Vários – “FADO CONTRA FADO – ainda os problemas de Lisboa 94” (polémica)

pop rock >> quarta-feira >> 25.01.1995


FADO CONTRA FADO
ainda os problemas de Lisboa 94





O FADO OCUPOU UM LUGAR DE DESTAQUE nas actividades de Lisboa-94, através da realização de inúmeros concertos, bem como da edição discográfica de material de arquivo importante. Um dos projectos, talvez mesmo o mais importante, era a edição de um álbum de genérico “As Músicas do Fado”, reunindo 24 interpretações consideradas as mais significativas nas várias modalidades deste género musical: fado menor, fado corrido, fado Mouraria e fado alexandrino.
A compilação, elaborada por Ruben Carvalho, de Lisboa-94, deparou-se porém com problemas de vária ordem que até agora impossibilitaram o lançamento do disco. Em vez dele, acabou por ser editado, com o mesmo título, “As Músicas do Fado”, um livro da autoria de Ruben Carvalho, inicialmente previsto para ser o “booklet” do disco, mas que finalmente foi dado à estampa na forma de uma obra autónoma, aumentada entretanto com novo material informativo.
Na base das dificuldades surgidas estão razões contratuais. É que, dos 24 fados selecionados, segundo um critério que visou apenas a qualidade e representatividade dos mesmos, a maioria pertence ao catálogo da Valentim de Carvalho, enquanto os restantes pertencem ao grupo Movieplay, de José Serafim. Colocava-se a questão de saber qual a editora onde seria lançado o disco. À primeira vista, a Valentim seria a hipótese mais lógica, dado que a maior parte do material lhe pertence, havendo contudo a necessidade de negociar a inclusão das outras faixas. Acontece que, segundo fonte ligada à organização de Lisboa-94, a Valentim de Carvalho teria em curso um processo movido contra José Serafim, não fazendo sentido, para aquela editora, negociar por um lado e processar por outro. Optou-se então por fazer uma espécie de edição de autor, pela própria organização de Lisboa-94. Nada feito. Desta vez foi José Serafim a inviabilizar o processo.
Contactado pelo PÚBLICO, este explica o sucedido: “O Ruben de Carvalho [elemento de Lisboa-94] procurou-me em meados do ano passado para fazermos esse célebre disco em colaboração com a EMI-Valentim de Carvalho. Nem sequer discuti as condições, aceitei tacitamente, com uma única condição: que os discos fossem fabricados em Portugal. Evidentemente, como não há outra fábrica, teriam que ser fabricados na Sonovis [de José Serafim]. Não admito que um disco com artistas portugueses, dedicado a Lisboa, capital da cultura, seja fabricado no estrangeiro. Então se nós temos 85 empregados na fábrica, para alguma coisa eles lá estão.”
Segundo o proprietário da Movieplay, foi-lhe feita uma “proposta por escrito, entregue em mão”, pelo próprio Ruben de Carvalho. Diz José Serafim: “Aceitei as condições, disse-lhe que tínhamos lá julgo que uns dez ou onze títulos, sugeria até a modificação de um título, já que eles estavam a pôr o ‘Fado em cicno estilos’, cantado por intérpretes de três gerações, o Vicente da Câmara, o Nuno da Câmara Pereira e creio que o José da Câmara, quando nós tínhamos em nossa posse o original, de Maria Teresa de Noronha. De resto, nem sequer discuti a distribuição, que seria feita pela EMI.”
José Serafim garante que Ruben de Carvalho “concordou com a condição imposta”. E especifica: “Inclusive, a Sonovis mandou cotações com os preços de fabrico, isto lá para Maio, Junho, do ano passado, por aí. Depois ele contactou-me do dia 10 de Outubro, fez-me um telefonema para falar sobre o porojecto. Na altura eu estava fora. Ficou de me voltar a telefonar. Nunca mais ligou nem nunca mais falou comigo. Ainda fiz dois ou três telefonemas, aos quais não obtive resposta. Entretanto saiu uma ‘Biografia do Fado’, na Valentim, e eu não quero fazer sequer suposições de que isto tenha sido preparado, se o disco de Lisboa-94 não iria afectar o das ‘Músicas do Fado’… Até porque Lisboa-94 terminou no mês de Dezembro, penso que não houve vontade da parte dele (Ruben de Carvalho) para que este projecto fosse para a frente.”
Quanto ao alegado processo movido pela EMI-Valentim de Carvalho contra si, José Serafim desmente. “Que processo? Nenhum! Nós temos relações com a EMI, curiosamente até devemos ser o seu segundo melhor cliente. No ano passado comprámos à EMI cerca de 250 mil contos de discos. E pagámos.

Luís Cília – “Luís Cília Regrava Música Para Bailados – ‘ESQUERDA E DIREITA UNIDAS JAMAIS SERÃO VENCIDAS…'”

pop rock >> quarta-feira >> 18.01.1995


Luís Cília Regrava Música Para Bailados
“ESQUERDA E DIREITA UNIDAS JAMAIS SERÃO VENCIDAS…”




O novo trabalho Luís Cília, “Bailados”, com data de edição marcada para o final deste mês na editora Strauss. O álbum reúne excertos de peças escritas para diversos coreógrafos nos últimos anos e fecha um longo ciclo em que o músico se dedicou por inteiro à composição para bailados. Os últimos trabalhos em disco de Cília são “Regra do Fogo”, com o mesmo tipo de composições, e “Penumbra”, sobre textos de David-Mourão Ferreira.
O alinhamento, gravado nos estúdios da Strauss com o engenheiro de som Fernando Abrantes, é composto por “Une histoire de passion”, para uma coreografia de Paulo Ribeiro, para a companhia de bailado de Genebra; “Linha”, para uma coreografia de Rui Horta por encomenda do Acarte; um arranjo para saxofone (por Edgar Caramelo) de uma ária, “Remember me”, extraída da ópera do compositor inglês Henry Purcell, “Dido e Eneias”, com coreografia de Serge Sandor; dois extractos dum bailado com o título “Encantados de servi-lo”, outra coreografia de Paulo Ribeiro, esta para o Netherlands Dans, estreada em Haia; “O sonho de Ícaro”, primeiro bailado do coreógrafo Rui Nunes, para a Companhia de Dança de Lisboa; dois extractos, ainda de uma coreografia de Paulo Ribeiro, estreada na Expo-92 em Sevilha, intitulada “Uma ilha num copo de sumo” -, para Luís Cília, “uma experiência extraordinária, um bailado em que o Paulo pegou em crianças à volta de 11 anos de duas escolas diferentes, uma da Damaia, outra de Campo de Ourique, que nunca tinham dançado. Quarenta miúdos juntos com seis bailarinos profissionais. Até há um vídeo, não-comercial, que mostra, inclusivamente, cenas de racismo existente entre as duas escolas. O guião, basedo nos Descobrimentos, foi escrito por uma miúda de onze anos e o próprio título foi escolhido pelas crianças”. O álbum termina com um bailado com coreografia de Clara Andermat, para o Acarte, chamado “Mel”.
No estúdio Luís Cília regravou todas estas peças recorrendo unicamente à tecnologia mais recente dos “samplers” e outros computadores, e à preciosa colaboração de Fernando Abrantes, “uma pessoa que inclusive trabalhou com os Kraftwerk, um técnico muito sensibilizado para estas novas tecnologias e que soube apreender logo o que eu queria”.
Posto em dia, que é como quem diz, em disco, a música mais actual de Luís Cília, o autor explica as razões do seu longo afastamento dos estúdios. “Começando a ter mais convites para fazer músicas, para teatro ou para bailado, fui ficando cada vez mais ligado a este tipo de composição e às novas tecnologias, que fui obrigado a estudar.” O compositor recorda ainda outra faceta sua da qual poucos terão ouvido falar: “De facto penso que fui um bocado pioneiro em Portugal, na realização do chamado pequeno recital. Tinha uma carrinha, ia eu e outro músico, primeiro com o Pedro Caldeira Cabral, logo a seguir ao 25 de Abril, depois com os contrabaixistas José Eduardo e, mais tarde, António Ferro. Íamos com tudo, com preços baixos, sem pensar no aspecto económico, tocar em pequenas salas. Infelizmente naquela altura não as havia em quantidade suficiente nem a mentalização para este tipo de espectáculo. Como eu costumo dizer, na cultura em Portugal, a esquerda e a direita unidas jamais serão vencidas. Só se conseguirá fazer de facto com que os músicos possam viver da música quando houver um circuito como aquele que existe, por exemplo, em França.

Luís Madureira – “Luís Madureira Lança Álbum De Estreia – VIAN – Avec Madureira”

pop rock >> quarta-feira >> 11.01.1995


Luís Madureira Lança Álbum De Estreia
VIAN
Avec Madureira



Para primeiro álbum a solo, o cantor Luís Madureira escolheu o poeta e romancista (escreveu, por exemplo, “A Espuma dos Dias”, “Outouno em Pequim”, “O Arranca-Corações e “Irei Cuspir-vos nos Túmulos”, todos com tradução portuguesa) e músico (cantava, tocava trompete e escreveu mesmo uma ópera) francês Boris Vian (1920-1959). O álbum chama-se “Luís Madureira Canta Boris Vian”, tem o selo Alma/Luminária Música, e nele o cantor é acompanhado ao piano por Jeff Cohen, um dos pianistas de uma encenação do Peter Brook, chamada “Impressions de Péleas”, levada á cena em Lisboa no Covento do Beato, ocasião em que Luís Madureira o conheceu.
“Temos um percurso mais ou menos parecido”, garante, “temos ambos formação clássica e interesse por um reportório não estritamente clássico”. A ideia surgiu, de acordo com as palavras do cantor, “como resultado de um recital, no Festival dos Capuchos, em 1993” e por “insistência do técnico José Fortes”. Posteriormente, “a gravação, feita no Convento dos Capuchos, em Novembro, foi mostrada a José Manuel Marreiros e a João Lucas, proprietários da Luminária, que gostaram imenso do material e decidiram lançar o disco”.
A relação de Luís Madureira com o autor francês, embora levada à prática por motivos circunstanciais, encontra razões mais profundas. “Já conhecia algumas canções dele, que interpretei em alguns recitais de canções de música ligeira francesa”, diz o cantor português. “Tinha feito duas dessas canções e, subitamente, o director do Festival dos Capuchos, o engenheiro José Adelino Tacanho, pôs a hipótese de organizar um recital só de canções do Boris Vian. A selecção foi feita a partir de algum material que já tínhamos e de outro que foi aparecendo por cedência da viúva do autor. Na altura, todas edições de partituras de Boris Vian estavam esgotadas. Juntamente com o pianista Jeff Cohen, fizemos uma busca e conseguimos obter cerca de 60 canções, das quais seleccionámos as dezasseis que se encontram no disco.”
Mas “há mais do que isto”. Para Luís Madureira, trata-se de “um material que, sob o ponto de vista da poesia, é óptimo, e sob o ponto de vista da actualidade, idem”: “É um autor que me interessa como autor. E como eu sou um cantor de canções, sejam elas de compositores clássicos ou não, um cantor de ‘lied’, os nossos dois mundos não estão muito afastados. São canções que se podem fazer com piano e que, de alguma forma, são comparáveis a outro género de reportório que tenho feito. Trabalhei-as exactamente da mesma forma que trabalho uma ária de ópera ou um ‘lied’, ou seja, a abordagem da poesia, em primeira instância, e abordar a correspondência, que nos bons compositores é imediata, entre a frase musical e a palavra. A partir deste somatório, uma pessoa é levada a fazer aquilo a que se chama interpretação, a dar o valor exigido pela palavra e pela música.”
Desde sempre sensível à teatralidade, não só da música como da poesia, Luís Madureira encontrou nas canções de Boris Vian um veículo ideal de expressão da sua faceta de actor: “Acho que qualquer cantor actual se preocupa com isso, no sentido de que a palavra é o motor da canção. Para que a palavra tenha sentido, as pessoas não se podem preocupar só com o som da voz, que pode se rmais bonita ou menos bonita, mais ou menos bem colocada. É preciso trabalhar arduamente a palavra, e aí estamos próximos da teatralidade da palavra, do que ela de facto significa. Essa faceta vem ao de cima pela minha prática teatral, do estudo do texto, não cantado, mas dito.”
Situado num território intermédio, entre a música erudita e a canção ligeira, Luís Madureira sente-se confortável nessa posição. “Sinto-me à vontade para abordar este reportório exactamente devido à formação que tive. Depois, acho que é interessante tentar fazer bem um reportório que as pessaos pensam que pode ser feito de qualquer maneira, coisa com a qual eu não concordo de todo.”
Fica o bom sabor das canções de Vian, cantadas por Luís Madureira, dentro do espírito da época do pós-guerra e da mordacidade que caracterizava o autor, que chamava Jean-Sol Partre a Jean-Paul Sartre: “Musique mécanique”, “À la pêche de coeurs”, “Cinématographe”, “La Java des bombes atomiques”, “Le déserteur”, “Moi, mon Paris”, “Bal de Vienne”, “Mozart avec nous”, “Je bois”, “La vie cést comme une dent”, “On n’ést pas là pour se faire engueuler”…