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Mathilde Santing Ensemble – “Carried Away”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 14.10.1992


E A BANDA TOCOU “WALTZING MATHILDA”

MATHILDE SANTING ENSEMBLE
Carried Away
CD, Solid, import. Contraverso



Canções. Tão simples como isto. E tão complicado. A uma canção digna desse nome exige-se que conte uma história, seja ela qual for. E que essa história faça mossa, deixe marcas, não se deixe cair no esquecimento. Há canções que dizem tudo de uma vez. E canções que vão dizendo. A vários tempos, a várias vozes sobrepostas, consoante o génio ou os acasos da inspiração que visitaram o autor. Depois há quem pegue nas canções e lhes tire ou acrescente algo. Os ossos ou o sumo. São os intérpretes, porta-vozes dessas histórias paralelas que se escrevem em versos e se trauteiam num refrão. Mathilde Santing é uma intérprete. Das maiores. Uma cantora de sensibilidade, com a capacidade de se adapatar a uma diversidade de registos, de maneira a vestir cada canção como uma segunda pele. Mathilde não compõe, como Suzanne Veja, Rickie Lee Jones, Joni Mitchell, as grandes cantoras americanas da música popular. Está à mercê das chamas de composições alheias. A ela compete-lhe dar vida, animar, retocar, chamar a atenção para uma emoção particular que não se suspeitava existir nas palavras, numa melodia. A ela compete ainda tornar novo o antigo, diferente o conhyecido, pessoal o que é alheio. Mathilde Santing, de naturalidade holandesa, inclui-se no mesmo de que fazem parte, entre outras, Mary Coughlan ou Marianne Faithfull, mas habita um nicho separado. Ao contrário destas duas intérpretes, Santing possui uma qualidade intrinsecamente continental, uma nostalgia específica que pesa menos, que solta fragrâncias, como se a tristeza pudesse fazer sorrir e esse riso fosse natural. Em Marianne Faithfull há drama, prisão, dor. Coughlan, por seu lado, refugia-se na distância de uma Irlanda segura pelos mitos. A holandesa ergue a sua obra na brisa, sem grandes alardes mas com a segurança e a convicção que lhe advém de pertencer a uma linha vinculada à tradição europeia de cantores de variedades, dos casinos e cabarés, ao crepúsculo das valsas espectrais de Marienbad.
A América, na voz de Mathilde Santing, soa com tonalidades europeias. Os arranjos, assinados por si e por Rolf Hermsen, sugerem uma frieza que acaba por ser aparente. Na Europa vive-se à distância, longe dos “néons” da rua. Sofre-se menos na carne e mais na imaginação. Sente-se uma nostalgia que vem de séculos. Foge-se-lhe por onde se pode e cobre-se a fuga com as roupagens da sofisticação. Em “Carried Away” a cantora foi buscar canções de Todd Rundgren (“Real man” e Pretending to care”), como já o havia feito nos anteriores “Out of This Dream” e “Breast and Brow”, Roddy Frame, dos Aztec Camera (“Oblivious”), Robert Cray (“Bad Influence”) e Doors (“Yes the river knows”), bem como das duplas Gartside & Gamson (“Overnite”, “The word girl”), Van Hausen & Burke (“Polkadots and moonbeams”), Gordon Mills & Les Reed (It´s not unusual”).
Sem atingir o sublime dos contos surrealistas de “Water under the Bridge”, “Carried Away” consegue ultrapassar os outros dois álbuns citados, no bom gosto evidenciado na escolha de temas, na elegância que caracteriza o estilo da cantora e, em grande medida, nos arranjos luxuriantes. Próxima, no tema de abertura, “Real man”, de um registo “mainstream” que não permite grandes inovações estilísticas, Mathilde Santing corrige a mão e enceta uma viagem sem grandes colisões dramáticas por entre marimbas, naipes de cordas e poderosas respirações de baixo, alinhando um conjunto heteróclito de canções (quatro delas ostentam uma beleza que não é dete mundo: “Overnite”, “The word girl”, “Only a motion” e “Yes the river knows”) que de comum nada mais têm senão o elo oculto que a intérprete lhes descobriu. Um elo que passa pelas recordações dos tempos de infância e juventude, por aprendizagens de amor, por sonhos desfiados na bruma. Mathilde vai com as canções, ao ritmo de um calipso, de um blues europeizado, de sussurros “jazzy”, da sua sensibilidade própria, até encontrar portos de abrigo. Na foz do rio. Onde as águas deixam de correr e começa o mar. (8)

Jane Siberry – “When I Was A Boy” + Mathilde Santing – “Texas Girl & Pretty Boy”

Pop Rock

28 JULHO 1993
ÁLBUNS POPROCK

SENHORAS E SENHORES

JANE SIBERRY
When I was a Boy (6)

CD Sire, distri. Warner Music


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MATHILDE SANTING
Texas Girl & Pretty Boy (9)

CD Columbia, distri. Sony Music


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Duas senhoras com duas belas vozes que cantam os rapazes. No caso da senhora Siberry, a voz chega, sobeja e está bem acompanhada. Quer dizer: Jane Siberry tem as cordas vocais afinadas mas as canções é que nem por isso. Valha-lhe a produção e carradas de cosmética a disfarçar a vulgaridade que espreita ao virar de cada esquina. Mathilde Santing, por seu lado, além de ser uma senhora é uma senhora intérprete. No novo disco reduziu o leque de compositores a um só – Randy Newman, de cujas composições se serviram, entre outros, Ray Charles, Ringo Starr, Nuna Simone, Peggy Lee e os Three Dog Night. Jane Siberry apostou mais nas vestimentas. Escolheu bons costureiros: Brian Eno e Michael Brook, ambos especialistas na “ambientalização” do som. Mas só em três temas: no que abre o disco, “Temple”, co-produzido por Eno (que também toca oboé) em conjunto com ela, em “Sail across the water”, já com Eno sozinho aos comandos, na produção e nas teclas de um Hammond marado, e em “Love is everything”, com produção e “guitarra infinita” de Michael Brook. Engraçado o modo como Eno, no primeiro tema citado, faz com que o tema se pareça com um dos que assinou para David Bowie. “Sail across the water” é música para dançar sem frenesim. No meio deste bom gosto inicial ainda cabe a voz de K. D. Lang, em “Calling all angels” que não sendo uma senhora por convicção é na mesma uma senhora cantora. E pronto. As promessas do início vão sendo aos poucos dissipadas pela falta de ideias que atravessa o resto do álbum. Siberry faz uns arremedos de ousadias Meredith monkianas no início de “All the candles in the world”, lança a rede da música de dança nesse tema e em “An angel stepped down” e desagua nos madrigais góticos à sombra dos This Mortal Coil nos longos “Sweet incarnadine”, “The vigil” e “At the beginning of time”. Sobra o afago da voz e a sensação de que esta poderia ter sido bem melhor aproveitada. É outra a conversa de Mathilde Santing. Com bom material nas mãos, a cantora holandesa faz maravilhas (a maior das quais é o jardim de histórias irreais de “Water under the Bridge”). A sua voz pode não ter o mesmo calor que a de Mary Coughlan, o calor e o sabor de ressaca de Marianne Faithfull, o “pico” atrevido de Rickie Lee Jones ou o intimismo majestoso de K. D. Lang. Mas as armas que tem ao seu dispor – clareza tímbrica, agilidade, controlo dinâmico, elegância e, cada vez mais, doses enormes de sentimento – usa-as da melhor maneira para esculpir cada canção, arrancando-lhe o melhor que ela tiver para oferecer. No caso das canções de Randy Newman, recorrendo a uma base instrumental que privilegia o piano (a cargo de Onno Krijn e Nico van der Linden) e o baixo, por Simon Panting, com colaborações adicionais de acordeão, naipe de cordas, guitarras e os tratamentos ambientais de Mimi Izumi Kobayashi, Mathilde Santing parte numa cruzada pelas estações do riso e das lágrimas, transportada na melancolia de pianos, ora melancólicos, ora fumegantes, ora em queda trágica pelas esquinas de “Same girl”, “Old man on the farm”, e do fabuloso “Bad news from home”. “Tickle me” é irónico e divertido, contrariando a tonalidade sombreada da generalidade do disco, e “Living without you” balança na gravidade de um violoncelo, sobre as luzes infantis de uma caixa de música. Em “Pretty Boy”, Mathilde lança-se sem pára-quedas por ousadias formais que se pensava serem exclusivo de Laurie Anderson. A Randy Newman deve agradecer-se o ter proporcionado à cantora holandesa a oportunidade de subir a grande altura. Tão alto que já a vemos do lado das chamadas “grandes damas”, as tais senhoras que se entregam por inteiro às dores e volúpias da voz.

Jane Siberry – torrent
Mathilde Santing – torrent



Top 10 de álbuns de “covers”

26.01.2001
Top 10 de álbuns de “covers”
“It´s Like These” insere-se na tradição de álbuns de “covers”. Aqui ficam alguns dos mais representativos.

jlponty_kingkong

LINK

Jean-Luc Ponty
King Kong, blue Note, 1970
“Virtuose” do violino electrificado, ginasta do jazz de fusão, herdeiro de Grappelli, Ponty deu novo rosto instrumental ao papa dos Mothers of Invention, reinventando o humor de “Idiot Bastard son” e “Twenty small guitars”, ou alinhando em cumplicidade com o mestre, em “Music for Electric Violin na low budget orchestra”.

David Bowie
Pinups, EMI 1973
O camaleão ainda arranjou tempo para vestir a pela dos seus heróis, travestindo “See Emily Play”, de Syd Barrett, “I Can’t Explain”, de Townshend ou “Where have all the good times gone”, de Ray Davies.

The Residents
George and James, Ralph 1984
Os amantes da soul, se pudessem, davam-lhes um tiro. Os da música clássica, enforcavam-nos. Os “criminosos” são os Residents, e o crime foi o massacre de James Brown e Gershwin, no primeiro volume de uma série dedicada a compositores americanos deste século.

Marianne Faithful
Strange Weather, Island 1987
Resultou do encontro mágico entre a produção de Hal Wilner e uma voz do fundo da noite. Tom Waits e Bob Dylan sangrados. E os extremos de uma ressurreição sempre incompleta, entre a ferida de “As Tears Go By” e o despojamento sem esperança de “Boulevard of broken dreams”.

Steve Beresford
L’ExtraordinaireJardindeCharlesTrenet, Nato 1988
Do jazzman e lunático Steve Beresford tudo se espera. Mas foi na editora-anedota Chabada que o inglês soltou o humor nonsense e o amor pelas variedades, em particular a “chanson française”, num disco sorridente que levou ao colo as canções de Trenet.

Pascal Comelade
El Primitivismo, les Disques du Soleil e de l’Acier, 1988
Tudo em que toca fica em cacos. E é ao juntar os pedaços com a cola da memória que a música se transforma num brinquedo. Aqui remonta alguns dos seus preferidos: Stones, Wyatt, Nino Rota e Chuck Berry.

Mary Coughlan
Uncertain Pleasures, Eastwest 1990
Uma das mais sensuais vozes da actualidade, a irlandesa Mary Coughlan desfiou álbuns de “covers”, qual deles o mais brilhante. “Uncertain Pleasures” distingue-se pela arrebatadora versão de “Heartbreak hotel”, de Presley, subindo ao cume em “The little death”, dos Boomtown Rats, feito standard de jazz.

Mathilde Santing
Carried Away 1991
Todd Rundgren, Roddy Frame e os Doors contam-se entre os autores de “Carried Away”, veículo para a voz desta holandesa cultivar a arte da elegância. Com a meticulosidade da coleccionadora e o apuro da designer.

Urban Turban
Urban Turban, Resource 1994
Para os suecos Urban Turban, dar lustro a uma canção é esfregá-la com o desregramento. Sarcasmo, rock & roll e sanfonas, numa variante das barbaridades folk dos compatriotas Hedningarna. “Voodoo Chile”, de Hendrix, e “Let’s work together”, dos Canned Heat, caíram que nem ginjas nas mãos dos iconoclastas.

Joni Mitchell
Both Sides Now, Reprise 2000
Uma das damas da pop deste século, na sua primeira incursão no universo das “covers”. Canções sobre o amor, numa paleta interpretativa que vai do recolhimento à orquestração majestosa das emoções. “Standards” na sua acepção mais nobre, de modelos a seguir.