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Holger Czukay – “Movies” + “On The Way To The Peak Of Normal” + Holger Czukay, Jah Wobble & Jaki Liebzeit – “Full Circle”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 29.07.1992


RÁDIO ACTIVIDADE
HOLGER CZUKAY
Movies (9) / On The Way To The Peak Of Normal (9)
CD’s, Electrola, import. Contraverso
HOLGER CZUKAY, JAH WOBBLE & JAKI LIEBZEIT
Full Circle (8)
CD Virgin, import. Lojas Valentim de Carvalho



Membro fundador dos Can, banda germânica formada em 1968, em Colónia, e que influenciou toda uma geração posterior de músicos rendidos às virtualidades da fusão entre o rock e a música étnica, Holger Czukay prosseguiu a solo uma carreira que se pode considerar, de entre as dos restantes membros do grupo, a mais próxima do espírito e das tendências do colectivo original.
O método seguido pelos Can e, em particular, por Czukay é na aparência simples. Trata-se de retomar o transe rítmico da música africana, presente na bateria metronómica de Jaki Liebzeit, e sobrevoá-lo com acidentes instrumentais, um pouco como se à procura de uma estação de rádio, ao acaso. A rádio é, de resto, uma das fixações de Czukay, omnipresente na totalidade dos álbuns dos Can, na capa e nas “Radio pictures series” de “Full Circle” ou no título do álbum “Radio Wave Surfer”. Holger Czukay alimenta-se de ondas curtas, ondas médias e frequência modelada. Hipnose e parasitagem são as duas alavancas que suportam e movem o conceito central do músico. A primeira induzida pela repetição e circularidade. A segunda, no modo como os sons de instrumentos como a trompa, a flauta ou os efeitos electrónicos surgem no tecido rítmico de base, quase como suas emanações. Também as técnicas de colagem, percursoras de posteriores facilidades concedidas pelos “samplers”, de que são exemplos paradigmáticos “My Life in the Bush of Ghosts”, da dupla Brian Eno – David Byrne, ou a obra fabulosa dos italianos Roberto Musci e Giovanni Venosta desempenham um papel fulcral em qualquer dos discos de Czukay.
Jah Wobble, presente em “On the Way to the Peak of Normal” e “Full Circle”, encarregar-se-ia de orientar as pulsações rítmicas no sentido das fantasmagorias dub, entre a transparência espectral que viria a ser explorada por Arthur Russell em “World of Echo” e a maior percentagem de energia recolhida das músicas do mundo, e em particular do Norte de África, que nos Invaders of the Heart encontraria o seu ponto de máxima voltagem. “Movies” (1980), e “On the Way to the Peak of Normal” (1982) não se afastam demasiado dos postulados anunciados em primeira mão pelos Can. Em ambos a bateria de Jaki Liebezeit, outro dos membros fundadores da banda, assume de forma subtil o comando das operações, na criação e sustentação de ambientes tribais que, no caso de “Movies”, são interceptados pelas texturas quase sinfónicas de “Hollywood Symphony” ou pela súbita eclosão feérica, convidando à dança, das vozes étnicas gravadas “a priori” e atiradas para a frente da mistura no desenho melódico de “Persian Love”. 2On the Way to the Peak of Normal” revela, por seu lado, um experimentalismo encaminhado numa direcção mais precisa e uma maior apetência pela repetição, como que a querer realçar ainda mais o poder de hipnose, patente no longo mantra que é “Ode to perfume”, ou então na invenção de um “muzak” abstracto, emq eu os sons se organizam como por um qualquer passe de magia “simpática”, segundo uma lógica de que só Holger Czukay detém o segredo. Em “Full Circle” é mais audível o toque de Jah Wobble. Na voz que parece liquefazer-se, à deriva entre pulsões contraditórias. Nas derrapagens para as vizinhanças do dub que em “Snake Charmer” iriam dar à apoplexia funky. Na maior previsibilidade e no pôr a nu de estruturas Na maior previsibilidade e no pôr a nu de estruturas que em “Movies” e “On The Way to the Peak of Normal” se orientam no sentido do desconhecido. Em qualquer destes dois discos existe uma riqueza de pormenor que explode a cada instante, como se cada fracção de um tema pudesse dar origem a uma infinidade de novas ideias. Dos tais discos onde a cada audição se desvelam novas perspectivas, mantendo-se sempre a frescura da “primeira vez”. “Full Circle” é mais uma cristalização. A solidificação de um conceito conhecido. Uma estação de rádio perfeitamente sintonizada.
Anos mais tarde, Holger Czukay destruiria toda a magia radiofónica, em “Radio Wave Surfer”. Aqui ela permanece, no auge da sua actividade.

Jah Wobble’s Solaris – “Live In Concert” + Jah Wobble – “Fly”

(público >> y >> pop/rock >> crítica de discos)
18 Abril 2003


JAH WOBBLE’S SOLARIS
Live in Concert
JAH WOBBLE
Fly
30 Hz, distri. Universal
6|10



Ostentando os números 18 e 19 da série hertziana, “Live in Concert” e “Fly” são os mais recentes desenvolvimentos de Jah Wobble, o paquiderme do baixo. “Live in Concert” reúne uma formação de luxo com o pianista Harold Budd, o baterista dos Can, Jaki Liebezeit, o trompetista com um pé no jazz e outro na “world”, Graham Haynes, e um segundo baixista na pessoa do igualmente proboscídeo Bill Laswell. Apresentado como uma abordagem “holy minimalist” de “texturas jazz, world e dub” embaladas numa “paisagem modal”, “Live in concert” varia entre a jam adrenalínica, o “dub” pneumático de baixas frequências e próteses rítmicas enxertadas a partir do material genético dos Can, com os dois baixos e a “human drum machine” Jaki Liebezeit a carburarem em tandem. Falta subtileza a estas divagações oleosas que deveriam homenagear a fábula metafísica saída da pena de Stanislaw Lem. “Fly” compõe-se de 11 “voos” cuja tripulação integra Clive Bell, Harry Beckett e Jean-Pierre Rasle. De nada valem, porque logo à segunda descolagem a aeronave despenha-se contra as cordilheiras da “etnoseca” com selo Enigma. O resto é a dose habitual de “dub”, funk & house, um magnífico voo nº4 a fazer lembrar o “Requiem” que permanece até à data como a obra mais conseguida do ex-P.I.L e uma sequela requentada da folk universalizante que Jean-Pierre Rasle ajudou a criar nos Cock & Bull. O melhor são as fotos da capa.


Jah Wobble's Solaris – Seven Dials from bandicam on Vimeo.

Jah Wobble – “Deep Space”

Sons

16 de Abril 1999
DISCOS – POP ROCK


Jah Wobble
Deep Space (6)
30 Hertz, distri. MVM


jw

O paquiderme está de volta. Thomp, thomp, o baixo do ex-PIL por onde passa reduz a mobília a cacos. Por mais que tente, Wobble é mesmo assim, tem a delicadeza de um elefante simpático que, ao contrário de Dumbo, não sabe voar. Quando tentou fazer música ambiental, com Eno, este torceu o nariz e arrependeu-se da brincadeira. Música de dança, também não consegue sair do rés-do-chão. Curiosamente, a sua melhor obra recente acaba por ser um “Requiem” de ressonâncias clássicas que não deve nada a Michael Nyman. Em “Deep Space” a aposta parece ser o pós-rock. Não faltam os sintetizadores analógicos, a fazer borbulhas por todo o lado, nem a presença do baterista dos Can, Jaki Liebezeit. Depois, um título como “The competition of supermassive black holes and galactic spheroids in the destruction of globular clusters” parece ter sido pedido emprestado aos Tangerine Dream. “The immanent” e “The transcendent” arrastam-se em cadências monolíticas onde, apesar de tudo, existe alguma matéria de entretenimento nos sons electrónicos que vão aparecendo e desaparecendo sem que se vislumbre qualquer lógica aparente. “Disks, winds and veiling curtains” conta com a produção e o baixo de Bill Laswell, outro peso-pesado, que confere a este tema o psicadelismo com cheiro a enxofre tão da sua preferência. O lado étnico é garantido por uma vocalização, ultra filtrada, da cantora bósnia Amila Sulejmanovic, e pelas gaitas-de-foles e outras palhetas duplas plastificadas de Jean-Pierre Rasle, outrora digno elemento da banda de folk céltico de fusão, Cock & Bull. No fim de contas, um álbum engraçado.