pop rock >> quarta-feira >> 18.01.1995
Luís Cília Regrava Música Para Bailados
“ESQUERDA E DIREITA UNIDAS JAMAIS SERÃO VENCIDAS…”

O novo trabalho Luís Cília, “Bailados”, com data de edição marcada para o final deste mês na editora Strauss. O álbum reúne excertos de peças escritas para diversos coreógrafos nos últimos anos e fecha um longo ciclo em que o músico se dedicou por inteiro à composição para bailados. Os últimos trabalhos em disco de Cília são “Regra do Fogo”, com o mesmo tipo de composições, e “Penumbra”, sobre textos de David-Mourão Ferreira.
O alinhamento, gravado nos estúdios da Strauss com o engenheiro de som Fernando Abrantes, é composto por “Une histoire de passion”, para uma coreografia de Paulo Ribeiro, para a companhia de bailado de Genebra; “Linha”, para uma coreografia de Rui Horta por encomenda do Acarte; um arranjo para saxofone (por Edgar Caramelo) de uma ária, “Remember me”, extraída da ópera do compositor inglês Henry Purcell, “Dido e Eneias”, com coreografia de Serge Sandor; dois extractos dum bailado com o título “Encantados de servi-lo”, outra coreografia de Paulo Ribeiro, esta para o Netherlands Dans, estreada em Haia; “O sonho de Ícaro”, primeiro bailado do coreógrafo Rui Nunes, para a Companhia de Dança de Lisboa; dois extractos, ainda de uma coreografia de Paulo Ribeiro, estreada na Expo-92 em Sevilha, intitulada “Uma ilha num copo de sumo” -, para Luís Cília, “uma experiência extraordinária, um bailado em que o Paulo pegou em crianças à volta de 11 anos de duas escolas diferentes, uma da Damaia, outra de Campo de Ourique, que nunca tinham dançado. Quarenta miúdos juntos com seis bailarinos profissionais. Até há um vídeo, não-comercial, que mostra, inclusivamente, cenas de racismo existente entre as duas escolas. O guião, basedo nos Descobrimentos, foi escrito por uma miúda de onze anos e o próprio título foi escolhido pelas crianças”. O álbum termina com um bailado com coreografia de Clara Andermat, para o Acarte, chamado “Mel”.
No estúdio Luís Cília regravou todas estas peças recorrendo unicamente à tecnologia mais recente dos “samplers” e outros computadores, e à preciosa colaboração de Fernando Abrantes, “uma pessoa que inclusive trabalhou com os Kraftwerk, um técnico muito sensibilizado para estas novas tecnologias e que soube apreender logo o que eu queria”.
Posto em dia, que é como quem diz, em disco, a música mais actual de Luís Cília, o autor explica as razões do seu longo afastamento dos estúdios. “Começando a ter mais convites para fazer músicas, para teatro ou para bailado, fui ficando cada vez mais ligado a este tipo de composição e às novas tecnologias, que fui obrigado a estudar.” O compositor recorda ainda outra faceta sua da qual poucos terão ouvido falar: “De facto penso que fui um bocado pioneiro em Portugal, na realização do chamado pequeno recital. Tinha uma carrinha, ia eu e outro músico, primeiro com o Pedro Caldeira Cabral, logo a seguir ao 25 de Abril, depois com os contrabaixistas José Eduardo e, mais tarde, António Ferro. Íamos com tudo, com preços baixos, sem pensar no aspecto económico, tocar em pequenas salas. Infelizmente naquela altura não as havia em quantidade suficiente nem a mentalização para este tipo de espectáculo. Como eu costumo dizer, na cultura em Portugal, a esquerda e a direita unidas jamais serão vencidas. Só se conseguirá fazer de facto com que os músicos possam viver da música quando houver um circuito como aquele que existe, por exemplo, em França.