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Banda Do Casaco – “Revolução Do Casaco Está Na Ordem Do dia” (entrevista)

pop rock >> quarta-feira, 30.06.1993


REVOLUÇÃO DO CASACO ESTÁ NA ORDEM DO DIA

Em dez anos, entre 1974 e 1984, a Banda do Casaco gravou sete álbuns de originais. A música portuguesa nem antes nem depois teve alguém que conseguisse fazer o que eles fizeram: juntar as raízes tradicionais, o humor anarquizante e a inovação formal. De “Benefício dos Vendidos no Reino dos Bonifácios” ao derradeiro “Banda do Casaco e Ti Chitas”, passando por aquele que foi um dos discos verdadeiramente revolucionários da chamada “música popular portuguesa” – “Coisas do Arco da Velha” -, sempre fizeram questão em ser diferentes. Volvidos quase vinte anos, cinco dos seus principais músicos reuniram-se para falar da reedição próxima, em compacto, da obra completa. E, porque não, de futuras guerrilhas colectivas.



Nuno Rodrigues, António Pinho, Carlos Zíngaro, Celso de Carvalho e Né Ladeiras aceitaram reunir-se no PÚBLICO para falarem do passado e do futuro da Banda do Casaco. Entre o projecto de reedição de todos os álbuns e a hipótese de gravação de versões “hard core” dos Resistência, nada escapou ao comentário jocoso e a ao gosto de chocar. Ontem como hoje, as pessoas que passaram pelo grupo ocupam um lugar à parte. Na música e na maneira de ser. Talvez por isso se possa entender agora melhor, à distância, aquilo que durante dez anos andaram a tocar e a dizer.
PÚBLICO – Afinal, como é que a Banda do Casaco começou?
ANTÓNIO PINHO – O Nuno quis falar comigo um dia, conhecia-me de nome (se me conhecesse pessoalmente, nunca me teria telefonado…) para me fazer uma proposta de trabalho. Reunimo-nos na casa dele, foi assim que nasceu o primeiro disco. Depois, quando tivemos esse disco na mão, pensámos: “Isto agora não vale nada se não vier alguém para tocar decentemente.” Ele lembrou-se do Zíngaro e do Celso, eu lembrei-me de pessoas que tinham trabalhado comigo na Filarmónica Fraude.
P. – Houve, no início do projecto, alguma orientação pré-definida?
A.P. – Na altura, a única coisa em que pensávamos era em fazer música. Estávamos todos descontentes com o que se fazia na altura (aliás, pessoalmente, continuo descontente com o que se passa hoje). Quisemos fazer coisas que chocassem um bocado com o que se fazia na altura.
P. – Chocara, ao ponto de serem completamente diferentes de tudo o que se fizera antes na música portuguesa. Mas o mais curioso é que não tiveram sucessores…
A.P. – Não estávamos preocupados se os discos se vendiam, se eram ou não promovidos… Apenas nos interessava o gozo que dava. Às vezes, pergunto-me se hoje, se quiséssemos fazer alguma coisa, se esse espírito conseguiria vir ao de cima outra vez. Só experimentando… Aliás, quando vínhamos a chegar aqui ao jornal, estivemos já a pensar num projecto de fazermos um álbum, não sabemos ainda se triplo ou quádrupulo, de homenagem aos Resistência, com originais deles em versões “hard core”. [risos]
CARLOS ZÍNGARO – O projecto apareceu numa latura em que predominava a canção de intervenção, profundamente politizada, punho erguido, etc. O que se fazia na Banda do Casaco foi encarado por muitos, e de forma errada, como um derivativo, não sério, dessa vertente.
P. – Que senido faz, para vocês, passados 20 anos, uma possível reedição da obra discográfica da Banda do Casaco?
NUNO RODRIGUES – Há pouco, comentava-se que não tinha havido sucessão para a Banda do Casaco. Ora o que acontece é que a maior parte do que fizemos há 20 anos continua totalmente actual, precisamente por causa dessa ausência de seguidores. Houve críticos que disseram que nós éramos uma escola mas nunca se falou do nome dos alunos. Ficámos sem saber se alguém aprendeu alguma coisa. Depois podemos cair num dos paradoxos da nossa riquíssima indústria discográfica, que, ao contrário dos outros países, não aproveitou o “boom” do CD. Não há reedições. Se houver uma reedição da nossa obra, gostaríamos que ela fosse bem feita, com as capas originais e não com um “lettering” de computador qualquer, em várias cores. Até porque as capas são importantes na maneira como reflectiam o comportamento da banda. Quando aparecemos seminus, a apalpar o rabo uns aos outros…
A.P. – … já estávamos a prenunciar o problema da sida. [risos] Mas não é estranho que se reedite a Banda do Casaco. Estranho é que ela não se encontre no mercado permanentemente, desde que desapareceu. Mas tem que se fazer isto de uma forma cuidada. Já ouvi dizer que algumas das editoras que detêm os direitos dos discos [entre elas, a Polygram e EMI-Valentim de Carvaljo] não fizeram arquivos de capas, duvido mesmo que algumas delas tenham arquivos de fitas… Isto mostra como, na ind´+ustria discográfica portuguesa, é maltratado o fundo de catálogo. Com o advento do CD, têm-se cometido as maiores barbaridades. Se as editoras se vão permitir fazer essas reedições à nossa revelia, com as capas abandalhadas, só temos uma defesa: é considerarmos isso publicamente uma vigarice e denunciá.la.
P. – Será possível acontecer a ressurreição da Banda do Casaco?
A.P. – Essas coisas não se podem programar. É preciso ter muita cautela, estamos no ano dos dinossauros, é a Faculdade de Ciências, o “Jurassic Park” e o Spielberg… Não me quero envolver nesta molhada e ouvir dizer “Olha, lá v~em aqueles dinossauros outra vez”. Vinte anos na música equivalem aos 60 milhões de anos dos dinossauros. Mas tenho a certeza de que as cinco pessoas que estão aqui eram capazes de se juntar e de fazer, de novo, alguma coisa verdadeiramente revolucionária.
P. – Só com as mesmas pessoas? A banda sempre teve a fama de elitista…
A.P. – Era reservado o direito de admissão.

Tácticas De Choque



P. – Enquanto durou, a Banda do Casaco teve arte e engenho para chocar as pessoas. Não receiam que, passados todos estes anos, essa componente passe despercebida ou que seja encarada como mera curiosidade, na obra discográfica?
N.R. – Sociologicamente, este país é uma aberração, o comportamento das pessoas é aberrante. Há 20 anos, só havia ou pirosos ou revolucionários. Agora, há os grupos que enchem estádios e os pirosos. É uma aberração. Confunde-se os grupos de sucesso com os representantes da boa música portuguesa. Por isso, brincávamos há bocado com os Resistência, um mau exemplo daquilo que pode ser feito em qualquer sítio do mundo.
A.P. – Eu tiro o chapéu e aplaudo. O que me parece errado é que a crítica deste país embarque nisto. As pessoas embarcaram como se aquilo viesse mudar alguma coisa na música portuguesa. Há um bom comportamento instituído na moderna música portuguesa que me chateia um bocado. Se calhar, a reedição da Banda do Casaco, se fosse feita com grandes parangonas e campanhas de televisão, com os vídeos que fizemos, teria o mesmo resultado. Os vídeos ainda hoje iriam chocar muita gente… Lembro-me de uma vez, na televisão, em que “matámos” o Tó Pinheiro da Silva, que fazia o papel do sindicalista, e ele permaneceu “morto” durante toda a entrevista. Se fosse a Sinead O’ Connor a cantar tradicionais da Irlanda de cabelo rapado, com umas botas “punk”, a crítica aplaudiria, pela irreverência. O português não pode fazer isso porque somos um país de brandos costumes.
N.R. – Na altura, as pessoas pensavam que éramos comunistas. Hoje, o grave na nossa sociedade é que as pessoas não se chocam – e porquê? Porque estão demasiado evoluídas ao ponto de não se chocarem? Ou porque não têm bases nenhumas para se chocarem? Penso que seja isto, que as pessoas têm hoje menos bases. Uma das minhas filhas tem 13 anos. Não posso ligar a televisão, não por causa dos filmes pornográficos mas por causa dos atrasados mentais que lá aparecem. Por exemplo, uma imagem da Assembleia [da República]: o que é que eu vou dizer? Meu filho, tenta estudar para te tornares um burgesso como aquele deputado, que está ali apenas por se ter inscrito na merda de um partido qualquer. Neste momento, vamos bater em quê? Não vale a pena andar aos tiros à direita e à esquerda, isto é, anarquicamente.

DISCOGRAFIA
1974 – Do Benefício dos Vendidos no Reino dos Bonifácios *
1976 – Coisas do Arco da Velha *
1977 – Hoje Há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos **
1978 – Contos da Barbearia ***
1981 – No Jardim da Celeste ***
1982 – Também Eu ***
1984 – Banda do Casaco e Ti Chitas ****

* Direitos da Polygram
** Direitos de Nuno Rodrigues e António Pinho
*** Direitos da EMI-Valentim de Carvalho
**** Direitos da CNM

Né Ladeiras, Anamar e Pilar – “As Asas Do Deserto” (concerto)

Y 24|Novembro|2000
música|sm58


as asas do deserto


nl

Né Ladeiras, Anamar e Pilar. A primeira a loba, a segunda Atena e a outra a princesa. Personagens imaginárias que elas irão mostrar, hoje e 2ª feira, às 21h30, num voo a sobrevoar o Teatro Maria Matos, em Lisboa. O espetáculo chama-se “SM58” – um velho microfone amplificador de emoções.

“SM58” é um modelo de microfone antigo, daqueles maciços em metal luzidio, design futurista, a fazer lembrar um satélite artificial, que mais do que apanharem as “nuances” da voz captavam as subtilezas do sentimento. Né Ladeiras, Anamar e Pilar de Homem de Melo possuem subtilezas e mistério de sobra e o gosto pelo voo, seja encavalitadas num velho Sputnik ou nas asas de uma viagem astral. Foi nisso que Tiago Torres da Silva deve ter pensado ao decidir organizar um espetáculo também chamado “SM58” que pela primeira vez reunirá no mesmo palco estas três cantoras.
O espetáculo, a realizar hoje e na segunda-feira no Teatro Maria Matos, em Lisboa, apresentará uma série de temas originais compostos pelas três e do lote de canções cantadas em diversas línguas, incluindo árabe, israelita, dialetos africanos e timorense, consta uma surpresa que elas nos pediram para não divulgar – pelo que não seremos nós a revelar que Né, Pilar e Anamar irão cantar logo à noite um tema dos Dead Can Dance.
“SM58” terá ainda a particularidade de ser bastante mais do que um espetáculo convencional, estilo Os Três Tenores em versão feminina, socorrendo-se para tal de uma encenação que “obrigará” as três cantoras a afivelarem a máscara de diversas personagens. Vão cantar uma de cada vez, em duo e em trio mas seja qual for a combinação, as três estarão sempre presentes no palco. As luzes, os figurinos, as vozes e personalidades únicas e um acompanhamento instrumental discreto de percussões e guitarras, farão o resto.
O PÚBLICO convidou-as para uma conversa mais ou menos alucinada e para uma sessão de fotografia sobre a qual muito haveria para contar e mostrar não fora o facto de apenas serem precisas quatro imagens e de queremos poupar aos nossos leitores a visão despudorada do escândalo. Sem malícia.
Né, Anamar e Pilar são personalidades controversas e nem sempre a indústria soube aproveitar essa diferença que a música de qualquer delas acentua. Os discos que para já nos deixaram são elucidativos. Pilar, a mais recatada, gravou há uns bons anos um “Pecado Original”, na boa tradição das cantautoras de guitarra a tiracolo. Anamar, embrenhada no esoterismo e no labirinto interior de si própria (do qual encontrou a saída há pouco tempo, segundo nos confessou), está agora mais forte do que quando gravou o incompreendido “M” (com produção e letras de Tiago Torres da Silva), álbum de seres e paisagens longínquos iluminados pela lua. Né tem sido a mais mediática e viajada das três e se a fase correspondente ao excelente e premiado “Traz os Montes” não se consolidou na posterior apropriação de temas de Fausto em “Todo este Céu”, o tempo agora é de expetativa, até se ficar a conhecer o que resultou do seu trabalho com os Transglobal Underground, já que das horas passadas em estúdio com Hector Zazou (e John Cale, Ryuichi Sakamoto, Brendan Perry…) não guarda boas recordações, com a hipótese mais provável desse material não chegar a ver alguma vez a luz do dia. Mas tem na manga um disco que gravou no Brasil com Chico César e outro sobre a escritora Isabelle Eberhardt.
Né chegou ao PÚBLICO zangada (com tudo mas principalmente com o trânsito em Lisboa ao fim da tarde) mas acabou a dançar como a boa loba alada que acha que é. Também pedimos a Anamar e a Pilar que vestissem a pele que melhor lhes serve. Pilar é a princesa. Anamar escolheu Atena, deusa grega filha de Zeus. As três afirmam-se adeptas do voo. E voam. Ou, como sintetiza Tiago Torres da Silva: “Não é por acaso que o primeiro tema que vão cantar se chama ‘Mergulho’. É como se entrassem no mar, furassem a terra e explodissem em fogo, sendo que o ar é a matéria comunicante entre elas e entre elas e o público”. Só falta ligar o microfone SM58.

À MARGEM
Cultivam a originalidade e a diferença. São três personalidades incompreendidas, mas aproveitadas, porque, dizem, “o sistema é estúpido”

NÉ LADEIRAS
a loba

Entrou a matar, a escorrer o “stress” que trazia agarrado à pele. Para Né Ladeiras, “SM58” é uma questão de “energia”: “Somos três cabeças meio loucas e abertas, embora o coração seja fundamental”. Quando se juntam, “criam, criam, criam…”. Com as pilhas Duracell do espírito. “É uma adição, não uma subtração, nenhuma faz sombra às outras”, garante: “Somos três palmeiras bonitas num oásis”.
Sobre a sua colaboração com o compositor e produtor francês Hector Zazou, com quem preparava uma antologia de cantares religiosos e pagãos “do triângulo mágico de Trás-os-Montes, Beira-Alta e Beira-Baixa”, é cáustica: “Foi dispensado, com a concordância da editora. Quis dar de mim a imagem de bruxa. E eu não sou bruxa, quando muito feiticeira. Começámos a explodir um com o outro. Eu sou firme nas minhas ideias e ele é um ‘génio’, ok, só que começou a entrar na andropausa musical. [com pronúncia brasileira] Eu queria tesão e ele não tinha não!” (risos).
A etapa seguinte levou-a a Montreux para se encontrar com os Transglobal Underground. “Gostaram da maqueta com vozes e adufes e fizeram os arranjos”. Mas em definitivo, nada. O mesmo com os “três meses fabulosos” no Brasil a gravar com Chico César um disco sobre as mulheres no Renascimento.
“Hoje, apesar de ser muito espiritual, há dias em que o meu lado de loba vem ao de cima. E hoje não me apetece uivar mas rosnar. É claro que existem por cá músicos que complicam… É claro que há produtores sem sensibilidade… É claro que há agências que são uma grande máfia…”
Como Anamar, acha que “o sistema é estúpido” ao não saber explorar a imagem das três. “Imaginem a Björk, uma excêntrica, neste país… já andava a varrer ruas”.
Além das obras iniciadas prepara um disco sobre Isabelle Eberhardt, a escritora de “Escritos no Deserto” que morreu aos 27 anos e “atravessou o deserto para encontrar o mar. Um outro tipo de mar…”.

PILAR
a princesa

Pilar define “SM58” como uma “extravagância” que, para já, está a criar “relações fortes” entre ela e as outras duas participantes. Com dois álbuns na bagagem, uma estreia com a chancela na produção de Wayne Shorter, seguida de “Pecado Original”, editado em 1993, Pilar Homem de Melo, por isto ou por aquilo, afastou-se a partir daí do mundo do espetáculo. Através de “SM58” descobriu, “pasmada”, a “naturalidade com que as coisas estão a correr”. Assinou um contrato discográfico com a editora NorteSul da qual sairá em breve um novo trabalho. Um disco “totalmente diferente” dos anteriores: “Já estou grandinha e não sofro tanto com as interferências de fora que impedem a criação”.
“Antes sentia revolta”, continua, “mas acho que esta revolta tinha a ver com o meu estado de espírito, de superioridade, por isso é que as coisas não aconteciam. Eu era uma estrela e não tinha dinheiro para pagara a renda, alguma coisa estava errada. Mas não é possível trabalhar numa fábrica e depois chegar a casa e cantar. Hoje é diferente, não sei que transformação aconteceu dentro de mim, mas a verdade é que aconteceu. De repente consegui”. Pilar conseguiu. Tem pronto um novo disco prestes a sair. Em relação ao “SM58” está eufórica: “nós as três somos diferentes mas temos talento!”.

ANAMAR
atena

Anamar é uma criatura da noite que gosta de luz. Garante que esta colaboração, com o número de série “SM58”, que considera uma espécie de “o mundo em música”, permite “o crescimento musical” das três. Fala de “coisas belas”, de “ideias” e de “motivação humana” para ilustrar algo que se difunde na cor branca, no mesmo branco lunar que banha as canções do seu último álbum, já distante no tempo, “M”, dito de muitas maneiras, como “mar”, “mim”, “mental”, mudança” e “morte”. Para Anamar esse foi um disco “feito com os pés para cima e a cabeça para baixo, um álbum desenraizado”. Seria então em vez de “M” um “W”…
Confessa-se: “Já fui suficientemente ‘pateta’ para pensar que o ideal faz a vida, que uma coisa é saber e outra ser”. O que a une a Né e a Pilar é a transparência. “No fundo estamos aqui porque somos transparentes e queremos contribuir para um maior prazer em viver, para uma abertura de visão”.
Consumada a edição de “M”, Anamar passou a encarar as coisas de forma diferente: “Depois de umas pancadas nas costas e de uns chutos no rabo, inverti a posição. Pus os pés na terra novamente”. Simples. “Na primeira fase da minha carreira desiludi-me com o exterior. Na segunda desiludi-me com o interior”. De desilusão em desilusão, acabou por ser despedida “sem justa causa” da editora para onde gravava, a BMG, e com quem está atualmente em litígio.
Durante os últimos anos a música funcionou como qualquer coisa que a “assombrava”. Com “SM58” reencontrou o prazer de estar em palco, afastou angústias e encara o futuro com outro otimismo. Embora ainda olhe para a frente e diga: “Não sei de nada e nem quero saber já!”.
Como as suas duas companheiras, aceita o facto de ser diferente e só lamenta que a indústria não saiba tirar partido disso. Porque “o sistema é estúpido!”, diz.

Né Ladeiras – “Todo Este Céu”

POP ROCK

2 Abril 1997

NÉ LADEIRAS
Todo este Céu (7)
Ed. e distri. Sony Music


nl

Na capa, um lobo uiva à lua, contra um céu Walt Disney. O tema final, “Invocação da alcateia”, é constituído, na íntegra, pelo uivo da loba Morena, adoptada por Né Ladeiras, destacando-se da invocação colectiva da alcateia, sob a “direcção” do “invocador dos uivos”, Francisco Fonseca, do Centro de Recuperação do Lobo Ibérico. À excepção deste e de “Ponto de Oxum Nagô”, um tradicional do Congo onde a cantora exprime a sua devoção pela religião do candomblé e pela sua “Mãe Mariana”, numa invocação aos seus orixás, todos os restantes temas são da autoria de Fausto Bordalo Dias. “Todo este Céu” faz a sobreposição do universo pessoalíssimo de Fausto com o misticismo de Né Ladeiras. O encontro entre ambos nem sempre expressa da melhor maneira os hipotéticos pontos em comum que para Né são uma certeza. O tom é predominantemente arrastado, hipnótico, como uma mantra que pretendesse penetrar no segredo de uma relação sagrada, nos três primeiros temas, “Lembra-me um sonho lindo”, “Diluídos numa luz” e “Porque não me vês”, enriquecidos pela ponteira de Amadeu Magalhães e a guitarra acústica de Miguel Veras, ambos dos Realejo. Em “Ao longo de um claro rio de água doce” e “Eu tenho um fraquinho por ti” é a voz da discípula que fala, encantada com os ritmos do mestre. O misticismo desaparece em “Uma cantiga de desemprego”, cujas conotações políticas com uma época particular apagam eventuais ligações ao corpo interior. “Flagelados do vento Leste” retoma as sonoridades africanas, enquanto “Oh pastor que choras” põe em dia o contacto entre o lobo e a loba, ainda que a familiaridade da melodia apenas conceda o prazer da novidade no deslizar triste do “tin whistle” de Amadeu Magalhães. Passando por uma “Rosalinda” demasiado deleitada no original, chegamos à magia do princípio e à cadência de um sonho. Primeiro com uma vocalização, algo desequilibrada, de Jorge Palma, em “Atrás dos tempos”, a seguir, num desenho a tira-linhas sobre o céu, em “De Ocidente a Oriente”. “Todo este Céu” adormece. Teríamos preferido mais garra, neste encontro onde se adivinha que o respeito terá impedido a liberdade de voo. Os lobos que “cantam” em “Invocação da alcateia” não tiveram esse problema.