Richard & Linda Thompson – “Hokey Pokey” + “I Want To See The Bright Lights Tonight” + “First Light” + “Sunnyvista”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
REEDIÇÕES


RICHARD & LINDA THOMPSON
Hokey Pokey (8) / I Want To See The Bright Lights Tonight (10) / First Light (7) / Sunnyvista (6)
Hannibal, distri. MVM



Richard Thompson faz parte de um grupo de artistas capazes do melhor e do pior. Se nada há a apontar-lhe enquanto guitarrista, já como compositor se deixa enredar, com alguma frequência, nas malhas da vulgaridade. Embora os seus discos a solo atinjam normalmente uma bitola elevada, foi contudo ao lado da sua ex-mulher Linda que o ex-Fairport Convention conseguiu os melhores resultados. É este lote de discos, a que falta acrescentar ainda “Pour down like Silver” e “Shoot out the Lights”, que agora se encontra disponível em Portugal.
Autor de textos invariavelmente pessimistas, o guitarrista encontrou em Linda Thompson, senhora de uma voz que poderemos situar ao lado da de Sandy Denny, uma vocalista capaz de conferir à música ressonâncias estranhas, fruto de um sombreado emocional mais matizado que o do seu companheiro. A vertente folk surge mais nítida em “Hokey Pokey” – a que não é alheia a presença do violinista dos Boys of the Lough, Aly Bain, bem como do acordeonista John Kirkpatrick (participante em todos os discos da dupla) – e mais camuflada em “Sunnyvista”, álbum conceptual que apresenta uma visão corrosiva sobre a “vida feliz” nos paraísos de betão suburbanos, não muito inspirada, pese embora a participação de inúmeras luminárias (Sue Harris, companheira habitual de Kirkpatrick, Kate & Anna McGarrigle, Gery Rafferty, Glen Tilbrook, dos Squeeze…), slavando-se o tema que dá título ao álbum, um portento de ironia iluminada pela originalidade do arranjo. “First Light” não apresenta grandes contrastes – nem grandes momentos nem falhas de vulto -, fixando os seus limites entre o instrumental fairportiano, “The choice wife”, e as belas baladas interpretadas por Linda, “Sweet Surrender”, “Strange affair” e “Pavanne”. Quanto a “I Wanto to See the Bright Lights Tonight”, tem as palavras escritas a sangue e é o ponto mais alto de toda a discografia de Thompson, para tal contribuindo a presença inevitável de Kirkpatrick, alguns membros da “troupe” Fairport Convention / Fotheringay, dois “medievalistas” dos Gryphon, Brian Gulland e Richard Harvey, e um “Albion Band man”, Royston Wood. As vocalizações, tanto de Linda como de Richard, tocam as raias da tragédia, como se a música brotasse de um buraco negro, sem fundo nem saída. Da solidão extrema de “Has he got a friend for me”, uma interpretação sublime de Linda, resvala-se para o niilismo cruel de “The End of the rainbow”, a dor sem remédio de “The calvary cross” anuncia a procissão de cacos e a ascese alcoólica de “Down where the drunkards role” (nunca a voz de Richard Thompson descera tão fundo nos graves). “I Want to See the Bright Lights Tonight” perfila-se como um dos maiores álbuns de sempre do rock com raízes na tradição urbana inglesa.

Producers For Bob – “Bob’s Media Ecology” + Vários – “Bob’s Media Ecology 2”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993


Producers For Bob
Bob’s Media Ecology (8)
Vários
Bob’s Media Ecology 2 (7)
DOV, import. Contraverso

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Ecologia mediática, nem mais nem menos, é o tema que ao longo dos últimos anos Bob Dobbs, um discípulo de Marshall McLuhan, vem dissecando, num daqueles estranhos programas radiofónicos independentes que abundam nos Estados Unidos. Mas também pode muito bem ser uma daquelas treats do estilo das que os Negativland gostam de inventar. A nova ecologia, segundo Dobbs, tem por objectivo orientar e alertasr o indivíduo numa relação, já não com a Natureza, mas com o mundo mediático da informação e respectiva manipulação. Os canadianos Producers for Bob pegaram em extractos de emissões, manipulando por sua vez o discurso e acrescentando-lhe toneldas de tecnologia e montagem sonoras, seguindo uma estratégia em tudo idêntica à dos Negativland. Criaram 30 pequenas peças electrónicas e conceptuais e chamaram-lhes “Hand signals for the blind” ou um “souvenir from a ritual-in-progress”.
“Bob’s Media Ecology 2” é um conjunto de remisturas de temas do primeiro volume, bastante mais dançáveis, assinadas pelso Negativland, precisamente, Steinski, Coldcut e os próprios Producers for Bob, intercaladas por excertos de diálogos e monólogos de Bob Dobbs, dos quais se destaca o longo manifesto “Four levels of exegesis”. Irresistíveis são as duas versões de “Discarnate mix”: uma “bass mix” de rebentar as tripas e a versão de 11 minutos “out-of-body” pelos Coldcut, em que, pelo contrário, reinam a fantasmagoria e as truncagens astrais, entre a “techno” e o mundo do eco de Arthur Russell.

Realejo – “Múisica Tradicional De Câmara” (entrevista)

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993


MÚSICA TRADICIONAL DE CÂMARA

No centro dos Realejo está a sanfona, instrumento ancestral que entrou em declínio a partir do século XVIII, mas que, um pouco por toda a Europa, uma nova geração de músicos tem vindo a recuperar. Os Realejo tocam e constroem as suas.



Fernando Meireles toca e constrói sanfonas. E bem. Como não há escolas de construtores de instrumentos tradicionais em Portugal, Fernando Meireles foi obrigado a ler e a ver como se fazia lá fora. Aprendeu sozinho e meteu mãos à obra. “Obradoiro” solitária, à portuguesa. Daí, os Realejo, que actuaram com êxito na última edição dos “Encontros da Tradição Europeia”, partiram à descoberta de outros sons. Entre o tradicional e a música de Câmara.
Além de Fernando Meireles, que é professor de música e toca sanfona, bandolim e cavaquinho, fazem parte do grupo Cesário Assunção, igualmente construtor de instrumentos (de corda), que tem a profissão de técnico de som e toca guitarra; Manuel Rocha, professor de música, que toca violino e bandolim; e Amadeu Magalhães, estudante num curso de Educação Musical, que toca sanfona, cavaquinho, braguesa, gaita-de-foles, flautas e bandolim.
PÚBLICO – Quando surgiu o Realejo?
FERNANDO MEIRELES – Em 1990, na altura em que acabei de construir a primeira sanfona.
P. – De onde lhe veio o interesse pela sanfona, ao ponto de aprender a sua construção?
F. M. – A sanfona tinha desaparecido completamente em Portugal durante o século XIX. Quando conheci o instrumento, achei-o fascinante e que era um disparate estar perdido. Prpopus-me então reconstituir o instrumento. Fiz um trabalho de investigação que me levou cerca de quatro anos, tendo-me baseado sobretudo em figuras de presépio dos séc. XVII e XVIII. Em 1990, tinha a minha primeira sanfona.
P. – Como explica o ressurgimento geral deste instrumento na Europa?
F. M. – Tem a ver com um interesse generalizado das pessoas pelas tradições dos seus países. Depois, a sanfona tem características muito interessantes e chamativas. Fica-se encantado. Quem vê de perto uma sanfona nunca mais a esquece.
P. – O tipo de sonoridades de grupos como o vosso, em que predomina a combinação sanfona / gaita-de-foles, vai um pouco contra a corrente geral, onde as cordas dominam…
F. M. – O reportório do Realejo está de facto vocacionado para a sanfona. O que temos feito até agora é tocar toda a música que existe para sanfona, desde a Idade Média, passando pelos românticos do séc. XVIII, os compositores franceses que escreveram para sanfona e a música tradicional. A pouco e pouco, temos vindo a adoptar outra espécie de caminho, com composições nossas.
Manuel Rocha – Há um aspecto interessante na fusão da gaita-de-foles com a sanfona. As melodias de Trás-os-Montes são extremamente moldáveis a este tipo de combinação. Por isso não é difícil partir dessas sonoridades para entendermos aquilo que deve ser o caminho de um instrumento como a sanfona. É preciso também dizer que no Realejo há uma exigência técnica em relação à execução instrumental na sanfona. A música tradicional em Portugal sofre um bocado por haver muito poucos executantes ágeis, digamos assim – com agilidade suficiente para pôr o instrumento a tocar por si.
Penso que no Realejo existe essa agilidade, de maneira a mostrar a música da sanfona não apenas pelo seu lado pitoresco, mas pelo seu lado musical. Porque não é só uma rodinha a ranger: nhek, nhek, tchuik [risos]…
P. – Onde é que vão buscar o reportório?
Amadeu e F. M. (em coro) – À França! E ouvimos bons discos, para percebermos a técnica. Por exemplo, do Nigel Eaton [Ancient Beatbox, Blowzabella, Scarp].
P. – O que pensam de um intérprete como Valentin Clastrier?
F. M. – É um excelenete instrumentista de música contemporânea. Contribuiu para o desenvolvimento da sanfona, na versão electroacústica.
P. – Será possível alguma vez recuperar ou reconstituir o reportório português para sanfona?
F. M. – É difícil. Encontrei em alguns cancioneiros de Pedro Fernandes Tomás algumas notas em rodapé sobre música que poderia ser tocada em sanfona…
A. – O que é possível fazer é transcrever a música. A sanfona tem duas oitavas e um tipo específico de fraseado. Pelas pautas podemos logo ver se a música pode ser adaptada ou não à sanfona e à sua digitação. Do que podemos ter a certeza é que os romances portugueses, em determinada altura, eram acompanhados por sanfona.
F. M. – Sanfona que acabou nas mãos de cegos e pedintes…
P. – Parece-me que o Realejo está longe de poder ser considerado apenas um grupo de música tradicional, não é verdade?
M. R. – Normalmente as pessoas têm uma determinada expectativa, quando vêem um grupo com uma braguesa, um cavaquinho e uma gaita-de-foles. Dizem: “Pronto, vai ser música tradicional.”
Em Portugal a noção de “música tradicional” está muito standardizada, diz respeito a um certo barulho, um ruído característico, que as pessoas associam à música tradicional. A sonoridade do Realejo é de facto a de um grupo de câmara. Até a gaita-de-foles está preparada para tocar baixinho para poder ombrear com a sanfona… Digamos que a música do grupo está no limiar daquilo que entendemos por música de câmara, e a música tradicional, porque os sons são de facto de instrumentos tradicionais.