cultura >> segunda-feira >> 21.11.1994
Monges Japoneses Cantaram Em Lisboa
Toque A Despertar
ESTAVAM anunciados 250 monges “buzan” da seita budista “Shinghon” mas, bem feitas as contas, “apenas” 186 estiveram presentes sábado à noite no Coliseu dos Recreios em Lisboa, para celebrar, com o seus coros, orações e sequências de percussão, uma cerimónia que é pouco habitual ter lugar num palco. Vestidos a rigor com trajes coloridos, o coro “shomyo” (“voz irradiante”) fez da liturgia um espectáculo. Ocupando na totalidade a antiga pista do Coliseu, dispostos em vários quadrados concêntricos em redor de um gigantesco caracter japonês permanentemente iluminado, no centro, a cerimónia foi conduzida por um mestre que, sentado em posição estratégica, dirigiu as várias fases do cerimonial, entregando-se durante cerca de hora e meia a todo tipo de gestos rituais.
Cerimonial, ritual, sagrado, tudo isto aconteceu mas envolto numa aura de espectacularidade que decerto não se terá repetido ontem na apresentação dos monges na igreja de S. Roque. Houve uma apresentação do “show” (!) feita em inglês, uma introdução pré-gravada de música “new age”, coreografadas de belo efeito visual e luzes psicadélicas que, suspeitamos, pouco tiveram de religioso mas o essencial, esse esteve presente e à disposição de quem o quisesse tocar. As palavras, murmuradas, uivadas, jubilosas ou em solitário recato, não se perceberam. Nem residia aí o essencial. No espectáculo, com chancela “Lisboa 94” para turista ver, muito menos. Então esteve onde? Na música, no som, na vibração. Nas vozes dos monges, nos seus ritmos imprevisíveis, nas trovoadas e nas estrelas de cristal das trompas, dos sinos e das percussões.
O coro “Shomyo” fez uma coisa simples, tão simples que nós ocidentais por vezes somos incapazes de compreender, impregnados que estamos de um racionalismo que em tudo pretende ver a tradução ou o significado de qualquer coisa. O que os monges fazem é manter-se despertos e convidar-nos a fazer o mesmo. A simplesmente estar atentos e ouvir. Os sinos que limpam o ar, os tambores que sacodem o corpo e o espírito do torpor, as vozes que cantam (Há algo mais sagrado do que cantar?) não significam nada. A música basta-se a si própria, como encarnação humana do movimento puro. Sintonia.
Quando os tambores rituais, nove – os mesmos que já tinham soado, em diferente contexto, o ano passado nos claustros dos Jerónimos – ribombaram, impulsionados pelos solos explosivos de Eitetsu Hayashi, foi a terra que subiu ou o céu que desceu?















