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Vários – “Tendências 1992 – Novos Progressivos” (artigo de opinião)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.12.1992


TENDÊNCIAS 1992
NOVOS PROGRESSIVOS


Sobretudo na música popular, nada se perde e tudo se transforma. A pop não evolui de forma linear. Olha para trás, tenta aprender, modificar ou contrariar as lições do passado, mas o ciclo é vivioso e a moda dos revivalismos uma constante. Os anos 70 e a música progressiva voltaram à ribalta e novos nomes recuperam uma tradição que muitos davam por perdida. A pop, na idade adulta.



É um problema de idade. Cultura juvenil por excelência, a indústria cuida em primeiro lugar de fornecer alimento ao gosto adolescente que, não ofende dizê-lo, nem sempre é o mais sofisticado. Nunca há tempo para uma evolução genuína. Os músicos, passados alguns anos, são geralmente considerados “velhos” pelos “media” obcecados com o estigma “é jovem, é bom” e acusados de traírem o ideal “rebelde” do primeiro álbum.
Resta-lhes passar à clandestinidade, repetir fórmulas gastas até à senilidade ou, o que é mais comum, abandonarem o circo. Claro, os que não abdicam da evolução marimbam-se para a pop. Passam a integrar o lote dos “esquisitos”. A crítica e as grandes companhias de discos condescendem ou não com o “desvio”, consoante as simpatias, as flutuações das modas e os índices de vendas.
Em suma, a música pop não pode crescer. Faz parte da sua natureza a eterna juventude. A renovação das camadas de público mais jovem garante o funcionamento da engrenagem. Trem sido assim até agora. Mas uma série de factores recentes parecem querer alterar o rumo dos acontecimentos. À média etária da população mundial que não para de aumentar junta-se a implantação de novos formatos digitais, cuja principal consequência é o reajustamento da indústria, que passa a ater nos consumidores mais velhos os interlocutores privilegiados.
Vem toda esta teoria a propósito da explosão e renovado interesse pelos anos 70 e pela música “progressiva” em geral, liberta dos anátemas que sobre ela foram lançados num passado recente, só perdoáveis pela ignorância e tenra idade de quem nunca ouvira falar e aó agora começa a descobrir grupos como Faust, Henry Cow, Hatfield and the North, Magma, Van Der Graaf Generator, Gentle Giant, Univers Zero, Gong, Gilgamesh, Can, Soft Machine, Caravan, Matching Mole, Ashra, Richard Pinhas, Residents, National Health, Incredible String Band e tantos outros, dezenas de outros que a tal juventude e a falta de curiosidade (e de gosto. Havia jovens adolescentes que já então se preocupavam em investigar para além dos “tops”…) impediam de apreciar.
Hoje Julian Cope exibe “T-shirts” dos Faust e faz a apologia deste grupo germânico, pioneiro de quase tudo o que de mais inovador se faz na actualidade. Descobre-se o “cosmic rock”, o “kraut rock”, mistura-se tudo, o deslumbramento é total. Descobrem-se pérolas escondidas que a vaga de reedições em compacto de nomes importantes da década de 70 permite desfrutar sem os inconvenientes do ruído.
Discografias inteiras surgem recuperadas nos escaparates: Henry Cow, Magma, Faust, Residents. Editoras e distribuidoras saídas do ventre fértil da Recommended saem do anonimato e rivalizam no desenterramento de raridades – Cunneiform, Rec Rec, Auf Dem Nil, Review, No Man’s Land, Ayaa. Grupos da nova geração e diversas latitudes planetárias recuperam o legado da “progressiva” (pondo de lado a famigerada tendência do “rock sinfónico” que tantos equívocos provocou) e permitem acreditar que a música popular pode crescer e evoluir para além do rock e da facilidade: No Secrets in the Family, Daniel Schell & Karo, Double-X-Project, Expander des Fortscritts, Legendary Pink Dots, J. Lachen, Lars Hollmer, Lars Pedersen, Luciano Margorani, Miriodor, Motor Totemist Guild, Nimal, Non Credo, Nurse With Wound, Thinking Plague, 5 Uu’s, Der Plan, Wondeur Brass, Die Vogel Europas, Zero Pop… A crise de crescimento parece superada.

Discografia
Birdsongs of the Mesozoic “Pyroclastics”
Julian Cope “Jeovahkill”
Legendary Pink Dots “Shadow Weaver”
No Secrets in the Family “Kleinzeit”
Die Vügel Europas “Best Before”

Legendary Pink Dots – “The Maria Dimension”

Pop Rock

10 ABRIL 1991
LP’S

Legendary Pink Dots
The Maria Dimension

LP e CD, Play It Again Sam, distri. Contraverso

lpds

Herdeiros legítimos da música progressiva dos anos 70, os Legendary Pink Dots representam uma das vertentes mais heterodoxas e estimulantes da cena alternativa actual. “Island of Jewels”, “Any Day now”, “The golden Age”, “Crushed Velvet Apocalypse”, e sobretudo a obra-prima “Asylum”, duplo que retrata os esplendores e dores da loucura, criaram-lhes uma aura de bizarria e qualidade que, de álbum para álbum, se tem vindo a reforçar.
Edward Ka’ Spel (profeta e vocalista da banda) é uma personagem estranha, misto de Syd Barrett e Peter Hammill, mergulhada numa alucinação contínua e colorida, povoada de fantasmagorias autobiográficas. Das suas obsessões constam o Apocalipse, a cor roxa e uma tal senhora sem nome de mil rostos, entre o celestial e o sinistro. Desta vez a Senhora é nossa e merecedora de todo o respeito. A capa retrata-A num pisa-papéis, daqueles transparentes que se voltam ao contrário para ver cair a neve e que abundam em Fátima. De resto, “The Maria Dimension” contém diversas alusões aos segredos e à iconografia ligados ao santuário.
A “dimensão de Maria” estende-se ao longo de hora e meia (o CD tem mais onze temas que o álbum, incluindo um CD single de bónus) por sonoridades luxuriantes e poemas labirínticos, com incursões na música barroca, no experimentalismo electrónico ou nas ragas indianas. Edward Ka’ Spel grita, sussurra, declama palavras (por vezes trituradas por computadores carnívoros) que se interligam como as peças de um “puzzle”. A paleta instrumental inclui cordas e sopros variados, electrónica, percussão e um número razoável de instrumentos exóticos. Enquanto o fim do mundo não chega, os Legendary Pink Dots vão desenterrando os seus tesouros. ****

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Legendary Pink Dots – Hallway of the Gods

07.11.1997
Legendary Pink Dots
Hallway of the Gods (8)
Soleilmoon, import. Ananana

lpdots_hallway

LINK

Na primeira fila dos psicadélicos, em 1997, perfilam-se Julian Cope e Edward Ka’Spel, “acid-head” dos Legendary Pink Dots. “Hallway of the Gods” é o enésimo álbum desta banda que, surpreendentemente, se mantém firme numa linha de rumo iniciada há muitos anos e que teve a sua primeira obra capital no duplo “Asylum”. “Sing while you may” continua a ser a máxima apocalíptica inscrita ábum após álbum numa obra que continuamente explora novas facetas líricas e combinações sonoras. Segundo uma visão com fortes laivos de paganismo, onde a tecnologia electrónica, de uma complexidade barroca, se combina com os versos de Ka’Spel, compreensíveis apenas pelos argonautas do Inconsciente, “Hallway of the Gods” lança-se no abismo das alucinações, assombradas pela figura de Lúcifer, em sonhos malsãos de ascensão e queda, solidão e alienação, anjos sofredores e espectros furtivos. Depois, os LGP estão longe de ter esgotado a sua reconhecida capacidade para criar melodias insinuantes, verdadeiro veneno com efeitos nefastos sobre o cérebro, criando paisagens instrumentais – coloridas por um saxofone sonâmbulço, teclados em transe e efeitos de voz variados – que, ocasionalmente, se inscrevem no mesmo universo de sombras percorrido pelos Tuxedomoon em “The Ghost Sonata”. Surpresas constantes, encontros do terceiro grau com canções alienígenas (“The Saucers are coming2, avosam…) e os reflexos ominosos de gemas garimpadas nas minas do Eu interior, culminam na beleza, quase sobrenatural de “Sterre”, o tema das altas solidões que Syd Barrett nunca chegou a escrever. “Hallway of the Gods” remete, aliás, para o universo dos Pink Floyd, em álbuns como “A Saucerful of Secrets” e o mais abstracto “Ummagumma”, na mesma viagem pelo lado escuro da mente, paradoxalmente aquele onde as cores parecem ter cambiantes e um brilho mais intensos.