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Vários (Barzaz, Battlefield Band, Uxia, Sétima Legião, Barabàn, Chieftains) 4º Festival Intercéltico – “Peregrinos”

pop rock >> quarta-feira, 31.03.1993


PEREGRINOS

O Festival Intercéltico do Porto, chegado à quarta edição, tornou-se uma instituição. Mais do que uma série de espectáculos musicais de música tradicional, o Intercéltico é um local de peregrinação onde, no princípio da Primavera, arribam os apreciadores e amantes destas música com raiz na eternidade. São três dias de festa no verdadeiro sentido da palavra: de celebração, de “diálogo e convívio entre as diferentes músicas e tradições de povos com um passado comum”, como afirma a organização. Os concertos podem ser melhores ou piores, mas o ambiente é único. Come-se bem, bebe-se melhor, ouve-se música, mergulha-se no âmago de uma cultura que também é a nossa. “Celta”, ou “céltico”, o termo está hoje na moda. Mas por detrás do folclore e das imagens que vão formando o “puzzle” de uma Europa genuína, está o amor a uma causa e muito trabalho. Porque nem só de música vive um festival, a organização (desde a primeira hora da responsabilidade da equipa da MC-Mundo da Canção) compreendeu a necessidade de um enquadramento à altura. É assim que, uma vez mais, o Intercéltico apresenta uma lista de actividades paralelas que neste ano incluem conferências, exposições, videorama, artesanato, banca de discos e revistas e a iniciação ao vidicuestla, o antigo jogo de xadrez celta.
Para completar o círculo (ou a espiral…), refira-se ainda a publicação, à semelhança do que aconteceu nos anos transactos, de um livro-programa de 160 páginas sobre o festival, com informação detalhada sobre a programação, incluindo textos e discografias dos artistas presentes, uma “bibliografia céltica”, uma compilação das leis (delirantes) dos Brehons, ou seja, as leis antigas da Irlanda, e até esquemas pormenorizados de algumas jogadas de vidicuestla…
Um elogio especial para Mário Correis, da organização, pelo notável trabalho de investigação e divulgação levado a cabo. Agora é tempo de fazer as malas, rumar ao Porto e viver um fim-de-semana diferente. Num tempo e num local que parecem ter sido tocados pela magia de Merlin. Na companhia das fadas, duendes e elfos que existem, porque a imaginação os materializa. O Festival Intercéltico é essa teia cruzada do mito com a actualidade, do ancestral com o moderno. Ritual de comunhão com a nossa identidade mais profunda.

O DESPERTAR DOS MÁGICOS



Barzaz e Battlefield Band preenchem o cartaz musical do primeiro dia do festival. Vibrantes os primeiros, transportam consigo a força dos rochedos e das ondas do mar que esculpe as costas da Bretanha. Mais serenos os segundos, abrigados de momento na calma enseada de um lago escocês.
Inseridos no movimento de renovação da tradição musical bretã encetada nos anos 70 por Alan Stivell, os Barzaz resultam da confluência de projectos anteriores dos seus membros, investidos da missão de levar a música da Bretanha aos círculos exteriores do mundo celta. Assim, na árvore genealógica do grupo descobrem-se os ramos Skolvan, Galorn, Kornog e La Mirlintantouille. Os Barraz fazem da beleza, por vezes rude, da música bretã uma arma contra aqueles a quem a história da Bretanha, “secreta e controversa”, incomoda, os mesmos que “ocupam os lugares do poder” e que interpretam essa História “de forma a melhor poderem dispor das suas gentes e do seu tempo”.
Os Battlefield Band são a instituição folk por excelência da Escócia. “Forward with Scotland’s Past” é o seu lema. Existem há décadas e passaram incólumes pelas tempestades. Da formação original resta o vocalista e teclista Alan Reid. O espírito, esse, manteve-se. Traçaram ao longo de uma vasta discografia os contornos da tradição escocesa sem nunca voltarem costas aos problemas sociais do presente. Juntam o canto da tragédia à dança e aos ritos da terra. O novo álbum, “Quiet Days”, é mais intimista que os anteriores. Uma pausa e um segredo entre o clamor da batalha.

A Voz E O Fogo

Sexta-feira é dia ibérico. Actuam Uxia e os Sétima Legião. Para a cantora galega Uxia significa o regresso ao Intercéltico, depois da sua aclamada participação, no ano passado, no projecto “Bailia das Flores” de Tentúgal. Uma voz, belíssima, com frequência desaproveitada. Esteve ligada ao grupo Na Lua onde a sua luz depressa começou a ofuscar os restantes músicos. Disse uma vez numa entrevista: “o importante nun cantor ou cantora é que prevaleza a voz; caquera instrumento que a oculte dificulta a sua comprénsion.” Não por acaso, o melhor trabalho dos Na Lua, “Estrela de Maio”, é aquele em que as vocalizações de Uxia surgem com maior proeminência. Abandonou entretanto o grupo para gravar um álbum algo incaracterístico, “Entre Cidades”, onde é sensível a falta de uma direcção definida. Porque não reatar as maravilhas do seu primeiro trabalho a solo, “Foliada de Marzo”?
Quanto aos Sétima Legião, cujo último álbum, “O Fogo”, foi mal recebido por alguma crítica, vão apresentar no Intercéltico um espectáculo especialmente concebido para o efeito que privilegiará as conotações célticas da sua música. Ao vivo, costumam criar um ambiente festivo, bastante diferente da melancolia que caracteriza os trabalhos discográficos da banda. Veremos se é desta que acendem o fogo.

Celebração

Absolutamente a não perder, o terceiro e último dia do Intercéltico. Com dosi grupos de passdo diferente mas ambos de qualidade musical fora de série: Barabàn, de Itália, e Chieftains, os reis magos da folk irlandesa.
Formados em Milão em 1982, os Barabàn dedicam-se ao estudo e interpretação da música do Norte de Itália, em particular da Lombardia e do Piemonte. Em disco, assemelham-se em sonoridade aos La Ciapa Rusa, seus vizinhos piemonteses. Baladas, canções de embalar, cantos satíricos e militares ou de protesto, cantigas de jograis e outros modos característicos da tradição (jigas, valsas, alessandrinas, monferrinas, curentas, sestrinas, “carmagnolas”, tuninas, “saltarelos”, …), recolhidos, na maioria, por Aurelio Citelli e Giuliano Graso, compõem o reportório básico dos Barabàn, servido pela utilização de instrumentos típicos da região: o “organetto” diatónico, flautas, ocarinas, sanfona e, claro, o “piffero” e a “musa” (incluindo a variante solista, a “piva”), a gaita-de-foles do Piemonte. Vão ser decerto, a par dos Barzaz, uma das revelações do festival.
Finalmente, os Chieftains encerram em glória o festival. Já não há palavras que cheguem para traduzir a importância desta banda lendária. Hoje, os Chieftains, como se tivessem uma varinha mágica, transformam em ouro tudo em que tocam. Depois de anos e anos a levarem ao mundo a música da Irlanda, passaram a trazer a música do mundo para a Irlanda. E a transformá-la por dentro. Levaram os caminhos da Irlanda ao encontro da China (“The Chieftains in China”), da Bretanha (“Celtic Wedding”) e dos Estados Unidos (“Another Country”). Cumpriram o ciclo nesse ritual apolíneo de convergência dos povos celtas que é “Celebration”.
Autêntica universidade da tradição onde leccionam alguns dos melhores instrumentistas da Irlanda, os Chieftains iluminaram diversos aspectos da cultura e da História desta nação onde ainda habitam as divindades antigas. O rock presta-lhes actualmente vassalagem. Eles retribuem e convidam músicos dessa área para participar nos seus álbuns, mantendo intacta a originalidade e a magia. Mas acabam sempre por regressar ao altar verde da única religião que professam – a música da ilha que lhes é exterior e interior, a Irlanda. O novo álbum, “The Celtic Harp”, tem a participação da Belfast Harp Orchestra. Nesta segunda vinda dos Chieftains a Portugal, ouçam-nos com os sentidos alerta, mas também com o coração.

Todos os espectáculos no Teatro Rivoli, com início às 21h30.

ACTIVIDADES PARALELAS

CONFERÊNCIAS: “L’Art des Celtes”, 1 de Abril, no Institut Français do Porto, e “L’Europe des celtes, V ème-Ier siècle a, C.”, dia 2, na Faculdade de Letras do Porto, ambas por Venceslas Kruta.

EXPOSIÇÕES: “Instrumentos Populares Portugueses”, 26 de Março a 18 de Abril, na Rua da Reboleira, Ribeira.
“Suonatori e Strumanti Popolari de’llApenninni”, 30 de Março a 3 de Abril, no Teatro Rivoli.

ARTESANATO: “Pablo Leal – um artesão galego”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

VIDEORAMA: “Imagens Musicais Intercélticas”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

DISCOS / REVISTAS: “A música celta e a folk europeia”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

TEMPO LIVRE: “Vidicuestla – o jogo de xadrez celta”, 1 a 3 de Abril, Teatro Rivoli.

Uxia – “Uxia Nas Cidades Da Lua” (entrevista)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 15.04.1992


UXIA NAS CIDADES DA LUA

No recente Festival Intercéltico, a cantora galega Uxia, em apenas duas canções, redimiu “Bailia das Frores” de todos os pecados. Com um álbum de viagens solitárias, “Entre Cidades”, agora editado, a antiga vocalista dos Na Lua dá testemunho da Galiza ao resto do mundo.



Uxia abandonou os Na Lua. No contexto instrumental da banda, a voz soava a mais. Sem ela, a Lua escureceu e deixou de brilhar. Em Portugal, integrada na “Bailia das Frores”, do português Tentúgal, mostrou que ela é quem tem razão. Acabou de lançar no mercado o álbum a solo “Entre Cidades”, que terá provável distribuição entre nós pela Mundo da Canção. Novos músicos e novas ideias empurram-na para uma via intermédia entre a tradição galega e a modernidade. O PÚBLICO esteve com ela no Porto, para saber da lua, das cidades sem “textos anacrónicos” e da vida musical a norte do Minho.
PÚBLICO – Que motivos a levaram a abandonar os Na Lua?
UXIA – Sobretudo na fase recente do grupo, comecei a ter dúvidas quanto à minha função dentro dele. Os Na Lua sempre foram em primeiro lugar um grupo instrumental, que ocasionalmente trabalhou com a voz. A inclusão da minha voz acabava por não resultar e por tornar-se secundária. Havia pouca coerência. Isso notava-se, na diferença grande que existia entre os temas onde eu cantava e os instrumentais – era quase uma mudança de estilo.
P. – Depois do abandono, tem já algum novo projecto?
R. – Sim, estou a trabalhar com um grupo de músicos com quem posso fazer aquilo que quero: Cándido Lorenzo, que toca clarinete, flauta e “gaita” [gaita-de-foles]; Antón Rodriguez, dos Na Lua, “gaita”, flauta e saxofone; Xosé Paz Antón, também dos Na Lua, bateria e guitarra eléctrica e Natcho Munoz, teclados.
P. – Os mesmos que participam na sua estreia discográfica a solo, “Entre Cidades”?
R. – Não, este disco foi feito praticamente só com o Quico [Francisco Alvarez] e o Xosé Paz Antón, dos Na Lua, e o Júlio Pereira, que toca sintetizador num dos temas. É um disco de procura de uma linha musical própria, que pode soar um pouco frio por haver poucos músicos e instrumentação.

O Despertar Das Vozes

P. – “Entre Cidades” tem pouco que ver com a música tradicional…
R. – Sim, é verdade, se bem que nalguns casos os timbres da voz derivem daí e noutros apareça uma ou outra melodia popular. No futuro, penso que nos iremos voltar mais para a música popular. Ou pelo menos procurar uma via intermédia. O problema diz respeito, sobretudo, aos textos populares, que acabam às vezes por ser um pouco anacrónicos. Por vezes não me sinto identificada com as palavras. Neste momento estou eu própria a escrever alguns poemas, algo que, por uma espécie de pudor, nunca fiz anteriormente.
P. – Qual a sua posição sobre a música tradicional que se faz hoje na Galiza, em que de uma primeira fase de forte componente nacionalista se passou para cedências sucessivas ao rock, como aconteceu por exemplo no recente “Intercéltico”, com os Matto Congrio, ou os próprios Na Lua, há dois anos?
R. – São opções, todas elas respeitáveis. De certa forma, ninguém sabe muito bem para onde ir. Nalguns casos, experimentou-se sem se aprofundar mais a sua música até chegar a um estilo pessoal que não teria forçosamente de se incluir no lugar-comum do “folk rock”. Mas é de toda a justiça frisar que na Galiza estão a surgir grupos com novas ideias – os Armeguin, por exemplo [editaram o álbum “Viaxantes da Luz”, uma espécie de “new age” tradicional galega]. Por outro lado, ressurgem um pouco por toda a Galiza as “pandeiretadas” tradicionais que estavam esquecidas e os Milladoiro recuperaram em “Galicia no Pais das Maravilhas”. Também se assiste ao despertar das vozes, tão menosprezadas na Galiza.
P. – Como explica a predominância dos grupos instrumentais no panorama da música tradicional galega?
R. – O que se passa é que muitos grupos se inspiraram nos Milladoiro, que são exclusivamente instrumentais. Mas, para um país que pretenda fazer uma música que se possa considerar sua, é imprescindível cantar.

Coligação Galaico-Portuguesa

P. – Fala-se muito da aproximação e da identidade cultural entre o Norte de Portugal e a Galiza, mas na prática pouco tem sido feito no sentido de uma colaboração efectiva e regular entre as duas regiões.
R. – Sou uma grande defensora da ligação entre Galiza e Portugal, mas reconheço que pouco tem sido feito por ambas as partes. No meu caso e dos Na Lua, desde o início que houve contactos e referências portuguesas: o maior êxito dos Na Lua chama-se “Dublin / Coimbra”. Em “Estrela de Maio”, há o tema “As Flores de Viana” e uma versão do Zeca Afonso “Maio Maduro Maio”. Nas “Ondas do Mar de Vigo”, o produtor foi Júlio Pereira e o Fausto cantou uma canção de parceria comigo. No meu disco a solo, o Júlio Pereira volta a estar presente e há uma canção sobre Lisboa… Em termos de música popular, Portugal é dos países mais ricos que tenho conhecido. Vou propor ao Tentúgal fazer uma espécie de circuito entre a Galiza e Portugal, com espectáculos meus e dos Vai de Roda.
P. – Parece existir uma certa desunião entre os músicos galegos que impede uma maior projecção da música galega no mundo.
R. – Fundou-se em tempos, na Galiza, uma associação que procurava criar uma plataforma de entendimento entre os músicos. À terceira reunião, a associação fechou… os músicos galegos são um pouco anárquicos, e tudo acabou por ficar muito confuso. De qualquer forma, foi a primeira vez que na Galiza se juntaram cerca de 15 grupos para discutir ao redor de uma mesa. Quanto à televisão e à rádio oficiais, marginalizam por completo esta música. Na Catalunha houve um protesto público da Maria Del Mar Bonnet. Aqui há urgência em fazer a mesma coisa.
P. – Um programa como Mar A Mar, que passou durante algumas noites na RTP, serve de algum modo os interesses da genuína música da Galiza?
R. – Era um programa mau. Muitos grupos galegos, a maior parte de segunda fila, passaram por aí, mas realmente não faz sentido pôr um “ballet” de “não sei quê” no mesmo cenário de um grupo folk, que normalmente saía sempre desvalorizado ali metido no meio. Era necessário que a televisão tivesse mais imaginação, um programa do tipo do vosso Outras Músicas. O Mar A Mar dava uma imagem equivocada da Galiza.

Bailia Das Frores, Uxia, António Tentúgal, llan De Cubel – “Novo Projecto De António Tentúgal Desilude No Segundo Dia Do Intercéltico – Bailia À Desgarrada” (festivais / intercéltico / céltica)

Cultura >> Domingo, 05.04.1992


Novo Projecto De António Tentúgal Desilude No Segundo Dia Do Intercéltico
Bailia À Desgarrada


Nem sempre o gigantismo é a melhor solução. Prova-o o novo e ambicioso projecto de Tentúgal, “Bailia das Frores”, apresentado no Teatro Rivoli do Porto, que pecou por falta de rodagem. Os asturianos Llan de Cubel mostraram que o essencial pode ser dito em poucas palavras. Sem perder o coração.



“Bailia das Frores”, o projecto galaico-português montado por Tentúgal para a segunda edição do Intercéltico, a decorrer no Porto, falhou onde deveria ter acertado: no ritmo e na alegria. À desmesura da ideia – uma espécie de demanda das origens mítico-históricas comuns a Portugal e à Galiza – correspondeu uma sucessão de quadros soltos em que o aspecto “folclórico” e construção em excesso acabaram por vencer qualquer tipo de discurso. Valeram os momentos em que a música se sobrepôs ao peso das intenções. Assim aconteceu quando a voz de Uxia, uma cantira galega caída da lua, fez esquecer a Geografia e a História para nos devolver, em apenas duas canções, a beleza que dispensa máscaras e disfarces. Canções de luz.
À partida, “Bailia das Frores” tudo prometia. Meia-hora antes do espectáculo começar na sala já o “hall” e o primeiro piso do teatro Rivoli vibravam ao choque dos paus e aos gemidos da gaita-de-foles dos pauliteiros do Orfeão Universitário do Porto, e às pantominices dos bugios e mouriscos de Sobrado. Instalados a confusão, a festa e o espanto, aguardava-se o resto da procissão. Do adro ao interior da Igreja, as cantadeiras do Neiva, de candeias acesas, romaram e cantaram por entre as frisas da plateia em direcção ao palco. Depois o filme partiu-se.
Ficaram imagens, sons e cores desgarrados. Fotogramas em vez de película em movimento. Fernando Meireles, Carlos Guerreiro, Amadeu Magalhães e Tentúgal giraram compenetrados as manivelas das sanfonas, em “Ai flores, ai flores do verde pino” que não floriram, muito por culpa do som que várias vezes falhou ao longo da noite. Ressalve-se a vocalização de Carlos Guerreiro, que teve a força e a emotividade adequados a um tema composto por D. João IV.

Uxia, Mais Alto

Jorge Mota, o “pivot” da cerimónia, cumpriu o que se lhe pedia e arrancou algumas gargalhadas da plateia. Ensinou-nos, por exemplo, a distinguir um pauliteiro de uma mirandesa (é preciso saber que ambos vestem saias): “Mete-se a mão por baixo da saia. Se encontrarmos uma gaita-de-foles é um pauliteiro. Se descobrirmos uma gaita de beiços, é uma mirandesa”.
As cantadeiras do Neiva (por acaso uma delas até tinha bigode) cantaram e ajoelharam num “Pai do Ladrão” pitoresco e genuinamente popular. Já os gaiteiros Francisco Bouzo, Nuno Cristo e Paulo Marinho, este último dos Sétima Legião, não atinaram com o fole e a palheta, recordando a necessidade de se criar entre nós, à semelhança do que acontece na Galiza, uma escola do instrumento. Os pauliteiros rodaram as saias e bateram os paus, como lhes competia. Saltaram os bugios, sem que alguém na sala percebesse porque saltavam.
Em palco os músicos iam-se amontoando até haver suficientes para uma “suite-expresso” pelo périplo celta da qual constaram um “an dro” bretão, a enésima versão do “B-A-Ba” irlandês de “Maggie in the Woods” e uma “pasacorredoira” galega. Tentúgal e os outros Vai de Roda presentes bem poderiam ter dispensado o resto da companhia.
A salvação chegou com Uxia, que interpretou duas belíssimas canções apoiada pelos teclados discretos de Pancho, seu antigo companheiro nos Na Lua, que ao longo da “Bailia” tocou também violino. Na memória ficou ainda o tema final (repetido no “encore”), “A roupa do marinheiro”, entoado primeiro pelas cantadeiras do Neiva e em seguida servindo de pretexto para todos os participantes se reunirem em palco para o “tudo ao molhe e fé em deus” final. Com a voz de Uxia de novo a elevar-se mais alto que a restante massa humana. A esta “bailia” faltou o ardor da paixão. Porque os celtas sempre preferiram o fogo da intuição à frieza dos conceitos.

Astúrias Irlandesas

Na segunda parte do programa os asturianos Llan de Cubel dispensaram todo e qualquer artifício para se centrarem no essencial. José Manuel Cano e Elias Garcia, respectivamente na guitarra e bouzouki, construíram o suporte rítmico eficaz sobre o qual discorreram o violino de Gusmán Marqués (um portento de concisão e subtileza, o tipo de violinista que se insinua ao invés de se impor), a flauta de Marcos Llope (também inexcedível de técnica) e a gaita asturiana e o acordeão de Fonsu Mielgo. Pese embora uma certa homogeneização e “irlandisação”, os Llan de Cubel provaram que a tradição do seu país permanece viva e actuante. Em “muineras”, rumbas, valsas, villaneicos e rabeladas vertiginosos ou em canções como “La cleva”, “Arrisha”, “Xunan de Mieres” ou “Nel campu faeva flores” extraídas dos álbuns “Dova” e “Na Llende”.