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Bognermayr & Zuschrader – “Bergpredigt” + Lightwave – “Nachtmusik” + Propeller Island – “Hermeneutic Music” + Vox – “Diadema” + “From Spain to Spain”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993


O ANTIGO FAZ-SE NOVO

A Erdenklang é uma editora alemã especializada nas áreas da música electrónica, “new age” e fusão, sendo esta última representada pela subsidiária Crossculture. Entre as várias meditações cósmico-ecológicas e a “música electrónica medieval”, há muito por onde escolher.



Como acontece sempre que um novo catálogo passa a ter representação nacional, o elevado número de títulos disponíveis não permite a sua total recensão, pelo que de um lote de 21 álbuns, submetidos a audição crítica, acabámos por escolher cinco que achámos os de maior qualidade e mais representativos da estética global da editora. De foram ficaram nomes, na maioria ligados à “new age” e aos seus “clichés”: Achim Gieseler (“Ocean Alpha” e “L’air, la terre”), Reinhard Lakomy (“Aër”), Matthias Thurow (Cornucopia” e “Melancholia”), Johannes Schmoelling (“Wuivend Riet”), Kristian Schultze (“Metronomics” e “New Expedition Extra”) e os Tri Atma, um dos símbolos do movimento, com “Sehnsucht & Einklang”, “Belong to the Sun” e “Ka Jakee Music”. Qualquer deles, em diferente medida, herdeiros do legado deixado pelos “cosmic courriers” alemães dos anos 70, em que, para além dos nomes consagrados do movimento, se torna óbvia a importância que tiveram os Popol Vuh (pelo misticismo orientalista) e Hans-Joachim Roedelius, dos Cluster (na vertente repetitiva/classicista).
Dos campos fecundos da “Crossculture” foram deixados de lado “Oduduá”, do percussionista brasileiro Dudu Tucci, e “Winds of the Rhodopes”, da violinista búlgara Elka Atanasova. “Indoculture”, do tocador de “tablas” indiano, membro dos Tri Atma, Assim Saha, será objecto de crítica numa das próximas páginas de “world”.
Destaque para a dupla de alemães Hubert Bognermayr e Harald Zuschrader, dos primeiros a utilizarem em pleno as possibilidades do computador musical Fairlight CMI. Em 1982, em “Erdenklang Sinfonie”, totalmente composta a partir de “samples” de sons naturais, e, no ano seguinte, em “Bergpredigt”, uma oratória que encena, numa perspectiva simultaneamente religiosa e tecnológica, o tema biblíco do sermão de Jesus Cristo na montanha, à qual foi atribuída, em 1984, o primeiro prémio do Internacional Christian Radio Festival. Obra de grande fôlego, “Bergpredigt” recorre a toda a espécie de sons samplados, à narração em tempo real e a um trabalho de montagem notável que, pelo seu carácter pioneiro, se torna curioso comparar com as fantásticas e posteriores conquistas alcançadas pelos italianos Roberto Musci e Giovanni Venosta ou pelo alemão Holger Hiller.
Interessante é no mínimo o que se poderá dizer da música dos Lightwave (alguém há-de ter lido o seu nome na ficha técnica de “Les Nouvelles Polyphonies Corses” e “Sahara Blue”, de Hector Zazou…), duo francês constituído por Christoph Harbonnier e Christian Wittman, cuja opção se afigura deveras curiosa: a justaposição dos sintetizadores analógicos (“Korg”, “A.R.P.”…) com os seus irmãos mais novos da geração digital. Onde à partida se poderia esperar uma salada nova-rica de sons “à la page”, os Lightwave preferiram antes a explanação, em dois únicos e longos temas, “Nachtmusik” e “Just another dream”, das sonoridades de “trance music” avançadas anteriormente pelos Tangerine Dream, em “Phaedra” e “Rubycon”, e por Klaus Schulze, em “Mirage”, mas despojadas da componente hipnótica dos sequenciadores. Cobriram-se de máquinas de bruma. Um manto de luzes minerais desceu sobre a noite. Glissandos que não param de se transformar e auto-reproduzir em alterações de timbre subtis e quase imperceptíveis são acompanhados por ocasionais interrupções provocadas por um desmonoramento de metais, um colóquio de sinos ou um coro de anjos sintéticos. Música ambiental, banda-sonora para bizarras aventuras nocturnas.
Quanto aos Propeller Island, afinal apenas o sueco Lars Stroschen, propõem a hermenêutica como disciplina musical, no mesmo ano em que editaram “The Secret Convention” (no selo “Badland”, importação Ananana), por via de um estilo composicional híbrido que alia o romantismo da escola alemã (Dream, Schulze, Eroc, Wallenstein, Parzival, Hoelderlin, Harmonia, etc.) à música programática, com ocasionais pontuações humorísticas (uma faixa de 16 segundos reduz-se a um apito-chamariz de caça aos patos…). Salienta-se a longa peça, subdividida em 10 partes, “The 5th generation – trial and error of a system” – história virtual de um computador com opiniões muito próprias…
Por último, “Diadema” e “From Spain to Spain”, dos Vox – um colectivo multinacional, com direcção de Vladimir Ivanoff -, avançam mais um passo em relação a grupos como Les Trobadors e Oni Wytars, em direcção à “música antiga do futuro”. Um trio de vozes femininas solistas, inseridas no espírito e nas normas – sempre subjectivas – da música da Idade Média, junta-se à parafernália de instrumentos antigos e étnicos (sanfona, trompete árabe medieval, alaúde, harpa, órgão de foles, “santur”, entre outros) e aos computadores. Em “Diadema”, na sacra missão de dar um rosto novo às composições da mística do século XII, Hildegard von Bingen, que Noírin Ni Riain já cantara em “Vox de Nube”, e em “From Spain to Spain”, onde Vladimir Ivanoff apresenta as suas versõeselectro-ascéticas das cantigas de Santa Maria, se Afonso X, bem como fragmentos da tradição árab-andaluz do Sul de Espanha. A máquina do tempo avaria no instante em que Rose Bilher-Shah, Cornelia Melian, Catherine Rey e Fadia El-Hans erguem as vozes em louvor à Virgem, em “Quen na virgen” e 2Maravillosos”. Os computadores respiram os ventos andaluzes, numa “Entrada”xamânica, na batida de dança de “While the birds sing / Umzuj” que as jovens dançarão na discoteca do próximo milénio.
Sintomático da ascensão e da atenção crescentes de que a música antiga, nomeadamente a medieval, vem sendo objecto enquanto desencadeadora de estímulos emocionais (talvez até um pouco mais que isso…) na sensibilidade contemporânea – como se o tempo encolhesse ao ponto de tudo coincidir -, “Diadema” e “From Spain to Spain” poderão porventura causar aos puristas um ataque de nervos. A estes recomenda-se a leitura das notas de capa inclusas em “Diadema”, nas quais Vladimir Ivanoff tece considerações e esgrima argumentos sobre um assunto desta delicadeza. Mas para os que esperam debruçados da Pop dos Dead Can Dance, este poderá bem ser o patamar seguinte a atingir. A música antiga, cada vez menos antiga.


BOGNERMAYR & ZUSCHRADER
Bergpredigt (8)
LIGHTWAVE
Nachtmusik (7)
PROPELLER ISLAND
Hermeneutic Music (7)
VOX
Diadema (8)
From Spain to Spain (7)
CD Erdenklang, distri. Nuno Serrão

Popol Vuh – “Nosferatu”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993


Popol Vuh
Nosferatu
CD Mantra, import. Lojas Valentim de Carvalho



Em plena viagem do “Kosmische Rock” alemão empreendida nos anos 70, a música dos Popol Vuh, através das visões orientalistas do seu líder e teclista Florian Fricke, optou pela serenidade de um piano acústico e pela contemplação de uma flor de lótus, em vez dos impulsos electrónicos dos sintetizadores e das guitarras transformados em máquinas de transe. Florian Fricke foi, curiosamente, um dos músuicos introdutores do sintetizador Moog na Alemanha, nos dois primeiros álbuns, “Affenstunde” e “In den Garten Pharaos”. A partir daí, o piano reservou para si o direito exclusivo das orações – até hoje e ao cabo de mais de trinta álbuns, a maior parte dos quais, infelizmente, não resistiu à passagem do tempo. O cineasta alemão Werner Herzog fez dos Popol Vuh compositores oficiais das suas bandas sonoras, de que este “Nosferatu”, subintitulado “On the Way to Little Way”, é exemplo. Predomina a veia mântrica do grupo, presente na combinação “sitar”-tampura-tablas, intercalada por texturas electrónicas reminiscentes das primeiras obras atrás referidas, culminando em coros de “mellotron” e no rock com mensagem mística, rezada alto pela guitarra de Danny Fiechelcher. Mas, como acontece em muitos álbuns dos Vuh, sobressai uma sensação de algo incompleto, como se à música faltasse qualquer coisa. Neste caso, talvez o filme. (6)

Holger Czukay – “Moving Pictures”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993
NOVOS LANÇAMENTOS


Holger Czukay
Moving Pictures
CD Mute, distri. Edisom



Enquanto os Can foram mestres da batida hipnótica e tribal via tecnologia, o seu venerando baixista, Holger Czukay, tem vindo a explorar os meandros da mente já na fase em que esta se encontra mergulhada no transe – os seus fantasmas, as suas zonas de menor luminosidade, as suas pulsões que gritam do inconsciente. As técnicas de “dub” que Czukay utiliza em “On the Way to the Peak of Normal”, “Der oste nis Rot” e “Rome remains Rome” e que tão bem servem à criação de realidades sonoras fantasmáticas (Arthur Russell, African Head Charge, Jah Wobble,…) como que foram cavando buracos negros no seu próprio interior, dilatando a dimensão temporal de maneira a reduzir o ritmo à quase sugestão. Faixas como “All night long”, onde não por acaso o baixo de Jah Wobble assume papel preponderante, e a extensa “Rhythms of a secret life” são neste aspecto exemplares. A segunda, uma viagem pela realidade virtual do “cyberspace”, recupera a tradição das “psicotropics” dos Can do duplo “Tago Mago” e o conceito de relatividade: um milionésimo de segundo de percurso pelos circuitos de um computador são ampliados para um filme ao retardador que permite observar com detalhe cada micro-acontecimento. Repare-se na bateria de Jaki Liebezeit, que era o principal motor da orgia rítmica dos Can, e aqui desacelera até ao limite da desagregação, transformando em pontuação subliminar o que antes era multiplicação polirrítmica.
Parecendo numa abordagem superficial que “Moving Pictures”, na riqueza das suas tapeçarias ambientais, se encontra mais próximo dos discos de Czukay com David Sylvian que duma continuação do seu trabalho a solo (descontando o incaracterístico “Radio Wave Surfer”), “Moving Pictures” acaba por ser afinal um álbum que, por tortuosos caminhos, vem ao encontro dos Can. Mas se não se quiser recuar a alguns capítulos brilhantes da história do rock que esta banda assinou, pode sempre olhar-se para Holger Czukay como o rádio-amador eternamente sintonizado nas ondas da Radio Marrakesh. (8)