Arquivo de etiquetas: Richard Thompson

Richard Thompson – “Mirror Blue”

pop rock >> quarta-feira >> 19.01.1994


Richard Thompson
Mirror Blue
Capitol, distri. EMI-VC



Das raízes folk com os Fairport Convention até ao rock ’n’ roll puro e duro que caracteriza certos temas deste novo álbum, o percurso de Richard Thompson tem-se processado por altos e baixos da veia criativa, oscilando entre o brilhantismo – em alguns trabalhos em duo com a sua ex-mulher Linda Thompson, a solo no marginal “Strict Tempo!”, no primeiro disco com Fred Frith, Henry Kaiser e Jon French ou ainda na companhia de David Thomas, dos Pere Ubu – e um certo aprisionamento, em discos mais recentes, nos ritmos rock. É o caso deste “Mirror Blue” que, apesar das tentativas de inovação (“kits” de percussão especialmente idealizados para cada faixa pelo baterista de Elvis Costello, Pete Thomas, piscares de olhos à folk inglesa, através das presenças dos já habituais Phil Pickett e John Kirkpatrick, aqui acompanhados pela concertina e “pipes” de Alistair Anderson, dos Syncopace) falha, ou volta a falhar, na excessiva linearidade das vocalizações e na pouca originalidade das melodias.
Há, em “Mirror Blue”, referências a um poema de Alfred Tennyson, citações irónicas de artistas do passado e das histórias de amores negros do costume. Mas as canções não arrancam sem a muleta dos textos e perdem na comparação com os feitos gloriosos de outros tempos. Richard Thompson – sobre isto não restam dúvidas – é um grande guitarrista e, neste aspecto, há motivos de sobra em “Mirror Blue” para o confirmar. Como compositor, já deu provas de poder fazer melhor. Ou será que é culpa do rock, que não dá para mais? (6)

Richard & Linda Thompson – “Hokey Pokey” + “I Want To See The Bright Lights Tonight” + “First Light” + “Sunnyvista”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
REEDIÇÕES


RICHARD & LINDA THOMPSON
Hokey Pokey (8) / I Want To See The Bright Lights Tonight (10) / First Light (7) / Sunnyvista (6)
Hannibal, distri. MVM



Richard Thompson faz parte de um grupo de artistas capazes do melhor e do pior. Se nada há a apontar-lhe enquanto guitarrista, já como compositor se deixa enredar, com alguma frequência, nas malhas da vulgaridade. Embora os seus discos a solo atinjam normalmente uma bitola elevada, foi contudo ao lado da sua ex-mulher Linda que o ex-Fairport Convention conseguiu os melhores resultados. É este lote de discos, a que falta acrescentar ainda “Pour down like Silver” e “Shoot out the Lights”, que agora se encontra disponível em Portugal.
Autor de textos invariavelmente pessimistas, o guitarrista encontrou em Linda Thompson, senhora de uma voz que poderemos situar ao lado da de Sandy Denny, uma vocalista capaz de conferir à música ressonâncias estranhas, fruto de um sombreado emocional mais matizado que o do seu companheiro. A vertente folk surge mais nítida em “Hokey Pokey” – a que não é alheia a presença do violinista dos Boys of the Lough, Aly Bain, bem como do acordeonista John Kirkpatrick (participante em todos os discos da dupla) – e mais camuflada em “Sunnyvista”, álbum conceptual que apresenta uma visão corrosiva sobre a “vida feliz” nos paraísos de betão suburbanos, não muito inspirada, pese embora a participação de inúmeras luminárias (Sue Harris, companheira habitual de Kirkpatrick, Kate & Anna McGarrigle, Gery Rafferty, Glen Tilbrook, dos Squeeze…), slavando-se o tema que dá título ao álbum, um portento de ironia iluminada pela originalidade do arranjo. “First Light” não apresenta grandes contrastes – nem grandes momentos nem falhas de vulto -, fixando os seus limites entre o instrumental fairportiano, “The choice wife”, e as belas baladas interpretadas por Linda, “Sweet Surrender”, “Strange affair” e “Pavanne”. Quanto a “I Wanto to See the Bright Lights Tonight”, tem as palavras escritas a sangue e é o ponto mais alto de toda a discografia de Thompson, para tal contribuindo a presença inevitável de Kirkpatrick, alguns membros da “troupe” Fairport Convention / Fotheringay, dois “medievalistas” dos Gryphon, Brian Gulland e Richard Harvey, e um “Albion Band man”, Royston Wood. As vocalizações, tanto de Linda como de Richard, tocam as raias da tragédia, como se a música brotasse de um buraco negro, sem fundo nem saída. Da solidão extrema de “Has he got a friend for me”, uma interpretação sublime de Linda, resvala-se para o niilismo cruel de “The End of the rainbow”, a dor sem remédio de “The calvary cross” anuncia a procissão de cacos e a ascese alcoólica de “Down where the drunkards role” (nunca a voz de Richard Thompson descera tão fundo nos graves). “I Want to See the Bright Lights Tonight” perfila-se como um dos maiores álbuns de sempre do rock com raízes na tradição urbana inglesa.

Vários – “‘Guitar Legends’ Terminou Ontem, Em Sevilha – Guitarrossauros Excelentíssimos”

Secção Cultura Domingo, 20.10.1991

“Guitar Legends” Terminou Ontem, Em Sevilha
Guitarrossauros Excelentíssimos

“Rock” sem guitarra eléctrica não é “roll”, é conversa mole. Em Sevilha, durante cinco noites, a guitarra consagrou os seus heróis. A “velha guarda” uniu esforços e trocou de posições: Bob Dylan, Keith Richards, Phil Manzanera e Richard Thompson formaram uma das várias superbandas de ocasião que entraram directamente para a lenda. A CRGE – Companhia Reunida de Guitarras Electrificadas – deu festival. A todo o gás.



Sevilha está em festa. Não é caso para menos. A Expo 92 está à porta. O “Nuevo Sur” prepara-se para ser o centro do mundo. A música antecipou-se. Logo a seguir a estas “Guitar Legends” anunciam-se já os terceiros Encontros de “Nueva Musica” com nomes como Luis Paniagua, Cassandra Wilson, Markus Stockhausen, Klaus Schulze e Bill Frisell em cartaz. Mas por agora a rainha é a guitarra. No anfiteatro ultramoderno construído na ilha de La Cartuja, em pleno recinto da Expo 92.
Quinta-feira: Tempo de chegar ao hotel e de ligar a TVE 2, para assistir em diferido ao concerto da noite. Vicente Amigo, o novo menino-prodígio do flamenco, mal aquece as cordas da guitarra. Toca só dois temas mas dá para perceber que Paco e Manitas têm continuador à altura.
Joe Cocker, o vocalista convidado, continua a gesticular e a berrar como só ele sabe. Insiste em recusar os rebuçados “Dr. Baiard” só para manter a rouquidão da voz. Jack Bruce, por seu lado, faz reviver o fantasma dos “Cream”, com “White Room”, de parceria com Phil Manzanera (ex-“Roxy Music” e principal dinamizador deste festival).
Bob Dylan junta-se aos dois. Depois é a vez de Richard Thompson (dos lendários “Fairport Convention”) integrar esta “troupe” de génios, para aprestação conjunta de “All Along the Watchtower”.
Dylan cada vez mais canta com o nariz. Felizmente não está constipado. Mas quem se importa com a voz? Basta o velho trovador levar a harmónica aos lábios para que todas as interrogações sejam levadas pelo vento… Em todo o caso talvez não fosse má ideia mudar outra vez o nome para Zimmerman. É salvo à justa pela chegada de Keith Richards. Não tocavam juntos há anos. Keith Richards está com bom aspecto, aparentando uns 80 anos ao contrário dos habituais 120. Interpretam “Shake, Rock & Roll”, de Bill Haley. Depois o Rolling Stone é deixado a sós com os “Rhythm and Blues” que tanto aprecia.
Em cada noite tem sempre sido assim: um carrossel de estrelas em “roulement”. Sai uma, entra outra, tocam juntas um par de temas. No final reúnem-se todas, fazem a festa e apanham os foguetes. Na ocasião são Dylan, Richards, Thompson e Manzanera irmanados no ritmo de Eddie Cochran, antes de se desligarem as guitarras.

O Regresso Dos Heróis
Sexta-feira arranca com Roger McGuinn e o “hit” do seu novo álbum “King of the Hill”. “Turn Turn Turn” e “8 Miles High” não fazem esquecer os Byrds mas aquecem razoavelmente o ambiente. Em cima, na “Braza Gallery”, destinada aos jornalistas, as brasas femininas não param de passear, assegurando deste modo a manutenção de temperaturas elevadas no recinto.
Roger McGuinn e Richard Thompson ligam bem. Provam-no o dueto emocionante de “Keep your Distance”. Richard Thompson, com o seu inseparável Bone, é um dos heróis do concerto. As cordas vocais e da guitarra vibram em consonância com a magia da noite. “This Guita ris howling” – exclama, como se homem e guitarra se confundissem num corpo único.
Quando Les Paul, o homem que teve a ideia de ligar a guitarra à tomada, entra em palco, o público salta das cadeiras e aplaude de pé, como se apanhasse um choque eléctrico. De facto, os efeitos da guitarra são ruídos provocados por problemas nos cabos eléctricos. Resolvida esta questão Les dá “show” com a sua “Gibbs Les Paul”, a tal guitarra cujo som corta suavemente, sem ferir, tal qual uma lâmina de barbear de qualidade. Mais tarde a célebre “Gibson Les Paul” viria substituir o modelo “Gibbs”, de sonoridade um tanto ou quanto cremosa para a agressividade do rock actual.
Renascido das cinzas dos “The Band”, Robbie Robertson traz de volta ao auditório a energia dos decibéis, apoiado por uma secção de metais e um par de vocalistas disfarçados de índios. Profusão de penas e cores a sugerir talvez a ave ridícula escolhida como símbolo para a Expo 92: um misto de palmípede e galináceo, pata-choca “punk” de crista e bico multicolores. Refira-se, em abono da verdade, que os sevilhanos adoram as cores. Sobretudo se estiverem todas juntas.

Macacos A Ver Televisão

Robbie Robertson faz de anfitrião do músico mais ansiado da noite: Roger Waters, que chega acompanhado pela sua banda particular. Esperava-se espectáculo e é isso que acontece, embora numa escala, mais reduzaida que a habitual. Um mini “The Wall”, sem muro, mas mesmo assim com os adereços possíveis na ocasião: explosões de fumo, holofotes marciais, piras ardentes (propaganda velada aos próximos Jogos Olímpicos de Barcelona?), luzes às bolinhas, muito “exploding plastic inevitable”.
“Another Brick in the Wall, pt. 823” provoca o delírio, antes de “What God wants, God gets”, uma canção nova sobre “Macacos que vêem televisão”. Como neste caso não há adereços, o músico sugere que a assistência faça o papel de símios que ele, Waters, fará de televisão.
Entre as duas ofensas, é difícil distinguir a pior. De qualquer modo, dado que a assistência aceita a sugestão, é de crer que Roger Waters seja o “God” de que fala a canção. No final, uma fífia de uma das meninas do coro vem provar que afinal “God wants” mas nem sempre “gets”, já os “Stones” o diziam: “You can’t always get what you want”.
A seguir à macacada, um tema dos “Pink Floyd” mais antigos, “The dark side of the moon”, por entre efeitos luminosos psicadélicos. Um dia destes o clube “UFO” reabre as portas… Já com Bruce Hornsby em palco e Waters envergando uma bata branca a fingir de médico, a despedida com “Comfortably Numb”. Despedida irónica que a assistência, uma vez mais, não compreende. Finalmente a “Jam session” da praxe: Roger MacGuinn, Richard Thompson, Les Paul e Phil Manzanera juntos numa guitarrada sempre “a abrir”, fechando em beleza mais uma noite de lenda.
Agora o mais grave: com o sucesso destas “Guitar Legends”, uma das acções de preparação da Expo 92, e os Jogos Olímpicos de Barcelona e a Expo 92 já para o ano, Portugal vai ser irradiado do mapa. O melhor é metermos a viola no saco e, visto que há sempre um Portugal desconhecido que espera por nós, fugirmos todos para a Galiza. Valha-nos Rui Veloso e o fado.