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Popol Vuh – “Nosferatu”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993


Popol Vuh
Nosferatu
CD Mantra, import. Lojas Valentim de Carvalho



Em plena viagem do “Kosmische Rock” alemão empreendida nos anos 70, a música dos Popol Vuh, através das visões orientalistas do seu líder e teclista Florian Fricke, optou pela serenidade de um piano acústico e pela contemplação de uma flor de lótus, em vez dos impulsos electrónicos dos sintetizadores e das guitarras transformados em máquinas de transe. Florian Fricke foi, curiosamente, um dos músuicos introdutores do sintetizador Moog na Alemanha, nos dois primeiros álbuns, “Affenstunde” e “In den Garten Pharaos”. A partir daí, o piano reservou para si o direito exclusivo das orações – até hoje e ao cabo de mais de trinta álbuns, a maior parte dos quais, infelizmente, não resistiu à passagem do tempo. O cineasta alemão Werner Herzog fez dos Popol Vuh compositores oficiais das suas bandas sonoras, de que este “Nosferatu”, subintitulado “On the Way to Little Way”, é exemplo. Predomina a veia mântrica do grupo, presente na combinação “sitar”-tampura-tablas, intercalada por texturas electrónicas reminiscentes das primeiras obras atrás referidas, culminando em coros de “mellotron” e no rock com mensagem mística, rezada alto pela guitarra de Danny Fiechelcher. Mas, como acontece em muitos álbuns dos Vuh, sobressai uma sensação de algo incompleto, como se à música faltasse qualquer coisa. Neste caso, talvez o filme. (6)

Holger Czukay – “Moving Pictures”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993
NOVOS LANÇAMENTOS


Holger Czukay
Moving Pictures
CD Mute, distri. Edisom



Enquanto os Can foram mestres da batida hipnótica e tribal via tecnologia, o seu venerando baixista, Holger Czukay, tem vindo a explorar os meandros da mente já na fase em que esta se encontra mergulhada no transe – os seus fantasmas, as suas zonas de menor luminosidade, as suas pulsões que gritam do inconsciente. As técnicas de “dub” que Czukay utiliza em “On the Way to the Peak of Normal”, “Der oste nis Rot” e “Rome remains Rome” e que tão bem servem à criação de realidades sonoras fantasmáticas (Arthur Russell, African Head Charge, Jah Wobble,…) como que foram cavando buracos negros no seu próprio interior, dilatando a dimensão temporal de maneira a reduzir o ritmo à quase sugestão. Faixas como “All night long”, onde não por acaso o baixo de Jah Wobble assume papel preponderante, e a extensa “Rhythms of a secret life” são neste aspecto exemplares. A segunda, uma viagem pela realidade virtual do “cyberspace”, recupera a tradição das “psicotropics” dos Can do duplo “Tago Mago” e o conceito de relatividade: um milionésimo de segundo de percurso pelos circuitos de um computador são ampliados para um filme ao retardador que permite observar com detalhe cada micro-acontecimento. Repare-se na bateria de Jaki Liebezeit, que era o principal motor da orgia rítmica dos Can, e aqui desacelera até ao limite da desagregação, transformando em pontuação subliminar o que antes era multiplicação polirrítmica.
Parecendo numa abordagem superficial que “Moving Pictures”, na riqueza das suas tapeçarias ambientais, se encontra mais próximo dos discos de Czukay com David Sylvian que duma continuação do seu trabalho a solo (descontando o incaracterístico “Radio Wave Surfer”), “Moving Pictures” acaba por ser afinal um álbum que, por tortuosos caminhos, vem ao encontro dos Can. Mas se não se quiser recuar a alguns capítulos brilhantes da história do rock que esta banda assinou, pode sempre olhar-se para Holger Czukay como o rádio-amador eternamente sintonizado nas ondas da Radio Marrakesh. (8)

Holger Hiller – “As Is”

Pop-Rock Quarta-Feira, 06.11.1991


ANATOMIA DO PORMENOR

HOLGER HILLER
As Is
CD, Mute, import. Contraverso



Seria necessário recuar até ao princípio do século, à aventura serialista e aos delírios “concretistas”, passando pela pop experimental dos Faust, ou pelo desconstrutivismo niilista dos Einstuerzende Neubauten, para uma aproximação fundamentada à essência da música de Holger Hiller.
Mestre das técnicas de colagem e “samplagem”, e da utilização heterodoxa do computador, Holger Hiller integrou uma das bandas mais interessantes da pop vanguardista alemã da última década, os Palais Schaumburg. Antes disso, tinha gravado uma ópera sobre a temática das “claças”.
Para quem descobre os seus dois primeiros álbuns, “Ein Bundel Faulnis in der Grube” e “Oben imEck”, “As is” poderá surgir à primeira audição como uma bizarria incompreensível, um exercício de estilo nascido de uma mente desequilibrada. Um banho de radiações emitidas por um pulsar a anos-luz de distância do centro habitável da galáxia electrónica. Depois, por baixo das aparências, percebe-se que uma lógica, por ilógica que pareça, se revela nas profundezas do vórtice sonoro.
Holger Hiller procede como um fotógrafo. A técnica é aparentemente simples, mas tem por limite o infinito: a ampliação de pormenores, a dissecação de frequências – operação capaz de transformar cada pedaço de música arrancada às entranhas e à sensibilidade pós-moderna, em algo inteiramente novo.
Imaginem-se pormenores de um “rap” dos De La Soul. De uma ária operática. De um martelo-pilão em actividade. De um ensaio dos Faust. De um fractal. Holger Hiller amplia cada parcela, descobrindo no seu interior novas formas, novas possibilidades de transmutação. A ideia de uma micromúsica não é nova, tendo sido já explorada, em sentidos opostos, por Stockhausen ou, mais recentemente, por Graeme Revell, em “The Insect Musicians”. Em Holger Hiller essa “microscopia” , chamemos-lhe assim, é sobretudo mental e conceptual. Ao contrário dos compositores referidos, o processo de composição não se organiza segundo operações matemáticas nem processos computacionais, mas a um nível intuitivo, anterior ao “modus operandi” propriamente dito. Trabalho de atenção e (re)conversão. Revelação e ampliação. Holger Hiller, fotógrafo dos sons, escuta, isola, recorta, abstrai, sintetiza e reconstrói. Cada ideia, cada som, cada parcela de som são sempre resultado e ponto de partida para novo avanço, nova ampliação, nova operação alquímica. Matéria e forma de uma música em permanente movimento. Em Acto, como diria Aristóteles. A música de “As is” prolonga e actualiza a dos dois últimos álbuns anteriores, aprofundando-a, revelando novas paisagens, novas fotografias.
Se em temas como “Bacillus culture”, “Trojan ponies” e “Cuts both ways” o resultado se assemelha às refracções “dub” de Adrian Sherwood, ou, em “You”, a uma projecção desfocada de uma banda sonora de “filme negro” à maneira de John Zorn e “Spillane”, isso deve-se a um fenómeno de contaminação. Só a fotografia consegue focar e isolar os diversos momentos desse caos vibratório primordial, em que a totalidade das músicas se confunde num todo sincrético em constante movimento. Cada faixa de “As is” é como que um instantâneo dessa “música total”.
Música a que, no limite paradoxal, Hiller procura dar forma de “canção”, buscando a reconversão definitiva da linguagem pop, na passagem pelo buraco negro (ou “cãmara negra”) que filma e dá acesso ao “outro lado”. (9)