Arquivo de etiquetas: Mike Oldfield

Mike Oldfield – “Mike Oldfield, Em Portugal – Nascido Para Entubar” (concerto)

cultura >> sexta-feira, 24.09.1993


Mike Oldfield, Em Portugal
Nascido Para Entubar



OS SINOS dobram mas não quebram. Mike Oldfield por mais voltas que dê, acaba sempre por dizer que sim aos sinos. Disse-o de novo em frente às escassas centenas de pessoas que na noite de quarta-feira, no Dramático de Cascais, decidiram puxar lustro à memória e recordar os bons velhos tempos de “Tubular Bells” (Oldfield actuou, também, no Coliseu do Porto, ontem à noite). Foi um fartote de sinos tubulares, mais precisamente uma hora e picos de repiques, numa longa peça, versão dois e tal de “Tubular Bells”, que assassinou por completo as virtudes do original de 1973.
Antes da banda do guitarrista subir ao palco, decorado com uns arcos em estilo sobrancelha rapada e uma espécie de leque a servir de fundo, dois portugueses, alunos do Conservatório, Renato Raimundo, na guitarra, e Nuno Flores, no violino, prepararam o ambiente, em delicadas peças acústicas.
Seguiu-se a grande seca. A ideia, anunciada por Oldfield em entrevista ao PÚBLICO, era apresentar a sua música num contexto o mais fiel possível ao das gravações. O que na prática significou uma dúzia de executantes em palco, todos vestidos de negro – incluindo as duas vocalistas loiras que esbracejaram mais do que cantaram -, soberbos na arte de causar aborrecimento com pompa e circunstãncia, à medida que “Tubular Bells” se ia espreguiçando sem ponta de criatividade.
A sequência emblemática dos sinos, em que é feita a apresentação dos diversos instrumentos, ficou reduzida a uma caricatura e a uma pasta harmónica que só a imaginação permitia conferir com a referência original. O próprio Oldfield se encarregou de martelar os sinos, naquele que constituiu o clímax de uma prestação merecedora, desde já, do prémio “chatice do ano”. Soaram engraçados alguns segundos pseudo-célticos, com um violinista e Oldfield no banjo a puxarem o pé para a dança.
Momento de algum “frisson” aconteceu quando irrompeu em palco um vocalista recrutado para gritar umas coisas entre as sequências 37 e 38 da obra monumental, e cuja coreografia se pautou por rojar-se pelo chão e espernear em cima do piano de cauda.
Já no primeiro “encore” – que incluiu a tal sequência-chave de “Tubular Bells” – a solenidade do espectáculo foi quebrada por uma nota de humor, trazida pela utilização de dois pares de pés postiços, calçados com botas, em “step dancing” de tacão alto.
E pé ante pé, chegou o fim. Mike oldfield apareceu sozinho e acelerou no bandolim, acompanhadopelas palmas de um público que não foi difícil conquistar, despedindo-se com “Sailor’s hornpipe”, um tradicional que apenas aparece gravado em “Collaborations”, álbum-bónus incluído na caixa-colectânea “Boxed”. À saída alguém comentava para a namorada: “Gostei, só foi pena ele não ter tocado aquelas mais comercialecas, com aquela vocalista, como é que se chamava?”

Mike Oldfield – “Elements,The Best of…”

Pop Rock

22 SETEMBRO 1993

Mike Oldfield
Elements,The Best of…

Virgin, distri. EMI – VC


Oldfield_elements

“O melhor” seja de quem for é sempre contingente. No caso do menino-prodígio dos sinos tubulares, considerou-se desta vez que o supra-sumo são as canções curtas que foram editadas em single, da fase posterior à dos grandes épicos do início de carreira. Outra compilação, em caixa dupla, do músico, lançada já há alguns anos, dizia exactamente o contrário e privilegiava as sequências longas… Enfim, aqui reuniram-se canções agradáveis como “Moonight shadow”, “Five miles out” e “Shadow on the wall”, com outras menos interessantes, como “Family man”, e alguns paraísos de anjinhos assexuados, como “In Dulce jubilo” e “Islands”. Para compor o ramalhete incluíram-se excertos à pressão e bastante abreviados das “opus magnum” “Tubular bells”, “Ommadawnn” e a mais recente “Amarok”. Inofensivo. (5)

aqui



Mike Oldfield – Sinosite (Entrevista)

Pop Rock

22 de Setembro de 1993

SINOSITE

Mike Oldfield: um homem, uma guitarra de som inconfundível, uma personalidade instável e um disco onde coube tudo: “Tubular Bells”. Em dois volumes, separados por duas décadas, a marcarem a distância entre o génio e a banalidade.


mo

O autor de um dos discos mais vendidos a música Rock, “Tubular Bells”, o primeiro, pois claro, vai tocar numa praça de touros. Uma actuação em registo orquestral a exigir enorme concentração. Com a guitarra, vários tipos de guitarra, no comando das operações. Menos a portuguesa, de que Mike Oldfield, estranhamente, nunca ouviu falar.
PÚBLICO – Que motivos o levaram a gravar “Tubular Bells II”?
Mike Oldfield – Pensei que fosse uma boa ideia e agradou-me imenso fazê-lo. Tinha essa intenção já há cerca de cinco anos, mas queria fazê-lo com uma nova editora. Já não me sentia feliz na Virgin e tive de romper o contrato.
P. – Por que razão se aborreceu com a editora?
R. – As pessoas originais foram-se embora e as que vieram não eram grandes apreciadoras de música instrumental. Pensavam que era um formato difícil de promover. Depois, Richard Branson estava mais preocupado com a sua companhia de aviação, enquanto no passado se preocupava mais com a música. Foram 17 anos na mesma editora e achei que era tempo de mudar.
P. – Poderia ter feito “Tubular Bells II” com música original, mas em vez disso preferiu apenas alterar os arranjos. Porquê essa opção?
R. – As sequências não são as mesmas… mas porque é que me está sempre a perguntar “porquê”?

TubularBellsII

P. – Porque o público português quer ficar a saber…
R. – Oh! (suspiro). Não há uma razão para tudo o que faço, portanto não faz sentido perguntar-me “porquê”. Não tenho explicação para as coisas. Não sei por que razão há seres humanos sobre o planeta, não sei explicar os enigmas do universo. As coisas simplesmente existem. Eu faço coisas não por este ou aquele motivo. Faço-as e pronto.
P. – A sua obra tem-se caracterizado por dois campos musicais separados: longas peças instrumentais e, por outro lado, pequenas canções curtas…
R. – Resolvi deixar essas canções de lado por uns tempos. Comecei a sentir aborrecimento a escrever canções, que me estava a repetir. Há muitas pessoas no mundo a escrever canções mas muito poucas a compor peças instrumentais. Uso um pouco as vozes, é claro, mas não no formato tradicional de canções.
P. – Mas, sobretudo nos últimos anos, foram essas canções que lhe deram mais dinheiro…
R. – Nunca fiz nada por dinheiro. À parte quando era muito novo e trabalhava porque necessitava dele. Passei a ter sempre dinheiro desde “Tubular Bells”. A maioria das pessoas pensa que se age sempre a pensar em dinheiro, mas eu faço as coisas por outras razões, pelo prazer que sinto, por exemplo. Quando deixar de sentir esse prazer, paro, e vou fazer outra coisa.
P. – Passados todos estes anos, continua a sentir prazer em tocar ao vivo?
R. – Sim, especialmente nesta digressão, em que os processos utilizados são diferentes. Não vai ser como em digressões anteriores, em que fazia versões rock dos álbuns. Tinha já tudo escrito, como se fosse uma peça orquestral, os músicos vão cingir-se às respectivas partituras. Os actuais concertos soam bastante aos álbuns, embora num contexto “ao vivo”, com várias partes separadas que se complementam e que exigem uma grande concentração, de modo a conseguir-se a ordem correcta. Têm a duração de uma hora e meia, o que, nos dias que correm, pode parecer um pouco curto. Não se trata de preguiça, mas sim da tal concentração.
P. – Vão ser tocados temas novos ou só os arranjos é que variam?
R. – Novos arranjos. Vou tocar um pouco de “Tubular Bells II”, um pouco de flamenco, que adoro…
P. – Sempre mostrou interesse pela música tradicional, nomeadamente de inspiração celta… Tocou recentemente num clube de música tradicional na Galiza…
R. – É verdade. A minha namorada é galega e fomos visitar os pais dela. Conheci o grupo Luar na Lubre e tocámos juntos nesse clube. Adoro música celta.
P. – Continua a viver no campo?
R. – Sim, em Inglaterra, algumas vezes.
P. – Tem medo da cidade?
R. – Tenho uma casa em Los Angeles que é uma das maiores cidades dos Estados Unidos, só que fica um pouco à margem, no alto de um monte. Gosto de me sentir próximo da cidade, mas não no meio dela.
P. – Descontando “Tubular Bells II”, pensa regressar ao estilo e à complexidade de um álbum como “Amarok”, por sinal excelente?
R. – Complexo, sim, mas feito de forma muito espontânea. Costumava levantar-me de manhã e pensar em algo, uma técnica de composição que resultou bem. Há nesse disco secções maravilhosas, mas, na generalidade, é um disco em que existe raiva, um disco negativo. Não estou a dizer que seja mau…
P. – Sabe-se que costuma ser sensível a estes aspectos negativos, mas o curioso é que se desprende da sua música uma sensação de harmonia. Usa a música como terapia?
R. – Sim, é uma espécie de terapia. Nos primeiros tempos, a música era algo que me fazia sentir feliz e seguro, mas se se reparasse bem, não era uma máusica feliz, embora possa dizer que era uma música positiva.
P. – Define-se primeiro que tudo como um guitarrista?
R. – Absolutamente. Quando vir o concerto reparará que me concentro muito na guitarra. Vou tocar vários tipos de guitarra: espanhola, clássica, eléctrica…
P. – E guitarra portuguesa?
R. – O quê? Nunca vi uma guitarra portuguesa, o que é isso?
P. – Não sabe o que é?
R. – Não, mas vou tentar investigar, manter os ouvidos abertos para ela.

DIA 22, DRAMÁTICO DE CASCAIS, 21H30