Luís Represas – Entrevista

Pop Rock

3 NOVEMBRO 1993
EM PÚBLICO

LUÍS REPRESAS *

Por que razão escolheu Cuba como local de gravação para o seu primeiro álbum a solo [“Represas”]?
Fundamentalmente, para ganhar uma distanciação suficiente em relação àquilo que tinha feito para trás, a todo o peso da carreira nos Trovante, às pessoas que me envolveram durante estes últimos 17 anos. Não numa de negação, mas de combater a insegurança provocada por esta mudança.

rep

Que tipo de insegurança?
Insegurança em relação àquilo que eu quero. De repente, vi-me sozinho. Eu não estive nos Trovante; eu vivi com os Trovante toda a minha vida enquanto músico. Sempre em trabalho de equipa, altamente partilhado. Quando, de repente, pus a questão de fazer um disco sozinho, pensando-o e fazendo-o e reagindo em relação aos meus próprios estímulos, evitando ao máximo ser influenciado por opiniões mais ou menos viciadas em relação ao um contexto passado, isso levou-me não só a isolar-me – não no sentido daquele isolamento angustiado – como a trabalhar num terreno que me fosse familiar, agradável e que respondesse àquilo que eu queria.

E só em Cuba é que se encontram todas essas condições?
É um país que eu visito regularmente há muitos anos, mais até do que Espanha, que está mesmo aqui ao lado, um país que tem músicos que giram dentro de um meio que me é familiar e da música que eu gosto de fazer, e que, à partida, estavam disponíveis para trabalhar com alguém que eles não conheciam. Ou seja, também aqui não ia haver leituras viciadas ou preconcebidas em relação a mim.

Curiosamente a influência cubana não está muito presente no disco…
Exactamente. Comecei, de repente, a aperceber-me disso quando vi as pessoas a ouvirem o disco e a respirarem de alívio… Se calhar, estavam com medo que eu fosse fazer um disco de turista, um disco de “salsa”, que eu não quis fazer, de todo. O que acontece é que os músicos cubanos bebem, de facto, a mesma água que eu.

Que tipo de água?
A água de que o Trovante também bebia, ou seja, uma música que evita a rotulagem e o estereotipo, uma coisa que sempre me incomodou imenso. É uma água onde existe muita música, desde o rock ao jazz e à música popular. Música do mundo, no fim de contas, os mesmos conceitos que levaram, por exemplo, à formação da “nova trova cubana” ou à formação da “nova música popular brasileira”. Uma geminação, um encontro entre várias culturas.

Como aconteceu a colaboração com Pablo Milanès, no tema “Feiticeira”? Algo sentido ou também um chamariz comercial?
É uma coisa sentida e que eu queria fazer há muito tempo. Já tinha cantado antes com o Pablo, no Brasil, sou um profundíssimo admirador dele e sempre quis trabalhar com ele em alguma coisa minha. Pus-lhe várias canções à frente e ele escolheu a “Feiticeira”. Agora não nego que, em relação à edição em espanhol e a uma possível edição na América Latina e em Espanha, o nome dele não seja um valentíssimo empurrão. Assim como ele também não nega que o facto de cantar comigo, para ele, é um valentíssimo empurrão em Portugal.

Há pouco, referiu-se a estímulos. Quais foram os que o levaram de novo a compor e a gravar?
Os Trovante tiveram uma fase, depois da saída do Gil e do José Salgueiro, de tentativa de continuar. Essa tentativa não resultou e nunca foi minha intenção abandonar a música, que sempre foi o tronco fundamental da minha vida. Estive um bocado à espera da altura certa, não do momento comercial, mas do momento em que eu me sentisse disponível, suficientemente tranquilo, assumindo a minha insegurança, para depois recuperar a segurança necessária para fazer este trabalho.

Sentiu algum medo na passagem de um trabalho em equipa para um trabalho solitário?
Quando uma pessoa se empurra a si própria para essa decisão, de ser ela só a decidir, é complicado. É a mesma coisa que estar-se habituado a tomar banho no mar com os amigos todos e, de repente, ficar-se pela primeira vez sozinho. Sabe-se nadar na mesma mas as primeiras braçadas são complicadas.

O que separa este disco a solo da música dos Trovante? Há um acréscimo ou uma ruptura?
Para haver um acréscimo, teria que haver uma manutenção de muita coisa dos Trovante. Em “Represas”, não há acréscimos, embora haja influências e pontos de coincidência com os Trovante, porque foi a música que eu gostei de fazer a vida toda e continuo a gostar de fazer. O que me fez mais feliz neste disco foi ter conseguido fazer exactamente o que queria. Não se trata, sequer, de qualquer conquista de liberdade – para isso, já teria abandonado os Trovante há mais tempo. Mas é sempre difícil uma separação total. Se se tirasse o Mick Jagger dos Rolling Stones e se se pusesse, em seu lugar, o Paul McCartney, as pessoas pensariam logo que se tratava dos Beatles…

Põe a hipótese de, no futuro, vir de novo a fazer parte de um grupo?
Não, nunca mais. Quando digo “nunca mais”, quero dizer que não vou voltar a andar á procura de fazer uma banda. Mas se, alguma vez, aparecer um grupo de gente para fazer qualquer coisa pontual, até é provável que aceite.

Isso tem a ver com a idade, com uma fase de maturidade?
Provavelmente. Acho que há uma idade de se formarem os grupos, a idade de se descobrir as coisas juntos, de compartilhar, uma idade em que, de facto, ainda não há, da parte de cada um, uma sabedoria adquirida que permita começar a andar sozinho. De facto, passados todos estes anos, apetece-me ficar sozinho.

De uma vez por todas, que papel desempenhou Milton Nascimento no seu estilo de cantar?
Gosto muito da maneira de cantar dele. O Milton Nascimento faz parte do leque das vozes que são referências para mim. Tal como a Simone, o Fausto – uma grande referência enquanto parceria, música-palavra. O Fausto e também o Sérgio ensinaram-me a respeitar o texto enquanto texto e a língua enquanto comunicação.

Considera-se uma pessoa tranquila e ponderada ou é só aparência?
Em relação à minha personalidade, ela não é serena. Mas sou sereno mas tento sê-lo. No entanto, na parte da composição, se não lutar pela inspiração, se me sento para tocar ou escrever e as coisas não saem, largo rapidamente e vou fazer outra coisa. Não sofro com as momentâneas faltas de criatividade. Largo tudo e vou-me embora: tomar banho, ver televisão, fazer o primeiro disparate que me apeteça. Não sou nada disciplinado nesse aspecto.

Aceita a imagem que algumas pessoas têm de si, de “bon vivant”?
Gosto das coisas boas da vida. Não faço cerimónia nenhuma. Não confundir as coisas boas da vida com outras coisas que parecem boas mas que acabam por não o ser tanto como isso, que a gente vai provando e deitando fora. Vamo-nos tornando selectivos.

* Compositor, pianista, guitarrista e vocalista dos Trovante, grupo entretanto já extinto. Gerente e proprietário do bar Chafarix. O seu primeiro álbum a solo, intitulado “Represas”, será lançado, nesta semana, pela EMI-VC.

aqui



Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.