Arquivo da Categoria: Críticas 1996

UHF – “69 Stereo”

Pop Rock

11 de Dezembro de 1996
portugueses

UHF
69 Stereo
ED. BMG


uhf

Deixou de fazer sentido falar dos UHF como sobreviventes do rock português. Não será fácil encontrar razões que expliquem a longevidade do grupo de Almada. Mais do que o “alter ego” de António Manuel Ribeiro, os UHF cerram fileiras em torno, já não de uma causa, mas de um estado de espírito. “69 Stereo” é um álbum de afirmação e de crença. “O Povo do Mundo”, tema de abertura, enceta uma das melhores coleções de canções de sempre dos UHF. Está ao nível dos clássicos com a gaita de foles de Paulo Marinho a reforçar o tom de otimismo e universalismo do tema – um “hit”. A seguir, “Amor perdi”, uma balada em duo com Né Ladeiras, dá a conhecer uma surpreendente depuração e contenção vocal de António Manuel Ribeiro, apostando no registo do tipo Peter Gabriel mais Kate Bush, em “Don´t give up”. O papel de “rocker” do mundo é desempenhado por AMR com razoável convicção, em inglês, numa versão de “The passenger”, de Iggy Pop. Excelente, o trabalho de baixo de Fernando Delaere e da guitarra acústica de Rui Padinha, em “Sangue”. “O Primeiro Concerto” é UHF na sua posição mais clássica, de “Rua do Carmo” e “Cavalos de Corrida”, numa das habituais incursões retrospetivas nos anos dourados da juventude pós-25 de Abril. O tom autobiográfico, com passagem das folhas de um diário, prossegue em “Velhos amigos”. Surpreendente é, passados todos estes anos, AMR continuar com a mesma sinceridade e proximidade em relação à vida dos outros, com os seus pequenos e grandes dramas. Quem se recorda de “Jorge Morreu” sentirá com mais força as palavras de AMR quando canta “Velhos amigos onde estais, oiço os gritos que soltais”. “Foge Comigo Maria” é Lou Reed “light” e “Na Luiz da Noite” um bom desempenho das guitarras elétricas em mais um tema “average” UHF é um desabafo de AMR num dos seus santuários preferidos: o quarto, na solidão da noite. Esqueça-se a declamação de “Pálidos olhos azuis”, repescado do álbum a solo do vocalista saído há tempos, e passe-se diretamente para a lenta lamentação de “Dão-me prendas”, antes da guitarra elétrica voltar a lançar labaredas em “Ela (como ninguém)” e no tema final, “Pede ao pai”. Rock’n’roll de barba rija a fazer cara de mau e a piscar o olho aos anos 70, desta estereofonia na posição 69, uma das produções com assinatura de AMR mais sofisticadas de sempre dos UHF. Um regresso à boa forma de um grupo que não desiste de encarar o rock como um modo de vida. (8)



Rão Kyao – “Viva o Fado”

Pop Rock

11 de Dezembro de 1996
portugueses

Rão Kyao
Viva o Fado
ED. POLYGRAM


rk

Consumada a iniciação da flauta de bambu no fado, em “Fado Bailado”, Rão Kyao mergulha agora mais fundo as suas raízes musicais da infância, neste género de música. A escolha de fados tradicionais, de estrutura o mais aberta possível, permite ao flautista a improvisação e a depuração da essência do fado. Rão toca flauta como se cantasse interiormente e é essa interiorização do fluir interior da alma fadista que torna cada tema numa outra forma de ouvir o fado. Gravado ao vivo, em dois dias de espetáculo realizados no Amália-Clube de Fado, com acompanhamento de Carlos Gonçalves e José Luis Nobre Costa, à guitarra portuguesa, e Francisco Gonçalves, à viola, “Viva o Fado” é também a justaposição do fado com as músicas indiana e árabe, em modalidades e temas clássicas como o “Fado menor”, o “Fado Mouraria” e o “Fado Vitória”, “Lágrima”, “Biografia do Fado” e “Fado dos Sonhos”. Fadistas como Manuel de Almeida, a quem o disco é dedicado, Amália, Marceneiro, Carlos Ramos ou António dos Santos, e autores como Alberto Janes, Joaquim Campos, Alberto Costa e Frederico de Brito têm aqui a melhor homenagem que lhes poderia ser feita – erguer o fado a uma voz universal. (7)



Osso Exótico – “Osso Exótico V”

Pop Rock

11 de Dezembro de 1996
portugueses

Osso Exótico
Osso Exótico V
ED. ANANANA


oe

Bzgdbzbblblmnmpqdzzzzz… Silêncio. Cric. Silêncio. Bruuooomm. Música experimental. Chiu. O quinto volume do Osso, ou o quinto osso do esqueleto, é sombras e silêncios. A sombra da música. A anulação e o niilismo conceptuais. Começa com “9 esteiras para um acorde de piano” compostos por David Maranha, nove segmentos com apenas alguns segundos de duração cada, onde um acorde de piano é deixado a reverberar – exercício de “delay” suportado por barulhos sortidos. Seguem-se dois “Ciclos”, de treze e seis minutos, de Patrícia Machão. Piano tocado com arcos. Soa a uma serra elétrica a dormir, metal a desfazer-se, música para ouvir na cave. O 2º ciclo é completamente diferente: uma serra elétrica a desfazer-se, metal a dormir, música para ouvir na subcave. “Fuga doméstica”, de David Maranha, dura mais de 27 minutos. Piano percutido, plink, plonk, ruídos de água processados, cordas transtornadas. É a peça mais interessante do Osso, algures entre os Miso Ensemble, PGR e Jocelyn Robert (de “Folie/Culture” e “La Théorie des Nerfs Creux”) e seria ainda mais interessante se fosse cortada para um décimo da duração que tem. Finalmente, desossa-se com quatro peças intituladas “Corrimão/Comunidade das Mãos”, da autoria de André Maranha. No primeiro não se ouve nada. Silêncio subliminar. Excelente. No segundo, idem. No terceiro é possível ouvir espectros a arrastarem-se num lamaçal de escuridão. O terceiro mete umas restolhadas de metal e ruído de fábrica “à la” Asmus Tietchens. A embalagem reúne imagens engraçadas das partituras e uma frase escrita para se ler ao espelho. O experimentalismo dispensa o ouvinte? A vanguarda deve ser inacessível até perder de vista? Este é, então, um ótimo trabalho para ser apreciado pelos três elementos que compõem o Osso Exótico. (4)