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Peste & Sida – “Peste & Sida Procuram Novo Baterista, Antes De Entrarem Em Estúdio Para Nova Injeção De ‘Veneno'”

pop rock >> quarta-feira >> 11.09.1991


PESTE & SIDA

Peste & Sida procuram novo baterista, antes de entrarem em estúdio para nova injeção de “veneno”



Tudo em aberto para os Peste & Sida, uma das bandas da ala rebelde e provocatória, atualmente em manobras subversivas que atingem o sistema nervoso do rock nacional. De momento, as atuações ao vivo encontram-se, nas palavras de João San Payo, o baixista do grupo, em “stand-by”, já que falta um baterista para preencher a vaga deixada em aberto por Fernando Raposo. Da formação antiga, mantêm-se, além de San Payo, o Luís Varatojo e o Nuno Rafael, ambos guitarristas.
Quanto ao baterista, ainda pouco há de concreto: “Vamos lá ver como é, estão três ou quatro prontos para entrar em audição e nós escolhermos um” – assegura João San Payo que, no entanto, aproveita a nossa deixa para assumir o papel de anunciante: “Se o PÚBLICO quiser, pode divulgar que os Peste & Sida têm uma vaga para baterista. Quem quiser preencher o lugar e se sentir qualificado para tal, pode aparecer”.
Em relação ao novo álbum, o terceiro, depois de “Veneno” e “Portem-se bem”, o início das gravações está prevista para dezembro e a edição, em princípio, para março do próximo ano, dependendo o som da banda de como se vier a estabilizar a nova formação, já com a integração do novo baterista. João San Payo acha, contudo, que “a linha estética vai ser a mesma”. Para ele, o que é mais importante é que os Peste & Sida tentam “fazer sempre melhor”.
Peste & Sida que são, de resto, uma banda nem sempre bem compreendida, provocando, com alguma frequência, reações agressivas e um ou outro desacato nas audiências. A designação que escolheram ajuda à festa. Herdeiros espirituais dos Xutos e Pontapés, os Peste & Sida apreciam sobretudo sentir-se incómodos para as mentes mais enfatuadas, assim como uma praga ou um vírus que vai corroendo lentamente por dentro.
Até agora, injetavam o “Veneno”, via Polygram. Depois, foram “as mudanças todas” ocorridas nessa editora e a saída pela porta pequena, já com o contrato prestes a acabar. “Nem houve uma cartinha, nem um telegrama, nem um telefonema, nada”, lamenta-se, sentido, João San Payo. Agora, já bem instalados na BMG, sentem-se “porreiros” e dispostos a arrancar com o novo álbum, dando deste modo cumprimento ao acordado com o novo selo – três anos na casa, durante os quais terão que gravar dois álbuns. Para os Peste & Sida não há descanso. Para quem os ouve, muito menos.

Vários – “Festivais De Lisboa – Os Sons Da Diferença” (festivais / encontros de música / concertos / avantgarde)

Secção Cultura Quinta-Feira, 12.12.1991


Festivais De Lisboa
Os Sons Da Diferença


Os espectáculos de hoje e amanhã à noite, no S. Luiz em Lisboa, integrados nos “Encontros de Música” dos Festivais de Lisboa, prometem ser diferentes. Joaquim D’ Azurém e a dupla Nuno Canavarro / Carlos Maria Trindade actuam hoje, às 21h30. O primeiro toca guitarra de água, de cristal. “Transparências”, álbum de estreia editado há dois anos, inventa novas cores e filigranas para a guitarra portuguesa e é uma incursão serena no território das músicas ambientais. Fado astral?
Nas áreas do ambientalismo, com porta aberta para mundos paralelos, movem-se Carlos Canavarro e Carlos Maria Trindade, o primeiro ex-Street Kids, o segundo ex-Heróis do Mar. “Mr. Woologallu”, álbum acabado de editar, conta histórias de mil sons enredos, nascidos dos sonhos do computador. Imagens, sinais que se cruzam. Realidades virtuais que no cosmos de um instante se fazem e desfazem, contemplados de um “tapete voador zen, silencioso mas não sem turbulências”.
No dia seguinte a música acelera, torna-se rude, entrelaça-se em estruturas milimétricas, quase fractais. O silêncio dá lugar ao grito, a contemplação à improvisação. Da selva urbana, mensagens tecnojazz via Plopoplot Pot, de Nuno Rebelo, Luís Areias, Rodrigo Amado, Paulo Curado e Bruno Pedroso, e Máquina do Almoço Dá Panacadas, de João Pires de Campos, Rodrigo Amado, Gui, Luís Filipe Valentim, Lívio e Alberto Garcia. As duas bandas cruzam-se no CD colectânea “Em Tempo Real” onde provam que há uma ordem no delírio e prazer nesse delírio. O cérebro não necessita das pernas para dançar.
Em ambos os grupos os sopros de metal sustentam um edifício de paranoia, de vertigem. Desestruturar para estruturar mais à frente e encontrar o outro lado das formas, novos equilíbrios e maneiras de coabitar o pesadelo. “Catástrofes de todo o mundo desaguando nas planícies do silêncio?” O cataclismo supõe uma estratégia, a exigência de mudança, passagem, revolução. Nada é definitivo. Do silêncio depois do caos os sons renascem. Sempre pela primeira vez.

Romanças – “Grupo Romanças Lança Segundo Álbum – Trovas Do ‘Monte Da Lua’”

Secção Cultura Domingo, 01.12.1991


Grupo Romanças Lança Segundo Álbum
Trovas Do ‘Monte Da Lua’


“Monte da Lua”, segundo disco dos Romanças, confirma os seus autores como um nome a ter em conta no panorama da música popular portuguesa de raiz tradicional. O disco, dedicado à serra de Sintra, à sua mística e ao seu património, canta amores e perdições. É o regresso dos trovadores.




Sintra é o centro. Terra sagrada. Para os Romanças, fonte de inspiração, e para alguns dos seus membros, local de habitação. A serra ensina-lhes a serenidade e uma respiração particular. Uma forma diferente de olhar as coisas e de as cantar. O ar e as alturas da serra vibram em cada espira de “Monte da Lua”, que era como os árabes chamavam à montanha mágica.
“Sintra já influenciou pessoas como Byron e outros poetas e trovadores. Nós não fugimos à regra. Este novo álbum é dedicado a Sintra. Queremos ajudar a preservar o património cultural da vila” – diz Fernando Pereira, vocalista e guitarrista dos Romanças, para quem Sintra é “uma terra de trovadores”.
Amor a uma terra e à sua cultura que parece não comovar o poder local – “é o tal ditado: santos da casa não fazem milagres. Já oferecemos ao presidente da Câmara e ao vereador da Cultura o nosso disco, mas o facto é que organizaram recentemente o Festival da Juventude e esqueceram-se de nós…”. Estranha indiferença para com um grupo que ainda há pouco tempo andou em digressão pela Irlanda, participou no Festival de Winnipeg, nos Estados Unidos e sobre quem sairá um artigo alongado num dos próximos números da revista “Folk Roots”.
“Monte da Lua” é um disco onde as baladas e os romances selecionados do cancioneiro alternam com cadências mais dançáveis, marcadas pelo baixo de Pedro Batalha e a bateria de João Luís Lobo, “músicos de inspiração rock”. Fernando Molina, acompanhante habitual de Fausto, acrescenta-lhes a percussão tradicional. Os Romanças não receiam as novas tecnologias nem o perigo da descaracterização: “O sintetizador pode muito bem substituir uma gaita-de-foles”. Não pretendemos reproduzir os temas tradicionais como eram tocados há 50 ou 60 anos atrás. Queremos transformar a música, conservando a melodia. Uma outra maneira de cantar as coisas”.
Alguns dos temas de “Monte da Lua” são pequenas maravilhas: “Trigueirinha” e “D. Varão”, por exemplo, estão muito perto da eternidade: romances com sabor a muito, muito antigo. Como as rochas, o musgo e as nascentes da serra. As águas do rio partem sempre. O leito permanece. “A função dos Romanças é divulgar histórias que estavam perdidas, ou que só existiam nos livros ou nas pausas musicais. Quem conhecia o ‘Romance do Gerinaldo’, o ‘Cego Andante’ [incluídos no primeiro álbum], ou o ‘Homem Rico’? São histórias que estão na memória das pessoas e se arriscavam a desaparecer.”
Nos tradicionais “Homem Rico”, “Veneno de Moriana”, as “Saias de S. João”, ou em “Trigueirinha”, é sensível o apelo da matriz celta: “Admiramos muito a música de grupos como os Chieftains ou os Milladoiro. “Trigueirinha” foi composta [por Pedro d’ Orey e João Ramos] num quarto de hotel na Galiza e é notória a influência celta.” Destaque para João Ramos, no violino (excelente, nas “Janeiradas”), ou no “tin whistle” (“Trigueirinha”, e no instrumental “Monte da Lua”).
Em “Veneno de Moriana” somos sobressaltados pelo vento dourado acre das gaitas-de-foles, tocadas em uníssono por João Ramos e pelo gaiteiro convidado Rui Vaz; atraídos para as profundidades do fado, em “D. Varão”. As cordas da braguesa, do cavaquinho e do bandolim exultam nos dedos de José Barros, nos temas mais extrovertidos, “Xula”, “Salsaparrilha”, “As Janeiradas”.
“Monte da Lua” coloca as Romanças, ao lado dos Vai de Roda, Ronda dos Quatro Caminhos e Brigada Victor Jara, nas veredas que conduzem ao futuro a Tradição.