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Bailia Das Frores, Uxia, António Tentúgal, llan De Cubel – “Novo Projecto De António Tentúgal Desilude No Segundo Dia Do Intercéltico – Bailia À Desgarrada” (festivais / intercéltico / céltica)

Cultura >> Domingo, 05.04.1992


Novo Projecto De António Tentúgal Desilude No Segundo Dia Do Intercéltico
Bailia À Desgarrada


Nem sempre o gigantismo é a melhor solução. Prova-o o novo e ambicioso projecto de Tentúgal, “Bailia das Frores”, apresentado no Teatro Rivoli do Porto, que pecou por falta de rodagem. Os asturianos Llan de Cubel mostraram que o essencial pode ser dito em poucas palavras. Sem perder o coração.



“Bailia das Frores”, o projecto galaico-português montado por Tentúgal para a segunda edição do Intercéltico, a decorrer no Porto, falhou onde deveria ter acertado: no ritmo e na alegria. À desmesura da ideia – uma espécie de demanda das origens mítico-históricas comuns a Portugal e à Galiza – correspondeu uma sucessão de quadros soltos em que o aspecto “folclórico” e construção em excesso acabaram por vencer qualquer tipo de discurso. Valeram os momentos em que a música se sobrepôs ao peso das intenções. Assim aconteceu quando a voz de Uxia, uma cantira galega caída da lua, fez esquecer a Geografia e a História para nos devolver, em apenas duas canções, a beleza que dispensa máscaras e disfarces. Canções de luz.
À partida, “Bailia das Frores” tudo prometia. Meia-hora antes do espectáculo começar na sala já o “hall” e o primeiro piso do teatro Rivoli vibravam ao choque dos paus e aos gemidos da gaita-de-foles dos pauliteiros do Orfeão Universitário do Porto, e às pantominices dos bugios e mouriscos de Sobrado. Instalados a confusão, a festa e o espanto, aguardava-se o resto da procissão. Do adro ao interior da Igreja, as cantadeiras do Neiva, de candeias acesas, romaram e cantaram por entre as frisas da plateia em direcção ao palco. Depois o filme partiu-se.
Ficaram imagens, sons e cores desgarrados. Fotogramas em vez de película em movimento. Fernando Meireles, Carlos Guerreiro, Amadeu Magalhães e Tentúgal giraram compenetrados as manivelas das sanfonas, em “Ai flores, ai flores do verde pino” que não floriram, muito por culpa do som que várias vezes falhou ao longo da noite. Ressalve-se a vocalização de Carlos Guerreiro, que teve a força e a emotividade adequados a um tema composto por D. João IV.

Uxia, Mais Alto

Jorge Mota, o “pivot” da cerimónia, cumpriu o que se lhe pedia e arrancou algumas gargalhadas da plateia. Ensinou-nos, por exemplo, a distinguir um pauliteiro de uma mirandesa (é preciso saber que ambos vestem saias): “Mete-se a mão por baixo da saia. Se encontrarmos uma gaita-de-foles é um pauliteiro. Se descobrirmos uma gaita de beiços, é uma mirandesa”.
As cantadeiras do Neiva (por acaso uma delas até tinha bigode) cantaram e ajoelharam num “Pai do Ladrão” pitoresco e genuinamente popular. Já os gaiteiros Francisco Bouzo, Nuno Cristo e Paulo Marinho, este último dos Sétima Legião, não atinaram com o fole e a palheta, recordando a necessidade de se criar entre nós, à semelhança do que acontece na Galiza, uma escola do instrumento. Os pauliteiros rodaram as saias e bateram os paus, como lhes competia. Saltaram os bugios, sem que alguém na sala percebesse porque saltavam.
Em palco os músicos iam-se amontoando até haver suficientes para uma “suite-expresso” pelo périplo celta da qual constaram um “an dro” bretão, a enésima versão do “B-A-Ba” irlandês de “Maggie in the Woods” e uma “pasacorredoira” galega. Tentúgal e os outros Vai de Roda presentes bem poderiam ter dispensado o resto da companhia.
A salvação chegou com Uxia, que interpretou duas belíssimas canções apoiada pelos teclados discretos de Pancho, seu antigo companheiro nos Na Lua, que ao longo da “Bailia” tocou também violino. Na memória ficou ainda o tema final (repetido no “encore”), “A roupa do marinheiro”, entoado primeiro pelas cantadeiras do Neiva e em seguida servindo de pretexto para todos os participantes se reunirem em palco para o “tudo ao molhe e fé em deus” final. Com a voz de Uxia de novo a elevar-se mais alto que a restante massa humana. A esta “bailia” faltou o ardor da paixão. Porque os celtas sempre preferiram o fogo da intuição à frieza dos conceitos.

Astúrias Irlandesas

Na segunda parte do programa os asturianos Llan de Cubel dispensaram todo e qualquer artifício para se centrarem no essencial. José Manuel Cano e Elias Garcia, respectivamente na guitarra e bouzouki, construíram o suporte rítmico eficaz sobre o qual discorreram o violino de Gusmán Marqués (um portento de concisão e subtileza, o tipo de violinista que se insinua ao invés de se impor), a flauta de Marcos Llope (também inexcedível de técnica) e a gaita asturiana e o acordeão de Fonsu Mielgo. Pese embora uma certa homogeneização e “irlandisação”, os Llan de Cubel provaram que a tradição do seu país permanece viva e actuante. Em “muineras”, rumbas, valsas, villaneicos e rabeladas vertiginosos ou em canções como “La cleva”, “Arrisha”, “Xunan de Mieres” ou “Nel campu faeva flores” extraídas dos álbuns “Dova” e “Na Llende”.

Matto Congrio, Maddy Prior Band, Bailia Das Frores, Llan De Cubel, Bleizi Ruz, De Danann “Terceira Edição Do Intercéltico Começa Hoje No Porto – Pelo Caminho Das Estrelas”

Cultura >> Quinta-Feira, 02.04.1992

Terceira Edição Do Intercéltico Começa Hoje No Porto
Pelo Caminho Das Estrelas

Durante três dias, a música folk vai trazer de volta a animação à cidade do Porto, com gaitas-de-foles, violinos e bombardas. É o Festival Intercéltico, na sua terceira edição, tornado “ex-libris” cultural da capital nortenha. “Estes celtas são loucos”, já dizia Obélix. Ao Porto vai-se pelas estrelas.



Ao contrário das duas anteriores edições, em que a programação incidiu em regiões específicas do mundo celta, casos da Galiza em 1990, e da Bretanha, em 1991, este ano o Intercéltico estende-se à Irlanda, Inglaterra, Bretanha, Astúrias, Galiza e Portugal, de maneira a, pela primeira vez, fazer jus à designação que ostenta. De Danann, Maddy Prior Band, Bleizi Ruz, Llan de Cubel, Matto Congrio e uma “bailia das frores” encenada por António Tentúgal são os nomes agendados.
Também o leque das chamadas actividades paralelas se alargou. A organização – da Mundo da Canção, numa iniciativa do pelouro da Cultura da Câmara Municipal do Porto – voltou a apostar numa política de enquadramento cultural do certame, que visa fomentar, de facto, e não ao sabor de oportunismos a reboque da moda, o gosto do público pela música tradicional.
Assim, desde segunda-feira e até sexta, funciona no teatro Rivoli, no Porto, um Curso de Aproximação à gaita galega, em regime de seminário aberto ao público, com a participação do gaiteiro D. Jesus Olimpio Giraldez Rio. Tempo dos jovens portugueses ganharem pulmão e soprarem com força nas gaitas. Nas gaitas alheias porque infelizmente as nossas desafinam.
Mas há outras coisas para aprender e entreter neste Intercéltico que dispensam a utilização da caixa toráxica. Por exemplo: uma exposição de instrumentos musicais (no CRAT – Centro Regional de Artes Tradicionais) e outra sobre o barco Rabelo (embarcação que figura no logotipo, criado pela primeira vez para o festival, por Tentúgal). Ou videoramas e diaporamas sobre as nações célticas, com música e paisagens a condizer. Para quem quiser comprar os discos e livros da praxe haverá uma banca bem recheada logo à entrada do Rivoli. E porque não adquirir um artefacto de inspiração céltica, construído por um artesão galego, digamos, o caldeirão de Panoramix, um saquinho com restos de Stonehenge ou uma miniatura da catedral de Santiago de Compostela.
Festa é festa e por isso não faltará a gastronomia. Fala-se à boca pequena numas queimadas galegas a realizar em local incerto. Os verdadeiros degustadores celtas poderão sempre seguir a pista pelo olfacto. “O que está em cima é como o que está em baixo.” Os caminhos do céu correspondem aos da terra. E aos do estômago.

caixa
GRUPOS INTERVENIENTES
Quinta-Feira, 2 de Abril
MATTO CONGRIO (Galiza)
A Galiza tradicional dá as mãos à pop, ao rock e á “salsa”. Os Matto Congrio não têm preconceitos. Carlos Nunez, líder e gaiteiro da banda, tem uma folha de serviços de se lhe tirar o chapéu: trabalhous com o grupo de gaitas “Xarabal” com o qual gravou a caixa (4 LPs) “Instrumentos Populares Galegos”, participou no duplo CD “Cornemuses en Europe” (gravação ao vivo com os melhores gaiteiros solistas da Europa, no festival da Cornualha, disponível por altura do Intercéltico), e gravou com os Chieftains a banda sonora de “A Ilha do Tesouro”. Os restantes Matto Congrio são Anxo Lois Pintos (gaita-de-foles, violino), Santiago Cribeiro (acordeão, teclados), Diego Bouzón (guitarras), Pancho Alvarez (baixo, bandolim) e Isaac Palacin (bateria, percussões).

MADDY PRIOR BAND (Inglaterra)
Esteve no Folk Tejo do ano passado onde as condições acústicas não perdoaram. Para Maddy Prior, vocalista dos Steeleye Span, “irmã” de June Tabor das Silly Sisters e intérprete de música antiga na Carnival Band, o regresso a Portugal constitui uma espécie de vingança. A sua voz justifica por si só toda a atenção, sejam quais forem os músicos acompanhantes, neste caso: Nick Holland (teclados), Richard Lee (contrabaixo), Mick Dyche (percussões) e Steve Anftee (guitarra). Discografia seleccionada: “Please to see the King”, “Tem Man Mo por Mr. Reservoir Butler Rides Again”, “Below the Salt” e “Parcel of Rogues” (todos com os Steeleye Span), “Summer Solstice”, “Folk Songs of The Olde England”, vols. 1&2, (com Tim Hart), “No More to the dance” (Silly Sisters), “A Tapestry of Carols” (Carnival Band).

Sexta-Feira, dia 3
BAILIA DAS FRORES (Portugal / Galiza)
Projecto de António Tentúgal, que utilizará todo o espaço do teatro Rivoli para recriar o ambiente e os mitos da Ibéria medieval. Cerimónia que girará à volta dos quatro elementos que ligam Portugal e a Galiza: a terra, o mar, a saudade e a língua. Com músicos dos Vai de Roda e alguns convidados especiais: a cantora Uxia (ex-na Lua), um gaiteiro galego, Paulo Marinho (Sétima Legião), três sanfonineiros portugueses (que equivalem a 100% do total nacional), cantadeiras, pauliteiros, palhaços, bugios e o mais que se verá. Discografia: “Vai de Roda”, “Terreiro das Bruxas”.

LLAN DE CUBEL (Astúrias)
Utilizando uma instrumentação exclusivamente acústica, o reportório dos Llan de Cubel inclui, para além do folclore asturiano, tradicionais da Irlanda, Escócia, Bretanha e País de Gales. Tocaram ao lado de Alan Stivell, Oskorri, Chieftains, Tannahill Weavers, Milladoiro e Capercaillie, entre outros. Formação composta por Jose Manuel Cano (guitarra), Guzmán Maqués (violino, bouzouki, voz), Elias Garcia (bouzouki, voz), Marcos Llope (flauta, tin whistle, voz) e Fonsu Mielgo (acordeão, tambor e gaita-de-foles asturianos, tin whistle, voz). Discografia: “Deva”, “Na Llende”.

Sábado, dia 4
BLEIZI RUZ (Bretanha)
Os Bleizi Ruz (lobos vermelhos) há 18 anos que animam as tradicionais “Fest noz” (à letra: festas de noite) da Bretanha. Celebraram o aniversário com um disco ao vivo, “En Concert”. Aliás, para estes bretões (“ils sont fous ces bretons”, como diria Obélix) todas as ocasiões são boas para celebrar. Por isso a sua música assimilou ao longo dos anos as influências irlandesas, galegas, balcânicas ou a “cajun” do Louisiana. Para dançar sempre, seja qual for a origem do ritmo. A vertente séria pode ser encontrada nos “kan há’ diskan” (cantos de resposta) em que são peritos. Cantados em bretão porque “essa é uma forma de se ser bretão”. Os lobos são Eric Liorzou (guitarra, bandolim, sintetizador, voz), Bem Creach (baixo) e Bernard Quillien (bombardas, flauta, gaita-de-foles, voz). Discografia selecionada: “Coz Liorzou”, “Klask ar Plac ‘h”, “Pell há Kichen”.

De Danann (Irlanda)
Banda lendária, do “folk revival” irlandês dos anos 70, ao lado dos Planxty e dos Bothy Band. Sobreviveram da formação original o flautista (violinista Frankie Gavin e Alec Finn (guitarra, bouzouki). Pelos De Danann passaram, ao longo de várias formações, grandes vocalistas femininas como Dolores Keane, Mary Black ou Maureen O’Connor, presentes as três no álbum “Song for Ireland”. No Porto a responsabilidade cabe a Eleanor Shanley. Completam a formação que actuará no Intercéltico Arty McGlynn (outro grande guitarrista), Colin Murphy (bodhran) e Aidan Coffey (acordeão). Discografia selecionada: “De Danann”, “Selected Jigs, Reels & Songs”, “A Song for Ireland”, “Ballroom”, “Anthem”.