pop rock >> quarta-feira >> 08.06.1994
Jah Wobble’s Invaders Of The Heart
Take Me To God (6)
Island, distri. BMG
LONGE DE DEUS

Vejamos então o que falta atirar pára o caldeirão: a descarga de autoclismo de uma florista berbere, a samplagem e posterior filtragem, seguida de nova samplagem e finalmente o processamento laser-hiper-ethnovirtual em 16 fragmentos sequenciados, segundo a cabala (3ª edição revista e aumentada com simbologia suméria) de um cortador de relva do Alasca, a cortar relva de uma reserva natural de hipopótamos na Tanzânia e um discurso de Cavaco Silva em gaélico. Sim, penso que já não falta acrescentar mais nada à grande caldeirada com que toda a gente se vai entretendo, na busca da síntese musical do planeta. Jah Wobble, baixista, ex-Public Image, colaborador regular de Holger Czukay (grandes resultados obtidos em “Full Circle”), dos Can, e autor de obras esquisitas como o mini-obscuro “V.J.E.P.” ou o mini-êxtase “Snakecharmer” (com Czukay e The Edge), enveredou com toda a força na “world music” revista por um ex-punk”, após o primeiro álbum dos Invaders of the Heart, “Without Judgement”. Prosseguiu na mesma senda em “Rising over Bedlam”, para a gora finalmente pedir que o levem a Deus.
“Take me to God” decerto não vai levá-lo lá. Embora o esforço seja titânico. Wobble, com o seu baixo musculado no controlo das operações, convidou um número estupidamente grande de convidados para lhe darem um empurrãozinho para cima. Mais luminoso que os Loop Guru, menos tortuoso que os Material, “Take me to God” mistura e volta a misturar os elementos da nova aldeia global, que antes de nascer já está superlotada. África, Ásia, “ragas” com “reggae”, “gospel” com “funk”, jazz com pop, “jozz” com “pap”, mais uns restos célticos, umas sobras “punk”, uns desperdícios de batuque e um comprimido “dub”. Não é grave. Toda a gente anda a fazer o mesmo quando não sabe para onde ir. À falta de outras direcções, escolhe-se Deus.
Os temas são muito longos, as pulsações do baixo pouco variam (aliás, porque será que neste estilo, chamemos-lhe assim, as linhas rítmicas deste instrumento são quase sempre semelhantes – veja-se os Loop Guru, veja-se o próprio Laswell. Será para colar melhor as incertezas?), as vozes sucedem-se sem surpresa, tornando-se o exotismo rapidamente monotonia. As vozes neste caso vêm da irlandesa Dolores O’Riordan, da fusionista indiana Najma, de Gavin Friday (Virgin Prunes), de Abdel Ali Slimani, de Natacha Atlas (Trans Global Underground), dos Chaka Demus & Pliers, do africano Baaba Maal, de Andrea Oliver (ex-Rip, Rig + Panic), de Anneli Drecker, dos Bel Canto, que é quem se sai melhor no atmosférico “When the Storm comes”, entre outros. O jazz contribui com a trombonista Annie Whitehead e o trompetista Harry Beckett, este numa evocação de Miles em “I am the music”. Os Can fazem-se representar desta feita pelo baterista Jaki Liebzeit. Mas há mais, muitos mais. Entre tanta fusão, tanta devoção, tanto panculturalismo, as faixas que resultam melhor são, contudo, aquelas em que a música se está nas tintas para o conceito geral: “Becoming more like God”, com as inflexões sonambúlico – psicadélicas de Wobble, “Take me to God”, muito próxima dos Can, “I ama the music” e “Forever”, estranhamente, ou talvez não, próxima do quarto mundo (agora quinto) de Jon Hassell. O resto é a eternidade, no sentido em que os temas parecem nunca acabar.