras de Zorn são sinónimo de agressão. O desenho da capa – uma câmara que é ao mesmo tempo um revólver (símbolo / ícone já anteriormente presente em “Spillane”, “Deadly Waepons”, com Steve Beresford e David Toop, e “Naked City”) – ilustra bem o modo como o filme roda no cérebro do seu autor. Mais próximo de “Big Gundown” e “Spillane” do que das torturas sónicas dos Naked City, “Film Works” apresenta-se ainda como uma série de exercícios exploratórios sobre linguagens musicais autónomas (blues, country, jazz, ambiental, no caso das composições para Raul Ruiz, reproduzidas sob a forma de “géneros” anedóticos e arquivadas em títulos como “Jazz oboés”, “Horror organ”, “Slow” ou “Rockabilly”), com a diferença de que aqui cada um deles se compartimenta e arruma num tema específico, com tempo e espaço. Suficientes para respirar. Como se desta feita Zorn (acompanhado pela “troupe” do costume: Robert Quine, Arto Lindsay, Carol Emanuel, David Weinstein, Ned Rothenberg, Frissell, Previte, etc.) optasse por escrever o índice completo e detalhado da sua obra, de modo a facilitar ao ouvinte a decifração do labirinto. John Zorn figura como músico convidado em “Possession”, embora em termos sonoros os God não se afastem em demasia do universo estético / terrorista dos Naked City, com quem partilham uma especial preferência pelas virtudes do sadomasoquismo. No folheto interior, entre corações de metal, máscaras e vísceras sortidas, os God deixam clara a imagem que fazem do amor: “Being person who is owned and fucked becoming someone who experiences sensuality in being possessed.” Aqui o filme é de horror e o som abrasivo, feito de massas sonoras em descargas contínuas de ódio e distorção. De “Fucked “ e “Return to hell” a “Soul fire” e “Hate meditation”, os God mostram que são feios, porcos e maus. Registe-se como curiosidade a inclusão no grupo de Tim Hodgkinson, que integrou a formação original dos Henry Cow e agora se vê metido no inferno. Antecedente principal e referência paradigmática das estratégias Zornianas, a obra de Carl Stalling prefigura-se, entre os anos 30 e 50, como uma das mais revolucionárias da época na América. Vinte e poucos anos ao longo dos quais Stalling compôs as bandas sonoras para os desenhos animados de Tex Avery para a Warner. “The Carl Stalling Project” reúne gravações originais dessa era dourada da animação. Cinco anos antes da sua morte, referia-se nestes termos ao cinema de animação actual: “Têm tantos diálogos que a música deixa de ter significado.” Entre as tropelias de Bugs Bunny e Duffy Duck, a música destas pequenas sinfonias delirantes congrega em segundos toda a história da música americana que vai de Ellington a Copland, de Ives a Cage, intercalada pelo “Mickey mousing” – termo técnico que designa os ruídos onomatopaicos que acompanham a acção e os distúrbios das personagens animadas.

Robert Fripp – “Concerto da ‘Liga Dos Guitarristas Habilidosos’ – Robert Fripp Actua Em Lisboa”

Secção Cultura Sexta-Feira, 01.03.1991


Concerto da “Liga Dos Guitarristas Habilidosos”
Robert Fripp Actua Em Lisboa


Robert Fripp actua em Lisboa no próximo dia 15 de Abril, em local ainda por confirmar, num espectáculo único organizado por Hernâni Miguel / Contraverso. Acompanham o antigo guitarrista dos King Crimson, a League of Crafty Guitarists, constituída por onze executantes do instrumento, seus discípulos e antigos alunos de seminário.
Fripp é unanimemente considerado, depois de Hendrix, um dos grandes inovadores da guitarra eléctrica e nomeadamente da técnica por si inventada a que chamou “Frippertronics” – um sistema de interface entre a guitarra e uma série de gravadores e controladores de som que permite a criação de ciclos repetitivos e estruturas tonais susceptíveis de múltiplas manipulações.
Fundador de uma das bandas mais importantes do denominado “rock progressivo” dos anos Setenta, os King Crimson, (actuação memorável, em Agosto de 1982, no estádio do Restelo, antes dos Roxy Music) com os quais assina obras capitais como “In The Wake Of Poseidon”, “Lizard” ou, em fases posteriores, “Larks’ Tongues In Aspic”, “Red” e “Discipline”, Robert Fripp gravaria posteriormente a solo uma trilogia em que profetizava mudanças radicais para a sociedade ocidental na década de Oitenta (“Exposure”, “God Save The Queen / Under Heavy Manners” e “Let The Power Fall”).
Associa-se a Brian Eno na feitura de dois discos experimentais e obscuros: “No Pussyfootin’” – primeiro em que utiliza as frippertronics – e “Evening Star”. Com Andy Summers, dos Police, grava “I Advance Masked” e “Bewitched”. Participa como músico convidado em discos de Peter Hammill, Peter Gabriel, David Bowie, Talking Heads, Blondie e Toyah Wilcox (com quem viria a casar).

Práticas Tântricas

A meio da década de 80 retira-se para um mosteiro em Inglaterra, dedicando-se a meditação e a práticas tântricas de autodisciplina inspiradas nas doutrinas de J. G. Bennett, discípulo de Gurdjieff. A partir de 1985 dá aulas de guitarra e realiza seminários sobre novas técnicas para o instrumento. Escolhe alguns dos seus melhores alunos e forma a League of Crafty Guitarists, grupo que a partir de então o tem regularmente acompanhado em actuações ao vivo. “Robert Fripp and the League of Crafty Guitarists”, de 1986, é até agora o único registo discográfico desta formação.
Desenvolvendo-se segundo combinações instrumentais que vão desde o simples dueto até complexas polirritmias e explorações tímbricas praticadas pela totalidade dos doze intérpretes, a música da “Liga dos guitarristas habilidosos” é o contraponto estético e estilístico da visão “brutista” e totalitária das orquestrações para guitarra eléctrica, de Glenn Branca. Abril, em Lisboa, as guitarras vão cantar.