Secção Cultura Domingo, 01.12.1991
Grupo Romanças Lança Segundo Álbum
Trovas Do ‘Monte Da Lua’
“Monte da Lua”, segundo disco dos Romanças, confirma os seus autores como um nome a ter em conta no panorama da música popular portuguesa de raiz tradicional. O disco, dedicado à serra de Sintra, à sua mística e ao seu património, canta amores e perdições. É o regresso dos trovadores.
Sintra é o centro. Terra sagrada. Para os Romanças, fonte de inspiração, e para alguns dos seus membros, local de habitação. A serra ensina-lhes a serenidade e uma respiração particular. Uma forma diferente de olhar as coisas e de as cantar. O ar e as alturas da serra vibram em cada espira de “Monte da Lua”, que era como os árabes chamavam à montanha mágica.
“Sintra já influenciou pessoas como Byron e outros poetas e trovadores. Nós não fugimos à regra. Este novo álbum é dedicado a Sintra. Queremos ajudar a preservar o património cultural da vila” – diz Fernando Pereira, vocalista e guitarrista dos Romanças, para quem Sintra é “uma terra de trovadores”.
Amor a uma terra e à sua cultura que parece não comovar o poder local – “é o tal ditado: santos da casa não fazem milagres. Já oferecemos ao presidente da Câmara e ao vereador da Cultura o nosso disco, mas o facto é que organizaram recentemente o Festival da Juventude e esqueceram-se de nós…”. Estranha indiferença para com um grupo que ainda há pouco tempo andou em digressão pela Irlanda, participou no Festival de Winnipeg, nos Estados Unidos e sobre quem sairá um artigo alongado num dos próximos números da revista “Folk Roots”.
“Monte da Lua” é um disco onde as baladas e os romances selecionados do cancioneiro alternam com cadências mais dançáveis, marcadas pelo baixo de Pedro Batalha e a bateria de João Luís Lobo, “músicos de inspiração rock”. Fernando Molina, acompanhante habitual de Fausto, acrescenta-lhes a percussão tradicional. Os Romanças não receiam as novas tecnologias nem o perigo da descaracterização: “O sintetizador pode muito bem substituir uma gaita-de-foles”. Não pretendemos reproduzir os temas tradicionais como eram tocados há 50 ou 60 anos atrás. Queremos transformar a música, conservando a melodia. Uma outra maneira de cantar as coisas”.
Alguns dos temas de “Monte da Lua” são pequenas maravilhas: “Trigueirinha” e “D. Varão”, por exemplo, estão muito perto da eternidade: romances com sabor a muito, muito antigo. Como as rochas, o musgo e as nascentes da serra. As águas do rio partem sempre. O leito permanece. “A função dos Romanças é divulgar histórias que estavam perdidas, ou que só existiam nos livros ou nas pausas musicais. Quem conhecia o ‘Romance do Gerinaldo’, o ‘Cego Andante’ [incluídos no primeiro álbum], ou o ‘Homem Rico’? São histórias que estão na memória das pessoas e se arriscavam a desaparecer.”
Nos tradicionais “Homem Rico”, “Veneno de Moriana”, as “Saias de S. João”, ou em “Trigueirinha”, é sensível o apelo da matriz celta: “Admiramos muito a música de grupos como os Chieftains ou os Milladoiro. “Trigueirinha” foi composta [por Pedro d’ Orey e João Ramos] num quarto de hotel na Galiza e é notória a influência celta.” Destaque para João Ramos, no violino (excelente, nas “Janeiradas”), ou no “tin whistle” (“Trigueirinha”, e no instrumental “Monte da Lua”).
Em “Veneno de Moriana” somos sobressaltados pelo vento dourado acre das gaitas-de-foles, tocadas em uníssono por João Ramos e pelo gaiteiro convidado Rui Vaz; atraídos para as profundidades do fado, em “D. Varão”. As cordas da braguesa, do cavaquinho e do bandolim exultam nos dedos de José Barros, nos temas mais extrovertidos, “Xula”, “Salsaparrilha”, “As Janeiradas”.
“Monte da Lua” coloca as Romanças, ao lado dos Vai de Roda, Ronda dos Quatro Caminhos e Brigada Victor Jara, nas veredas que conduzem ao futuro a Tradição.