Arquivo da Categoria: Rock

Sidsel Endresen – “Exile”

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


Sidsel Endresen
Exile
ECM, distri. Dargil



De onde caiu esta voz da qual não conseguimos definir ao certo a temperatura? Sidsel Endresen é uma norueguesa de olhar distante, em cuja figura se agitam os reflexos dos fiordes e de uma aurora boreal do grande Norte. Nunca temos a certeza se esta voz nos queima ou enregela. É um timbre único. Com o recorte fino de uma lâmina, cujo gume aparece tingido por uma perturbante gota de sangue. Já era assim no álbum anterior, “So I Write”, de 1992, primeiro editado na ECM, que a revista “The Wire” considerou ser provavelmente “o melhor disco vocal de sempre” em todo este catálogo. Polaridade (“Polarities” é mesmo o título de um álbum da cantora, gravado em 1982 com o grupo de Jon Eberson) de opostos que coincidem. Quente-frio. Igual ao vermelho-azul de uma chama. Dicotomia que se prolonga nas canções, selecionadas por Sidsel de um lote maior, a que a compositora dera o nome de “Pagan Pilgrimages” (“peregrinações pagãs”). Annette Peacock é a referência mais próxima. Mas também Kirsten Beaten Berg, em “Theme 1”, toque delicado, mas pleno de energia, nas inflexões tradicionais. Poderíamos olhar para Sidsel Endresen e ver nela uma outra Nico, deusa da Lua, de “Here the moon” (“here the face / here the foot, here the path…”), mais dinâmica, mais sereia, mais luminosa, se ela própria não olhasse e visse com a lucidez da observadora. O que Sidsel Endresen faz na súmula final de “Exile”: uma viagem “a vários níveis”, segundo a sua autora, através de “mitos e crenças, estratagemas e esperança”. (8)

Leonard Cohen – “Cohen Live”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994
ÁLBUNS POP ROCK


Leonard Cohen
Cohen Live
Columbia, distri. Sony Music



Em 26 anos de carreira, este é o Segundo álbum ao vivo, depois de “Live Songs”, do lendário cantor canadiano que foi recentemente alvo de homenagem em “I’m your man”, cujo segundo volume está já em preparação. Percebe-se que o trovador prefere mostrar-se ao abrigo de um estúdio. Se agora Cohen resolveu apresentar excertos das suas digressões realizadas em 1988 e no ano passado, tal deve-se, como o próprio explicou em entrevista ao PÚBLICO, a uma espécie de desejo de confrontação consigo mesmo, em termos de qualidade técnica, ao mesmo tempo que a uma tentativa de arquivar o ambiente de euforia e comunhão dionisíaca que caracterizam os espectáculos actuais deste compositor-intérprete.
“Cohen Live” é, em termos de qualidade, muito superior ao que é habitual em registos ao vivo. O som é ao mesmo tempo detalhado e caloroso, permitindo comparar a evolução da voz de Cohen no tempo que mediou entre as duas digressões. Mais directa há seis anos (ainda) mais profunda e aveludada nos concertos do ano passado. Não podendo de modo algum considerar-se um “best of”, até porque isso não seria possível num único disco, é em “Cohen Live” contudo possível rever e revisitar sob uma nova luz clássicos como “Dance me to the end of love”, “Bird on a wire”, “Joan of Arc”, “Sisters of mercy”, “Hallelujah”, “I’m your man” e “Suzanne”, num total de treze canções presentes na forma original nos álbuns “The Songs of Leonard Cohen”, “Songs of Love and Hate”, “New Skin for the Old Ceremony”, “Various Positions” e “I’m your Man”. Um Cohen que, como o vinho do Porto, tem sabido envelhecer. (7)

Legendary Pink Dots – “9 Lives To Wonder”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994


Legendary Pink Dots
9 Lives To Wonder
Play It Again Sam, distri. Megamúsica





É impressionante a quantidade de álbuns que esta banda inglesa radicada na Holanda tem gravado sem nunca ter dado um passo em falso. Mais impressionante ainda é a capacidade de constantemente se ultrapassarem a si próprios e não se deixarem acomodar ao conforto de um estilo que vêm apurando ao longo dos anos, em álbuns magníficos como “Asylum”, “Any Day now”, “The Crushed Velvet Apocalypse” ou os dois volumes de “Shadow Weaver”. Edward Ka’ Spel, o profeta, continua, como sempre, a atrair sobre si as atenções. Ele é hoje o legítimo sucessor de Syd Barrett , não vamos dizer irmão, mas primo espiritual de Peter Hammill. O mesmo significa que continuamos no domínio de um novo psicadelismo, de vertente messiânica de sinal invertido, onde os LPD mostram saber mover-se com o à vontade de serpentes. As vocalizações de Ka’ Spel tornaram-se mais sinuosas e suaves do que nunca, perigosas na maneira como instilam um universo obscuro e feroz, disfarçado pela luz mortiça de néons intermitentes e histórias vagamente inspiradas no surrealismo, versão cidades do crepúsculo, de Chirico e Delvaux. Há toda uma rede intricada de sedução sonora que os LPD tecem como aranhas malsã: saxofones atulhados de drunfos, sintetizadores constantemente me busca de novidades, uma atmosfera densa e húmida, povoada por pirilampos mecânicos e almas em pecado tombando nos abismos do Hades. Doentia, perigosamente bela, a obra dos Legendary Pink Dots vai-se desenrolando num “cadavre exquis” de mensagens e avisos ambíguos. A velha frase legenda dos últimos discos lá está, enigmática: “Sing While you may”, desta feita acompanhada por “Nititupotnibadnif” (ler de trás para a frente. “Bin” é “arca”.) Outra vez o dilúvio? (8)