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Grupo De Gaiteiros De Lisboa – “O Prazer Do Som”

pop rock >> quarta-feira, 14.04.1993

Grupo De Gaiteiros De Lisboa
O PRAZER DO SOM

Sem a preocupação de acertar numa fórmula, o Grupo de Gaiteiros de Lisboa prefere o prazer de tocar e o gozo que retira do som propriamente dito. Das gaitas-de-foles, percussões, flautas e de uma sanfona. A tradição é algo mais profundo e divertido do que alguns, em Portugal, podem julgar.



Três dos músicos da actual formação têm um currículo lavrado com distinção. Paulo Marinho é o gaiteiro dos Sétima Legião, com os quais brilhou no recente Festival Intercéltico. Carlos Guerreiro vem do GAC, tocou com José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho e Rui Veloso, no “Auto da Pimenta”, “indivíduos com uma forma própria de encarar a música popular portuguesa e de a trabalhar”. Com eles aprendeu que esta música “não é uma coisa tão intocável” como nos tempos do GAC e da devoção às recolhas de Giacometti, quando a preocupação era “fazer igualzinho ao que fazia o povo”, sem tocar nesse “património inexpugnável”. Hoje Carlos Guerreiro procura “sons novos”, sem contudo “perder o respeito pelas raízes”. É um dos poucos músicos portugueses tocadores de sanfona. Ele próprio construiu a sua.
Rui Vaz esteve igualmente ligado ao GAC. Durante 12 anos assumiu a direcção artística do grupo vocal feminino Cramol. Integrou os Bago de Milho, banda formada nos tempos da MPP, da qual circula ainda uma cassete de mão em mão, com música do que seria a sua estreia discográfica, nunca concretizada. Hoje Rui Vaz dá mais importância ao canto. José Mário Branco não o costuma dispensar para fazer os apoios vocais nas suas actuações. Também ele tocador de gaita-de-foles (ouçam-no no álbum “Monte da Lua”, dos Romanças), insiste em que o termo “gaita” se aplica a uma quantidade mais lata de instrumentos de sopro: “Gaitas há muitas, não são só as de foles.” Os diversos tipos de flauta que toca no grupo, por exemplo. Concorda com Carlos Guerreiro quando diz que, “se uma pessoa tentar repetir o que o povo faz ou fazia, entra em paranoia completa. É impossível”. Para Rui Vaz, “quanto mais se conhece a música tradicional, mais se sabe que ela depende de factores não realizáveis noutro contexto”. Então, “o melhor é assumir isso e fazer a coisa como a gente gosta, de acordo com a nossa cultura e a nossa vivência”.
Francisco Bouxo, outro gaiteiro, é o mais novo da banda. Nascido em Portugal, filho de pais galegos, faz parte, juntamente com Paulo Marinho, do grupo de dança Anaquinhos, do Centro Galego de Lisboa. Por enquanto, contenta-se com o gosto que lhe dá tocar gaita-de-foles.

“É Orgiástico!”

O nome do grupo prende-se com a sua primeira fase, então constituído pelo Paulo, o Francisco e um terceiro gaiteiro, Nuno Cristo, que entretanto abandonou. “O grupo surgiu em 1991 com um objectivo específico: fazer trabalho de rua, com gaita-de-foles e percussões” – diz Paulo Marinho. Com a entrada de Carlos Guerreiro deu-se a mudança de reportório – temas tradicionais portugueses e galegos, um dos La Bamboche, um “saltarelo” medieval, danças da Bretanha, uma adaptação do “São João”, por sua vez adaptado por Fernando Lopes-Graça… “Encontra-se na música tradicional portuguesa muita coisa que provavelmente se faria na Idade Média e no Renascimento, que tem a ver com os instrumentos de sopro”, garante Carlos Guerreiro.
Insistem em ser diferentes pelo som. “A sonoridade de qualquer grupo de música popular portuguesa, neste momento, salvando honrosas excepções, estagnou um bocado. São as braguesas, são os cavaquinhos, são os bombos, são aqueles sons quadrados…”, diz Carlos Guerreiro. “Hoje em dia é muito fácil juntarem-se alguns bancários e respectivas esposas e fazerem um grupo qualquer…” E continua: “É pena, porque temos uma riqueza de instrumentos neste país que vai desde os instrumentos de corda aos de sopro, flautas, ocarinas… é possível procurar outro som, outras harmonias, e bricar com eles.”
Para o Grupo de Gaiteiros de Lisboa importa, como diz Rui Vaz, “fazer música sem complexos de saber se estamos nesta ou naquela via”, assim como a relação física com os instrumentos e, acima de tudo, o gozo de tocar. “Quando a música afina, é orgiástico!”, exclama Carlos Guerreiro.
Quem quiser tirar a prova, pode ir aos Açores, escutá-los ao vivo na ilha de São Jorge, no próximo dia 25, onde vão actuar, integrados nos Festival da Sexta Semana Cultural da Cidade das Velas.

Gaiteiros De Lisboa – “Grupo De Gaiteiros De Lisboa – O Prazer Do Som” (concertos)

pop rock >> quarta-feira, 14.04.1993


Grupo De Gaiteiros De Lisboa
O PRAZER DO SOM


Sem a preocupação de acertar numa fórmula, o Grupo de Gaiteiros de Lisboa prefere o prazer de tocar e o gozo que retira do som propriamente dito. Das gaitas-de-foles, percussões, flautas e de uma sanfona. A tradição é algo mais profundo e divertido do que alguns, em Portugal, podem julgar.



Três dos músicos da actual formação têm um currículo lavrado com distinção. Paulo Marinho é o gaiteiro dos Sétima Legião, com os quais brilhou no recente Festival Intercéltico. Carlos Guerreiro vem do GAC, tocou com José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho e Rui Veloso, no “Auto da Pimenta”, “indivíduos com uma forma própria de encarar a música popular portuguesa e de a trabalhar”. Com eles aprendeu que esta música “não é uma coisa tão intocável” como nos tempos do GAC e da devoção às recolhas de Giacometti, quando a preocupação era “fazer igualzinho ao que fazia o povo”, sem tocar nesse “património inexpugnável”. Hoje Carlos Guerreiro procura “sons novos”, sem contudo “perder o respeito pelas raízes”. É um dos poucos músicos portugueses tocadores de sanfona. Ele próprio construiu a sua.
Rui Vaz esteve igualmente ligado ao GAC. Durante 12 anos assumiu a direcção artística do grupo vocal feminino Cramol. Integrou os Bago de Milho, banda formada nos tempos da MPP, da qual circula ainda uma cassete de mão em mão, com música do que seria a sua estreia discográfica, nunca concretizada. Hoje Rui Vaz dá mais importância ao canto. José Mário Branco não o costuma dispensar para fazer os apoios vocais nas suas actuações. Também ele tocador de gaita-de-foles (ouçam-no no álbum “Monte da Lua”, dos Romanças), insiste em que o termo “gaita” se aplica a uma quantidade mais lata de instrumentos de sopro: “Gaitas há muitas, não são só as de foles.” Os diversos tipos de flauta que toca no grupo, por exemplo. Concorda com Carlos Guerreiro quando diz que, “se uma pessoa tentar repetir o que o povo faz ou fazia, entra em paranoia completa. É impossível”. Para Rui Vaz, “quanto mais se conhece a música tradicional, mais se sabe que ela depende de factores não realizáveis noutro contexto”. Então, “o melhor é assumir isso e fazer a coisa como a gente gosta, de acordo com a nossa cultura e a nossa vivência”.
Francisco Bouxo, outro gaiteiro, é o mais novo da banda. Nascido em Portugal, filho de pais galegos, faz parte, juntamente com Paulo Marinho, do grupo de dança Anaquinhos, do Centro Galego de Lisboa. Por enquanto, contenta-se com o gosto que lhe dá tocar gaita-de-foles.

“É Orgiástico!”

O nome do grupo prende-se com a sua primeira fase, então constituído pelo Paulo, o Francisco e um terceiro gaiteiro, Nuno Cristo, que entretanto abandonou. “O grupo surgiu em 1991 com um objectivo específico: fazer trabalho de rua, com gaita-de-foles e percussões” – diz Paulo Marinho. Com a entrada de Carlos Guerreiro deu-se a mudança de reportório – temas tradicionais portugueses e galegos, um dos La Bamboche, um “saltarelo” medieval, danças da Bretanha, uma adaptação do “São João”, por sua vez adaptado por Fernando Lopes-Graça… “Encontra-se na música tradicional portuguesa muita coisa que provavelmente se faria na Idade Média e no Renascimento, que tem a ver com os instrumentos de sopro”, garante Carlos Guerreiro.
Insistem em ser diferentes pelo som. “A sonoridade de qualquer grupo de música popular portuguesa, neste momento, salvando honrosas excepções, estagnou um bocado. São as braguesas, são os cavaquinhos, são os bombos, são aqueles sons quadrados…”, diz Carlos Guerreiro. “Hoje em dia é muito fácil juntarem-se alguns bancários e respectivas esposas e fazerem um grupo qualquer…” E continua: “É pena, porque temos uma riqueza de instrumentos neste país que vai desde os instrumentos de corda aos de sopro, flautas, ocarinas… é possível procurar outro som, outras harmonias, e bricar com eles.”
Para o Grupo de Gaiteiros de Lisboa importa, como diz Rui Vaz, “fazer música sem complexos de saber se estamos nesta ou naquela via”, assim como a relação física com os instrumentos e, acima de tudo, o gozo de tocar. “Quando a música afina, é orgiástico!”, exclama Carlos Guerreiro.
Quem quiser tirar a prova, pode ir aos Açores, escutá-los ao vivo na ilha de São Jorge, no próximo dia 25, onde vão actuar, integrados nos Festival da Sexta Semana Cultural da Cidade das Velas.

Gaiteiros De Lisboa + Four Men And A Dog + Mercedes Péon + Altan – “Bólides Irlandeses Ultrapassaram Mercedes” (XIII Festival Intercéltico) (concertos / festivais)

(público >> cultura >> portugueses + >> concertos / festivais)
Segunda-feira, 7 Abril 2003


Bólides irlandeses ultrapassaram Marcedes

XIII FESTIVAL INTERCÉLTICO
Gaiteiros de Lisboa + Four Men and a Dog
4 de Abril, sala praticamente cheia
Mercedes Péon + Altan
5 de Abril, sala cheia
PORTO Coliseu



Terminou o 13.º Festival Intercéltico do Porto. Em apoteose. É quase sempre assim, quando a Irlanda desce ao Porto, com festa rija, toda a gente a dançar e um ar de felicidade estampado nos rostos e nos corpos. Os Altan cumpriram com brilho, sábado, no Coliseu, a tarefa de que foram incumbidos, divulgando a mensagem renovada de uma Irlanda definitivamente enraizada nos hábitos culturais do Intercéltico. Grande concerto, em crescendo, sem concessões. É assim que deve ser, atrair o público até à música, levá-lo a compreendê-la, senti-la e aceitá-la, ao invés de apelar aos desejos mais básicos de quem ouve. Os Altan começaram devagar, com o canto “a capella” de Mairead Ní Mhaonaigh (na foto). Os “jigs” e “reels” apareceram naturalmente, sem tiranizar a beleza de baladas como “Roaring water” ou “A tune for Frankie” (dedicado ao malogrado flautista e fundador dos Altan, Frankie Kennedy). Aos poucos os corpos soltaram-se. Vieram as danças, a imparável vontade de participar.
Mairead, além da voz que se conhece, mostrou ser uma exímia violinista, entrando em diálogos vertiginosos com Ciaran Tourish, sem o apoio de quaisquer percussões. A assistência mostrou estar à altura dos acontecimentos, sabendo dosear a folia com o silêncio, como quando cantou, sem uma desafinação, uma melodia a quatro tempos ensinada por Mairead. Com os Altan a Irlanda profunda esteve presente no Porto e deixou marcas.
Na véspera foi uma outra Irlanda que passou pelo Intercéltico. Ao contrário dos Altan, os Four Men and a Dog praticam uma música mais universal e tecnicista. Ausente Gino Lupari (para grande desapontamento de muitos), trocado pelo competente e amplificado Jimmy Higgins, no “bodhran”, o quarteto selou uma atuação tecnicamente irrepreensível de onde sobressaíram as acrobacias violinísticas de Cathal Hayden e Gerry O’Connor. A forma como transformaram “Music for a Found Harmonium”, dos Penguin Cafe Orchestra, num tema com uma complexidade harmónica que o original não possui foi exemplar da atual abordagem estilística dos Four Men and a Dog, um grupo que, sem Gino Lupari, manifestamente se tornou mais musical, ganhando em rigor o que perdeu em teatralidade e “verve” humorística. Mesmo assim, um “boogie” saído da cartola mostrou que ainda anda por ali à solta um cão vadio…
Desiludiram as duas bandas chamadas a fazer as primeiras partes. Na sexta-feira, os Gaiteiros de Lisboa esticaram demasiado a corda. Inegável continua a ser a originalidade de uma música única no panorama da “folk” europeia. Polifonias intrincadas, uma tensão instrumental feita da polaridade entre a música antiga e a modernidade mais radical, um humor inteligente e “nonsense” mordazes, a força de percussões arrancadas ao cancioneiro
português mais genuíno, tudo isto esteve presente na atuação dos Gaiteiros na noite portuense. Faltou a unidade, a sustentação prática de um edifício cuja complexidade não cessa de aumentar. Se o motor rítmico funcionou e as vozes compensaram com a beleza do labirinto um ou outro défice de colocação, o mesmo não se poderá dizer das gaitas-de-foles numa noite em que andaram manifestamente perdidas. Nem sempre é possível acompanhar a força das marés, e a onda gigante, o macaréu, dos Gaiteiros é força da Natureza, umas vezes doce, outras tempestade difícil de domar.
Mercedes Peón, na abertura de sábado, não esteve melhor. Não que o público não tivesse gostado. Adorou. Mas porque a cantora galega lhes ofereceu prato de fácil digestão: batidas rock de baixo elétrico e bateria, cânticos fortes servidos por um vozeirão que se deve ter feito ouvir na outra margem do Douro, gaitadas meia-bola-e-força e canções dignas de uma “Operação Triunfo” não tiveram dificuldade em impor-se. Mas Mercedes foi mais veículo de carga do que automóvel de luxo. No “stand” do Intercéltico, os bólides irlandeses continuam a ser os mais viáveis.

EM RESUMO
Duas Irlandas, a profunda dos Altan e a universalista dos Four Men and a Dog, “arrasaram” o Coliseu do Porto.
Gaiteiros e Mercedes foram a arranjar para a oficina