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Festa Do “Avante!” – “Festa Do ‘Avante!’ Terminou Domingo, Na Atalaia – José Afonso Não Foi Avante”

cultura >> terça-feira >> 06.09.1994


Festa Do “Avante!” Terminou Domingo, Na Atalaia
José Afonso Não Foi Avante



Música até à exaustão, a confusão do costume, este ano suavizada por melhores infra-estruturas, uma enorme desilusão, dos Band of Hope, e Zeca Afonso cortado, marcaram a XVIII edição da Festa do “Avante!”. Ninguém se importou muito com isso, até porque o principal objectivo continua a ser, custe o que custar, a diversão.

É ponto assente que ninguém, ou quase ninguém, vai à Festa do “Avante!” para ouvir música. O objectivo é acima de tudo “curtir”. Na festa do jornal do partido comunista, “curtir” abrange um leque de actividades tão vasto como dormir durante todo o tempo em que decorre um concerto, fazer mel (carícias de índole sexual) com o(a) parceiro(a) e fumar e beber exageradamente, entre outras. Continua “in” andar cambaleante, segurando uma lata de cerveja, com o olhar ausente e a voz arrastada e falar ao amigo(a) nesse estado, como quem diz: “Estou na maior!”
Este ano a novidade, já ensaiada noutras ocasiões, foi, durante as actuações no palco maior, “25 de Abril”, lançar garrafas de água, vazias ou cheias, furiosa e indiscriminadamente em todas as direcções, criando, dentro do seu estilo, uma bela e curiosa coreografia inserida na chamada estética do caos.

Sem Esperança

Depois de, na sexta-feira, Carlos do Carmo ter atraído à quinta da Atalaia um público mais calmo e mais velho para ouvir os fados e canções deste velho resistente da canção nacional, a festa entrou sábado no ritmo normal, com o recinto invadido por muitos milhares de pessoas que, ano após ano, vêm atraídas pela ideologia, pelo espectáculo ou simplesmente para se misturar na multidão e se divertir da melhor maneira possível.
Músicas houve, como de costume, não de todos os géneros nem para todos os gostos mas ainda assim em quantidade suficiente para satisfazer diversas camadas de público. Dos nomes grandes em cartaz, o êxito maior pertenceu a Johnny Clegg com os Savuka, que fecharam a noite de sábado. Um ritmo imparável, canções por vezes próximas do estilo de Paul Simon e movimentações de palco esfuziantes, aliadas a uma tónica interventiva, com alusões a Nelson Mandela ou à situação em Moçambique, trouxeram sonoridades quentes e algum exotismo (presente nomeadamente na concertina “zulu” que Clegg tocou por diversas ocasiões) pelo branco mais negro da África do Sul. Os cubanos Guajira Habanera, ao contrário do que estava anunciado, não actuaram, sendo substituídos pelo grupo da sua compatriota e cantora Omara Portuondo, sem deslumbramento. Cândido Mota, o apresentador, ainda tentou politizar, incentivando a mole humana a gritar o slogan “Cuba sim, bloqueio não!”, mas além da resposta não ser animadora ainda teve a agravante daquela jovem que gritou lá de trás: “E viva Salazar!”
Domingo, no palco 1º de Maio, os Hollmes Brothers dispararam sobre uma assistência entusiástica, amontoada sob uma gigantesca tenda de circo, doses maciças de energia, com os seus “blues” e “gospels” eléctricos que mais não necessitaram para se fazer entender do que uma guitarra, um baixo e uma bateria que acreditam e vivem em absoluto o que têm para dizer. O mesmo não aconteceu com os Band of Hope, uma superbanda de folk inglesa “do melhorio”, nas palavras de Cândido Mota, que chegou atrasada e aproveitou o primeiro tema para fazer o ensaio de som. Som que esteve péssimo do princípio ao fim e nunca permitiu escutar em condições o virtuosismo instrumental de Dave Swarbrick, no violino e bandolim, Martin Carthy, guitarra (mal se ouviu) e voz, e John Kirkpatrick, acordeão e concertina, três monstros sagrados da música tradicional britânica, coadjuvados pelas cordas, percussões e as “uillean pipes” irlandesas de Stefan Hanninggan, que deste modo passaram por Portugal perante a indiferença e algum fastio de parte do público para quem a “folk” continua a ser sinónimo de copos e desbunda.
A música, na maioria constituída por baladas – cantadas de forma superior por Roy Bailey, outro nome importante da folk inglesa, e um dos mais empenhados na crítica social e política do seu país, conhecido em Portugal sobretudo pelo seu trabalho em duo com Leon Rosselson – narrando situações e personagens da história recente da Inglaterra (o desemprego, o problema da habitação, etc.) obteve fraca receptividade da assistência que aos poucos se foi desmobilizando e abandonando o recinto. Desilusão.

Zeca Fica Para Depois

Do lado nacional, as várias bandas que escutámos, na generalidade cumpriram. Laurent Filipe e os seus Sons de Mundo iluminaram a noite de sexta com o seu etno-jazz picante, bem musculado de sopros e percussões. Os Meninos da Avó gozaram à farta numa volta musical a Portugal, que meteu vozes foleiras, o “Sobe sobe balão sobe” de Manuela Bravo e a “Mula da cooperativa” de Max. Os Peste & Sida arrasaram com o seu rock & roll à beira de um ataque de nervos, sempre em velocidade máxima com passagem obrigatória pelo “Homem da Gaita” de José Afonso. Uma estalada no conformismo dada, como já é hábito, por uma banda que não se cansa de se enfurecer. Um Nuno Guerreiro afinadíssimo na Ala dos Namorados pôs água na fervura, lançando sobre a noite um manto pop tecido sobre madrigais e arabescos vocais que, por mais de uma vez, recordaram os trejeitos e algumas notas de Wim Mertens.
Coube à Sétima Legião, com os Gaiteiros de Lisboa, encerrarem no palco grande a Festa do “Avante!” Mais alegres e soltos que no passado, a Sétima parece ter entrado na sua fase mais “étnica” de sempre, percorrendo a seu modo o eixo que une os extremos árabe e celta da música tradicional. Os Gaiteiros, é claro, ajudaram, sem terem estado brilhantes, com as gaitas-de-foles, tambores e flautas casando ou intercalando bem com a sensibilidade pop do grupo principal.
Absurdo foi o que aconteceu mesmo ao cair do pano, no Auditório 1º de Maio, onde a “honra” do fecho das festividades foi entregue ao quinteto do saxofonista Carlos Martins e ao seu projecto “Tocar (n)o Zeca”, sobre canções de José Afonso. Só que, devido aos atrasos sucessivos do programa e ao adiantado da hora, a banda – Carlos Martins, Claus Nymark, trombone (ambos excelentes nos solos e diálogos contrapontísticos), Mário Delgado, guitarra, Carlos Barreto, contrabaixo e Alexandre Frazão, bateria – viu-se forçado a tocar apenas quatro temas, sob a ameaça de corte de energia, truncando deste modo um espectáculo e um conceito que vivem de um todo que não se compadece com acidentes deste tipo. Carlos Martins soube, mesmo assim, contornar o obstáculo com ironia, entrando o colectivo em força com “O que faz falta”, que, como toda a gente sabe mas o líder da banda fez questão de frisar, “é avisar a malta”. Seguiram-se uma versão “coltraniana” de “Maio, maduro Maio”, “Tensão” – um original do guitarrista Mário Delgado – e uma “Grândola, vila morena”, “cheia de utopias” e “sem partido político”. Quem quiser ficar a saber como o jazz toca na música de Zeca Afonso terá agora que deslocar-se, na próxima sexta-feira, ao café Luso, no Bairro Alto, em Lisboa, onde o quinteto de Carlos Martins apresentará na íntegra este projecto.
Consumados a festa e o inferno consequente, nos acessos de regresso à ponte, onde longas filas de automóveis esperaram até altas horas da madrugada, ficou a imagem daqueles artistas de que ninguém fala, tocando quase escondidos nos palcos minúsculos espalhados pelo recinto: Sónia Mosca, “organista de baile”, mini-saia e decote tímidos, um rosto espantado, uma caixa-de-ritmos, alguns pares perdidos noutra dança, em cena digna de um filme de David Lynch. Ou a Orquestra Ligeira de Pinhal de Frades, mini-filarmónica de adolescentes com direcção do Sr. Maurício.

Julian Cope – “Autogeddon”

pop rock >> quarta-feira >> 17.08.1994
ÁLBUNS POP ROCK


Automecânica Do Juízo Final

Julian Cope
Autogeddon (7)
Echo, import. Contraverso



“Autogeddon” é o equivalente, em linguagem automobilística, de “armageddon”, o dia do juízo final. Inspirado no poema épico do mesmo nome de Heathcote Williams, o novo álbum do antigo vocalista dos Teardrop Explodes parte ao mesmo tempo de uma certa experiência vivida por Cope, cujo carro explodiu quando se encontrava estacionado à beira da estrada, em Long Island, Nova Iorque, enquanto ele e a mulher grávida se encontravam em casa a assistir na televisão ao filme dos Cheech & Chong, “Up in Smoke”.
Tanto bastou para Cope ver nisso um sinal premonitório e partir para mais uma incursão no mundo das alucinações e da ecologia, pelo prisma de um ex-viajante de ácido. À semelhança de todas as anteriores obras do músico, “Autogeddon” é um álbum estranho. A diferença em relação aos seus antecessores “Peggy Suicide” e “Jeovahkill” reside não propriamente na variedade de registos utilizados, o que é sempre de esperar em Cope, mas na frontalidade quase brutal de todos os temas, gravados na íntegra ao primeiro “take”. O que, se por um lado, expõe com maior crueza alguns deslizes, sobretudo nas vocalizações – como em “I gotta walk”, onde são visíveis as dificuldades de a voz se manter dentro de tom, falta de precisão que é compensada por uma urgência e raiva dignas de um verdadeiro punk -, tem por outro a virtude de transportar uma dose extra de espontaneidade e energia. “Madmax” e “Don’t Call me Mark Chapman” possuem, por seu lado, aquele tipo de melodia a que é impossível resistir. Com uma escrita que sai dos padrões normais – em Julian Cope tudo escapa à normalidade – em que as canções apresentam uma estrutura assimétrica, sem refrão e em constante progressão (característica da música da primeira metade dos anos 70, influência assumida por Cope), “Autogeddon” segue aos ziguezagues por alamedas laterias. Dos “blues” de “Autogeddon blues” ao delírio final de onze minutos, “S.T.A.R.C.A.R.”, em que a guitarra eléctrica de um tal Moon Eye se entrega a convulsões psicadélicas que escapam por um triz ao desafinanço, passando pelo “medley” “Paranormal in the West Country” em cuja terceira parte, “Kar-ma-kaniak” – combinação fonética de “car”, “karma” e “mechanic” – onde a memória dos Faust é de novo retomada. Ecologista louco, alienígena da pop, Julian Cope continua, como sempre, imprevisível. Para ele, o dia do juízo final é todos os dias. Seja em Stonehenge ou, como agora, no interior de um automóvel.

Vários Artistas – “Portugal Rebelde, vol. 1”

pop rock >> quarta-feira >> 03.08.1994


Ou Vai Ou Rasga

Vários Artistas
Portugal Rebelde, vol. 1
Global



Situadas nas margens da produção nacional “mainstream”, as bandas incluídas neste manifesto de rebeldia são a prova de que é possível ter ideias e lutar por elas fora do circuito das multinacionais. Autoproduzidos, com selecção e compilação a cargo de Marco Aurélio e Nelson Silva, os 15 temas de “Portugal Rebelde” aparecem divididos em dois blocos distintos. O primeiro, que abarca os Basement, Booby Trap, Melancholic Youth of Jesus, No Creative Solution, Carrocel Mágico, More República Masónica, Cães Vadios e LSD, escorre em torrentes ácidas de guitarra, explosões de bateria e o sufoco de baixos musculados. A escola é a do velho rock ‘n’ roll, a mensagem é a acusação e a denúncia, gritadas com sarcasmo, sem pausas de descanso, nem tempo para cortesias.
A partir dos Bizarra Locomotiva e até aos Giant Ant Scandal, passando pelos Lesma, Klang, Factor Activo, Zirkus Maximus e Aqob, entra em cena a tecnologia electrónica, desde os sintetizadores analógicos aos “samplers” democratizados. O discurso ganha em riqueza tímbrica e as soluções harmónicas diversificam-se. O destaque vai para o ataque demolidor dos Bizarra Locomotiva, com “Movimento em falso”, e para o “electrorap” dos Factor Activo, “Mas qual a reacção do morto que dorme”, em directo do Instituto de Medicina Legal, numa emissão anarco-hipnótica-televisiva para mentes afogadas em narcótico e robôs amantes da dança. Sem esquecer os Giant Ant Scandal e os Aqob que afogam sem receio a alma no tribalismo eléctrico da techno, o grande normalizador rítmico do momento. As bandas portuguesas que queiram participar em próximas edições discográficas do Portugal Rebelde deverão enviar seu material ao cuidado de Marco Aurélio, para Portugal Rebelde, Apartado B, 6203 Covilhã Codex. (7)