Arquivo da Categoria: Críticas 1996

Luís Represas – “Ao Vivo No CCB”

Pop Rock

11 de Dezembro de 1996
portugueses

Luís Represas
Ao Vivo No CCB
2xCD, ED. EMI


lr

Registo dos concertos de 25 e 26 de Outubro passado, metade dos que encheram o CCB durante quatro noites, “Ao vivo no CCB” serve essencialmente para manter viva a recordação desses espectáculos, nos quais Luís Represas ofereceu ao seu público o que ele esperava: as canções conhecidas, a seriedade e o profissionalismo de sempre, mas também o que a este mesmo público não importa, a previsibilidade e a ausência de risco. Não foram o “low whistle” nem as “uillean pipes” do convidado especial Davy Spillane que fizeram dessas quatro noites, noites especiais, mas sim a cumplicidade que se estabeleceu entre o intérprete e o seu público. Tudo se passou como uma festa há muito planeada, uma revisitação de uma carreira sem sobressaltos nem grandes arrebatamentos de inspiração. Luís Represas é um valor seguro da nossa música que encontrou a sua voz própria e aí se deixou ficar, mesmo que, uma ou outra vez se experimente em sons ou companhias de outras latitudes, sejam elas Cuba ou a Irlanda. Será, porém, sempre o cantor da voz romântica, o ex-Trovante que ouvia Milton Nascimento, o trovador das emoções que podem ser compartilhadas por todos. Por isso, Luís Represas é um cantor de sucesso. Por isso, encheu o CCB por quatro noites e provavelmente encheria outras tantas mais. Por isso, o que para uns é motivo de satisfação, para outros será motivo de bocejo. (4)



Fausto – “Atrás dos Tempos Vêm Tempos”

Pop Rock

11 de Dezembro de 1996
portugueses

Fausto
Atrás dos Tempos Vêm Tempos
2xCD, COLUMBIA, DISTRI. SONY MUSIC


fausto

Considerado um dos nomes de maior importância na música de raiz popular portuguesa, em que operou uma verdadeira revolução, na obra-prima “Por Este Rio Acima”, Fausto retomou recentemente a mesma temática dos Descobrimentos em “Crónicas da Terra Ardente”, sem, contudo, atingir o brilhantismo daquele. A Fausto terá faltado, então, a coragem, ou a vontade, de descobrir mais novos caminhos para a música portuguesa. Este seu novo trabalho – uma coletânea de temas compostos originalmente entre 1974 e 1994, em álbuns como “O Despertar dos Alquimistas”, “Por Este Rio Acima”, “A Preto e Branco” e “Para Além das Cordilheiras” – apresenta novos arranjos de todas as composições, além de três inéditos, “Um Outro Olhar Sobre Caxias”, “Eu Casei Com a Bonita” e “Os Mandamentos do Vinho”. As novas versões soam, na maior parte dos casos, mais descontraídas, aproximando-se ora da música de variedades, ora de uma serenidade capaz de permitir um outro ângulo de aproximação auditiva. Quanto aos inéditos, poderão, ou não, fornecer indicações acerca de eventuais reorientações estéticas do seu autor, antes da chegada da prometida terceira parte da trilogia sobre os Descobrimentos. Se “Um Outro Olhar Sobre Caxias” se inquieta com nostalgia sobre guitarras de fado, sem romper com o passado, já “Eu Casei com a Bonita” e “Os Mandamentos do Vinho” parecem indiciar uma nova e estimulante maneira de perspetivar a música tradicional. O primeiro destes temas é uma raga de guitarras e percussões onde se cruzam a rítmica tipicamente portuguesa e ambiências orientais, enquanto o segundo aprofunda ainda mais a vertente étnica, desde o registo vocal ao solo de sanfona de Fernando Meireles. Seria interessante verificar até que ponto Fausto estará disposto a romper com o lado mais urbano da sua música, precisamente aquele que mais tem sofrido o desgaste do uso e do tempo. Pois “Já é Tempo de Partir”, mensagem que fica a pairar no ar, no fecho desta viagem de ultrapassagem do tempo, através do clássico “Navegar Navegar”. (7)



Vidya Ensemble – “Stress/Relax”

11.12.1996

Vidya Ensemble
Stress/Relax
ED. FAROL


Vidya Ensemble – “Stress/Relax”

O minimalismo é factor de “stress”? A repetição provoca o acidente? A ruptura pode transformar-se em lei? Para Vítor Rua, a prática musical funciona mais como manual de interrogações do que como acta de trabalho. O guitarrista dos Telectu, como já acontecera no seu disco com os “ressoadores”, volta a defrontar-se com os limites da “perfomance” e da memória musical. Mas se, com os seus alunos, era o conceito de aleatoriedade e improvisação que funcionava como regra do jogo, em “Stress/Relax” é a exploração da noção de “ensemble” e a composição escrita que se questionam na forma de uma “música de intrenção” ou “daquilo que é a propósito de qualquer coisa”. O conceito é familiar, sugerindo as estratégias dde clonagem e o mimetismo propostos em fase recente dos Telectu. Significa isto que “Stress/Relax” deva ser ouvido com a municiação de um “a priori” musical impeditivo de toda e qualquer “inocência” do acto criativo? O conceito também não é novo e está no cerne de toda a atitude do pós-modernismo, assim se compreendendo, de resto, que Rua defina “Stress/Relax” como “propedêutica estética e caleidoscópica sobre o situacionismo musical pós-moderno, proposição de um novo msubjectivismo musical”. Ouvir um trecho musical será então, hoje, ouvir sempre um outro, essa tal “outra coisa” entretanto levado ao esgotamento pelo excesso das escolas e dos géneros musicais deste século. O “novo” passou a existir, deste modo, na forma subjectiva de reorganização de memórias e acumulações culturais da parte do ouvinte. Assim se compreende, ainda, a profusão e inutilidade das palavras que embalam este compacto. Do esgotamento de significados surgirá uma nova disponibilidade de audição? As faixas de “Stress/Relax” podem arrumar-se confortavelmente em géneros, do minimalismo reichiano do tema inicial, “Stress”, ao ambientalismo “enoiano” de “Tracet”. São o mesmo e o outro, da mesma maneira que, no conto de Borges, o “Quixote” de Pierre Ménard era igual e diferente do “Quixote” de Cervantes. Aprende-se, então, a reescutar o gesto primordial proposto por “Stress/Relax”, afinal contido no próprio título – um jogo de tensões onde a criatividade se joga na estruturação, pura e simples, do tempo e da multiplicidade dos seus tempos interiores. Era esse o sentido primordial do minimalismo. Uma faixa emblemática? Experimente-se ouvir “Cream Dream” para se perceber que o infinito dos sons nasce dentro da nossa cabeça. (8)