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John Zorn – “Uma Dor Sem Remédio” (concerto | antevisão)

pop rock >> quarta-feira, 31.03.1993


UMA DOR SEM REMÉDIO



Iconoclasta do jazz, instigador dos piores instintos do saxofone alto e agitador-mor das ondas sonoras do final do século, John Zorn regressa na sexta-feira a Portugal. Bem acompanhado.
Pain Killer, o seu projecto mais recente, trará a Portugal o baixista Bill Laswell e o percussionista dos Napalm Death, Mike Harris. “Guts of a Virgin” é um álbum assinado por esta banda cujo título é significativo da temática escalpelizada pelo saxofonista ao longo dos últimos anos.
O ambiente e a simbologia do “thriller”, com todo o seu cortejo de crimes, detectives perdidos e personagens nocturnas, é uma das obsessões de John Zorn. O cinema, projectado em tons de negro. Em “Spillane”, inspirado no escritor policial Mickey Spillane, é todo um género que o músico transforma em fonte inesgotável de nostalgia e paranoia. “The Big Gundown”, com arranjos de temas de filmes compostos por Ennio Morricone, “Filmworks 1986-90” e “Godard”, longa faixa incluída no álbum de homenagem a Jean-Luc Godard, “Godard, ça vous Chante?”, são exemplos significativos da relação que mantém com a sétima arte.
Adepto confesso da velocidade e sobreposição de registos musicais na aparência incompatíveis (daí a referência à música de desenhos animados, influência que de resto Zorn assumiu, via Carl Stalling, autor de bandas sonoras dos “cartoons” animados de Tex Avery para a Warner Bros, durante os anos 30, 40 e 50), John Zorn carregou a fundo no acelerador em álbuns como “Naked City” e “Torture Garden”. Submetida a um compressor monstruoso, a música de Zorn tende “para a morte”, como ele próprio admitia em entrevista ao PÚBLICO em 1991. Estética que leva ao paroxismo na fixa “Speed Freaks”, de “Naked City”, sequência de 32 géneros de música em menos de um minuto.
Faz deste modo sentido que John Zorn tenha encontrado no seu émulo saxofonista Ornette Coleman, e no “free jazz” em geral, a carne sonora ideal para dissecação estilística, operação que empreendeu de forma admirável no álbum “Spy vs. Spy”, sobre obras daquele compositor. Há todavia outra faceta sua, mais calma, devedora do “bebop”, exemplificada na obra-prima “Deadly Weapons”, com Steve Beresford, David Toop e Tonnie Marshall. Num dos seus éultimos trabalhos, “Elegy”, deparamos com um músico que soube ultrapassar a brutalidade dos Naked City, voltado para sonoridades menos frenéticas mas igualmente inovadoras.
Bill Laswell, na ocasião baixista dos Pain Killer, por seu lado, é um músico que só por si mereceria um tratado. A sua obra como compositor, instrumentista e produtor é imensa, apontando, desde há anos novos caminhos ao rock, blues, punk, funk, música industrial, dança, heavy metal, hip hop e cruzamentos “ethnno” de toda a ordem. A esta pluralidade de músicas Laswell emprestou o seu cunho visionário e o som vulcânico da sua viola baixo.
A lsita de músicos e projectos em que se viu envolvido é incomensurável. Com a experiência pioneira dos Material (“Memory Serves”, “Temporary Music”, “One Down” e, já em segunda vida, “Seven Souls”) na dianteira, lugar de múltiplas experiências por onde passarm os sons e as vozes de Henry Threadgill, George Lewis, Fred Frith, Sonny Sharrock, Whitney Houston, Archie Shepp, Nile Rodgers, William Burroughs, Shankar, Sly Dunbar, Fela, Daniel Ponce, Zakir Hussain, entre outros. Campo de batalha, de “collision music”, aí se traçaram sínteses que tiveram continuidade no futuro. Fundamentais são também os álbuns a solo, “Baselines”, “Hear No Evil”, e os projectos que liderou: Deadline, Last Exit e SXL. Como produtor, Bill Laswell trabalhou com Iggy Pop, Public Image Ltd., Peter Gabriel, Motorhead, Ramones, Mick Jagger, Laurie Anderson, Ryuichi Sakamoto, Ginger Baker, Swans, Sly & Robbie, James Blood Ulmer, Shango, Maceo, Yellowman, Manu Dibango, Toure Junda, Fela Kuti, Mandingo…
Depois, uma longa parada de notáveis com quem tocou ou de algum modo colaborou, na qualidade de simples convidado a orientador estético, fora ou no seio das editoras que ajudou a fundar, OAO e Axiom: Peter Brotzmann, Ronald Shannon Jackson, Toshinori Kondo, Sonny Sharrock, Brian Eno / David Byrne, Peter Gabriel, Golden Palominos, Massacre, Fred Frith, Curlew, Tom Verlaine, Kip Hanrahan, David Moss, Shankar, Afrika Babaataa, Bootsy Collins, Herbie Hancock, Nona Hendrix, Last Poets…
Entre “field recordings” recolhidos um pouco por todo o globo, da Ásia à Gâmbia e a Marraquexe, com uma lendária gravação dos “Masters musicians of Jajouka” em colaboração com Bachir Attar, pelo meio, Bill Laswell divide actualmente as suas actividades entre os Pain Killer e um trio com Ginger Baker e o tocador de kora Foday Musa Suso.
No Armazém 22 acontecerá uma explosão de criatividade e energia. Num cenário coincidente com as imagens e vibrações do sofrimento urbano.
Lisboa, 2 de Abril, Armazém 22

John Zorn – “Concerto De John Zorn Em Portugal – Sax Supesónico” (concerto | antecipação)

cultura >> domingo, 21.03.1993


Concerto De John Zorn Em Portugal

Sax Supesónico


JOHN ZORN, o saxofonista supersónico, regressa a Portugal, com um concerto marcado para o próximo dia 2 de Abril, no Armazém 22, em Lisboa, numa produção da Simbiosis. Acompanham Zorn, nesta sua terceira deslocação ao nosso país, o baixista Bill Laswell e Mike Harris, do grupo “hardcore” Napalm Death, num novo projecto com a designação Pain Killer.
Considerado um inovador do saxofone alto e um dos pilares do movimento “downtown” de Nova-Iorque, Joh Zorn, revolucionou as bases do “bebop”, para partir ao encontro do rock “hardcore” que o músico considera ter “uma intensidade igual à do ‘free jazz’ nos anos 60” e cuja estética desenvolveu até ao delírio nos Naked City, outro dos seus projectos iniciado nos anos 80, ao lado de Fred Frith, Bill Frissell, Joey Baron e Wayne Horvitz. Em 1989, o saxofonista assinara já a sua versão “hardcore” de temas de Ornette Coleman, em “Spy vs. Spy”.
Adepto da colagem sonora e da velocidade de interpretação, a par do fascínio pelas perversões sexuais sado-masoquistas, conceitos que exrcitou em álbuns como “The Big Gundown”, sobre música de Ennio Morricone, “Spillane”, inspirado no escritor policial Mickey Spillane, ou na longa e magistral sequência que ilumina a colectânea “Godard, ça vous Chante?” dedicada ao profeta da “nouvelle vague” do cinema francês, John Zorn atingiu o limite em “Speed freaks”, tema de menos de um minuto de duração no qual incorpora 32 estilos musicais diferentes.
Entre os álbuns mais importantes de John Zorn contam-se os dois volumes de “The Classic Guide To Strategy”, “Locus Solus”, “Cobra”, “News for Lulu” e “Torture Garden” (com os Naked City. Quem preferir escutá-lo em perfeito estado de enamoramento pelo “bebop” deve procurar nas águas mais calmas, mas não menos brilhantes, de “Deadly Weapons”, na companhia do pianista excêntrico inglês Steve Beresford, David Toop e a cantora Tonie Marshall.

Vários – “Bandes Originales du Journal ‘Spirou'”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 25 ABRIL 1990 >> Videodiscos >> Pop


VÁRIOS ARTISTAS
Bandes Originales du Journal “Spirou”
CD duplo Nato, distri. VGM


Jean Rochard, patrão da editora francesa Nato, é um fanático da banda desenhada, como o demonstram, aliás, a quase totalidade das capas dos discos editados neste selo. “Spirou” constitui o remate lógico desta paixão. Para o efeito Rochard reuniu o grosso dos “seus” artistas, convidando-os para compor música para diversos álbuns daquela revista. O resultado dos trabalhos é esplendoroso. De resto, não espanta que assim seja, se perspetivarmos corretamente a linha estética predominante na casa. Tony Hymas, Steve Beresford, Mike Cooper, Lol Coxhill ou Clive Bell não escondem a sua admiração pelo universo das imagens, sejam elas cinematográficas ou, como neste caso, da banda desenhada. Recordem-se aqui os estranhos objetos musicais da Chabada Records, subsidiária da Nato, dedicados a Brigitte Bardot ou aos irmãos Marx. Em “Spirou” foi-lhes dada rédea solta, e quem ganha é a música, aqui estruturada numa longa “fita” de múltiplos argumentos e inspirados narradores. Mais descritivas e menos abstratas do que certas obras mais radicais da editora, das “bandas sonoras” de “Spirou” entrecruzam feericamente os “clichés” mais evidentes (como os do “Film Noir” ou do “Western”) com incursões por um experimentalismo bem-humorado. Para além dos já citados, participam nesta aventura, entre outros, nomes como John Zorn e os seus amigos Blind Idiot God, Max Eastley, Tony Coe e David Weinstein, entretidos e divertidos com os seus heróis Spirou & Fantásio, Attila, Chaminou ou Natasha. As manobras da NATO voltam a dar que falar.