Arquivo da Categoria: Dark Folk

Dead Can Dance – “Spiritchaser”

Pop Rock

12 de Junho de 1996
poprock

Rituais na câmara secreta

DEAD CAN DANCE
Spiritchaser (8)
4AD, MVM


dcd

O primeiro tema chama-se “Nierika” e o título é igual ao de um álbum do mexicano Jorge Reyes, mas as coincidências entre a banda de Brendan Perry e Lisa Gerrard e o autor de “Mexican Music Pre-Hispanic” não se ficam por aqui. “Spiritchaser” é de todos os álbuns gravados até à data pelos Dead Can Dance aquele que leva mais fundo e mais longe a vertente ritualista, num registo idêntico ao praticado por Reyes. Nesse tema, como nos dez minutos de “Song of the stars”, Perry, gerrard e uma equipa seleccionada de convidados, utilizam instrumentos rituais, percussões de pedra e chuva, ruídos de animais, cânticos étnicos. Mas o lado atmosférico, mais que os habituais sombreados góticos, aligeira o que poderia confundir-se com uma das alquimias invertidas (das quais bandas como Death in June, Current 93 ou Sol Invictus foram pioneiras) que caracterizam uma das vertentes da música do final deste século. Na contracapa, ao lado de uma invocação vodu, pode ler-se: “Nas culturas onde a música ainda é usada como força mágica, a construção de um instrumento envolve sempre o sacrifício de um ser vivo. A alma desse ser vivo fica a fazer parte do instrumento, permitindo deste modo que os sons dos ‘mortos que cantam’, sempre presentes ao nosso lado, se façam ouvir [de “Harmonies of heaven and earth” de Joscelyn Godwin].” Os Dead Can Dance não vão tão longe, mas o poder manipulatório da sugestão faz efeito. “Indus” mistura Diamanda Galas sob a acção de narcóticos com música antiga e indiana, e “Song of the dispossessed” poderia ser o encontro de Sting com os Tuxedomoon. “Song of the Nile” é um transe, sonho, em câmara lenta, viagem astral pelo interior de uma pirâmide em estado de vida suspensa que se prolonga até à Idade Média virtual da derradeira cerimónia, “Devorzhum”, “drone” de mil reflexos e murmúrios à luz da lua. O melhor Dead Can Dance desde “Aion”.



Dead Can Dance – “Toward The Within”

Pop Rock

7 de Dezembro de 1994
ÁLBUNS POPROCK

Dead Can Dance
Toward The Within

4AD, distri. MVM


dcd

Um disco ao vivo dos Dead Can Dance não parece muito apropriado. Mas é o que acontece em “Toward the Within”, gravado este ano no Mayfir Theatre, em Santa Mónica, na Califórnia. A primeira conclusão a tirar é que ou os Dead Can Dance estão a tocar como gente grande ou o engenheiro Guy Charbonneau teve uma trabalheira para fazer a coisa soar como um disco de estúdio. Seja como for, os Dead Can Dance estão cada vez mais étnicos e góticos. E chiques. Lisa Gerrard canta a preceito nos temas “étnicos”. “A capella” em “Persian love song”, como estivesse no túmulo, no tradicional irlandês “The wind that shakes the barley”, demoníaca, qual uma Diamanda Galas indiana, em “Cantara”, mostrando que andou a ouvir as grandes vozes da “antiga”, no tradicional catalão do séc. XVI, “Song of the sibyl” (de que recordamos a exponencial interpretação de Monserrat Figueras com os Hesperion XX), soleníssima em “Tristan”, magnífica e trágica em “Sanvean”. Brendan Perry vocaliza em esforço as canções mais convencionais, como o ultragótico “I am stretched on your grave”, “I can see now” (um “American dreaming” certamente composto em homenagem ao local da digressão) e o tema final “Don’t fade away”. Nos temas exóticos, surpreende a ousadia com que imita certas técnicas vocais árabes, em “Rakim”. “Yulunga” é um cântico tétrico, na linha do que fizeram os SPK em “Zamia Lehmani”, e um sinal de que a luz que ilumina os Dead Can Dance, por muito religiosa que a sua música aparente ser, está longe de ser a do sol. (6)



Muslimgauze – “Citadel”

Pop Rock

28 de Setembro de 1994
ÁLBUNS POP ROCK

Muslimgauze
Citadel

Extreme, import. Ananana


citadel

No início de uma discografia que já se aproxima das duas dezenas de títulos, entre os quais quatro gravados para a Extreme, os Muslimgauze (“névoa muçulmana”), um grupo enigmático originário de Manchester, propunham a guerrilha sonora assente em torrentes de ritmo metálico algures entre os Test Dept. e a escola dura de dança da “electronic body music” europeia, infiltrada por alusões e referências em defesa da causa árabe. “Citadel” suaviza o discurso, razão por que este se torna talvez ainda mais perturbante. As sombras adensaram-se. As percussões recuaram e os sintetizadores são como espectros mantidos em expectativa na retaguarda, prestes a atacar. A raiva vem à superfície e a tentação techno aflora em “Opel”. Mas na maioria dos temas os Muslimgauze preferem a surdina ao grito, a hipnose à tortura, o subliminar ao ostensivo, inscrevendo a sua música ao lado da dos seus conterrâneos O Yuki Conjugate. Uma citadela que se ergue, qual Babel, até às nuvens mas que para muitos poderá parecer impenetrável. (7)