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Holger Czukay – “Moving Pictures”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993
NOVOS LANÇAMENTOS


Holger Czukay
Moving Pictures
CD Mute, distri. Edisom



Enquanto os Can foram mestres da batida hipnótica e tribal via tecnologia, o seu venerando baixista, Holger Czukay, tem vindo a explorar os meandros da mente já na fase em que esta se encontra mergulhada no transe – os seus fantasmas, as suas zonas de menor luminosidade, as suas pulsões que gritam do inconsciente. As técnicas de “dub” que Czukay utiliza em “On the Way to the Peak of Normal”, “Der oste nis Rot” e “Rome remains Rome” e que tão bem servem à criação de realidades sonoras fantasmáticas (Arthur Russell, African Head Charge, Jah Wobble,…) como que foram cavando buracos negros no seu próprio interior, dilatando a dimensão temporal de maneira a reduzir o ritmo à quase sugestão. Faixas como “All night long”, onde não por acaso o baixo de Jah Wobble assume papel preponderante, e a extensa “Rhythms of a secret life” são neste aspecto exemplares. A segunda, uma viagem pela realidade virtual do “cyberspace”, recupera a tradição das “psicotropics” dos Can do duplo “Tago Mago” e o conceito de relatividade: um milionésimo de segundo de percurso pelos circuitos de um computador são ampliados para um filme ao retardador que permite observar com detalhe cada micro-acontecimento. Repare-se na bateria de Jaki Liebezeit, que era o principal motor da orgia rítmica dos Can, e aqui desacelera até ao limite da desagregação, transformando em pontuação subliminar o que antes era multiplicação polirrítmica.
Parecendo numa abordagem superficial que “Moving Pictures”, na riqueza das suas tapeçarias ambientais, se encontra mais próximo dos discos de Czukay com David Sylvian que duma continuação do seu trabalho a solo (descontando o incaracterístico “Radio Wave Surfer”), “Moving Pictures” acaba por ser afinal um álbum que, por tortuosos caminhos, vem ao encontro dos Can. Mas se não se quiser recuar a alguns capítulos brilhantes da história do rock que esta banda assinou, pode sempre olhar-se para Holger Czukay como o rádio-amador eternamente sintonizado nas ondas da Radio Marrakesh. (8)

Holger Czukay – “Movies” + “On The Way To The Peak Of Normal” + Holger Czukay, Jah Wobble & Jaki Liebzeit – “Full Circle”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 29.07.1992


RÁDIO ACTIVIDADE
HOLGER CZUKAY
Movies (9) / On The Way To The Peak Of Normal (9)
CD’s, Electrola, import. Contraverso
HOLGER CZUKAY, JAH WOBBLE & JAKI LIEBZEIT
Full Circle (8)
CD Virgin, import. Lojas Valentim de Carvalho



Membro fundador dos Can, banda germânica formada em 1968, em Colónia, e que influenciou toda uma geração posterior de músicos rendidos às virtualidades da fusão entre o rock e a música étnica, Holger Czukay prosseguiu a solo uma carreira que se pode considerar, de entre as dos restantes membros do grupo, a mais próxima do espírito e das tendências do colectivo original.
O método seguido pelos Can e, em particular, por Czukay é na aparência simples. Trata-se de retomar o transe rítmico da música africana, presente na bateria metronómica de Jaki Liebzeit, e sobrevoá-lo com acidentes instrumentais, um pouco como se à procura de uma estação de rádio, ao acaso. A rádio é, de resto, uma das fixações de Czukay, omnipresente na totalidade dos álbuns dos Can, na capa e nas “Radio pictures series” de “Full Circle” ou no título do álbum “Radio Wave Surfer”. Holger Czukay alimenta-se de ondas curtas, ondas médias e frequência modelada. Hipnose e parasitagem são as duas alavancas que suportam e movem o conceito central do músico. A primeira induzida pela repetição e circularidade. A segunda, no modo como os sons de instrumentos como a trompa, a flauta ou os efeitos electrónicos surgem no tecido rítmico de base, quase como suas emanações. Também as técnicas de colagem, percursoras de posteriores facilidades concedidas pelos “samplers”, de que são exemplos paradigmáticos “My Life in the Bush of Ghosts”, da dupla Brian Eno – David Byrne, ou a obra fabulosa dos italianos Roberto Musci e Giovanni Venosta desempenham um papel fulcral em qualquer dos discos de Czukay.
Jah Wobble, presente em “On the Way to the Peak of Normal” e “Full Circle”, encarregar-se-ia de orientar as pulsações rítmicas no sentido das fantasmagorias dub, entre a transparência espectral que viria a ser explorada por Arthur Russell em “World of Echo” e a maior percentagem de energia recolhida das músicas do mundo, e em particular do Norte de África, que nos Invaders of the Heart encontraria o seu ponto de máxima voltagem. “Movies” (1980), e “On the Way to the Peak of Normal” (1982) não se afastam demasiado dos postulados anunciados em primeira mão pelos Can. Em ambos a bateria de Jaki Liebezeit, outro dos membros fundadores da banda, assume de forma subtil o comando das operações, na criação e sustentação de ambientes tribais que, no caso de “Movies”, são interceptados pelas texturas quase sinfónicas de “Hollywood Symphony” ou pela súbita eclosão feérica, convidando à dança, das vozes étnicas gravadas “a priori” e atiradas para a frente da mistura no desenho melódico de “Persian Love”. 2On the Way to the Peak of Normal” revela, por seu lado, um experimentalismo encaminhado numa direcção mais precisa e uma maior apetência pela repetição, como que a querer realçar ainda mais o poder de hipnose, patente no longo mantra que é “Ode to perfume”, ou então na invenção de um “muzak” abstracto, emq eu os sons se organizam como por um qualquer passe de magia “simpática”, segundo uma lógica de que só Holger Czukay detém o segredo. Em “Full Circle” é mais audível o toque de Jah Wobble. Na voz que parece liquefazer-se, à deriva entre pulsões contraditórias. Nas derrapagens para as vizinhanças do dub que em “Snake Charmer” iriam dar à apoplexia funky. Na maior previsibilidade e no pôr a nu de estruturas Na maior previsibilidade e no pôr a nu de estruturas que em “Movies” e “On The Way to the Peak of Normal” se orientam no sentido do desconhecido. Em qualquer destes dois discos existe uma riqueza de pormenor que explode a cada instante, como se cada fracção de um tema pudesse dar origem a uma infinidade de novas ideias. Dos tais discos onde a cada audição se desvelam novas perspectivas, mantendo-se sempre a frescura da “primeira vez”. “Full Circle” é mais uma cristalização. A solidificação de um conceito conhecido. Uma estação de rádio perfeitamente sintonizada.
Anos mais tarde, Holger Czukay destruiria toda a magia radiofónica, em “Radio Wave Surfer”. Aqui ela permanece, no auge da sua actividade.

Jah Wobble – “Deep Space”

Sons

16 de Abril 1999
DISCOS – POP ROCK


Jah Wobble
Deep Space (6)
30 Hertz, distri. MVM


jw

O paquiderme está de volta. Thomp, thomp, o baixo do ex-PIL por onde passa reduz a mobília a cacos. Por mais que tente, Wobble é mesmo assim, tem a delicadeza de um elefante simpático que, ao contrário de Dumbo, não sabe voar. Quando tentou fazer música ambiental, com Eno, este torceu o nariz e arrependeu-se da brincadeira. Música de dança, também não consegue sair do rés-do-chão. Curiosamente, a sua melhor obra recente acaba por ser um “Requiem” de ressonâncias clássicas que não deve nada a Michael Nyman. Em “Deep Space” a aposta parece ser o pós-rock. Não faltam os sintetizadores analógicos, a fazer borbulhas por todo o lado, nem a presença do baterista dos Can, Jaki Liebezeit. Depois, um título como “The competition of supermassive black holes and galactic spheroids in the destruction of globular clusters” parece ter sido pedido emprestado aos Tangerine Dream. “The immanent” e “The transcendent” arrastam-se em cadências monolíticas onde, apesar de tudo, existe alguma matéria de entretenimento nos sons electrónicos que vão aparecendo e desaparecendo sem que se vislumbre qualquer lógica aparente. “Disks, winds and veiling curtains” conta com a produção e o baixo de Bill Laswell, outro peso-pesado, que confere a este tema o psicadelismo com cheiro a enxofre tão da sua preferência. O lado étnico é garantido por uma vocalização, ultra filtrada, da cantora bósnia Amila Sulejmanovic, e pelas gaitas-de-foles e outras palhetas duplas plastificadas de Jean-Pierre Rasle, outrora digno elemento da banda de folk céltico de fusão, Cock & Bull. No fim de contas, um álbum engraçado.