Arquivo mensal: Setembro 2025

Luís Cília – “Luís Cília Regrava Música Para Bailados – ‘ESQUERDA E DIREITA UNIDAS JAMAIS SERÃO VENCIDAS…'”

pop rock >> quarta-feira >> 18.01.1995


Luís Cília Regrava Música Para Bailados
“ESQUERDA E DIREITA UNIDAS JAMAIS SERÃO VENCIDAS…”




O novo trabalho Luís Cília, “Bailados”, com data de edição marcada para o final deste mês na editora Strauss. O álbum reúne excertos de peças escritas para diversos coreógrafos nos últimos anos e fecha um longo ciclo em que o músico se dedicou por inteiro à composição para bailados. Os últimos trabalhos em disco de Cília são “Regra do Fogo”, com o mesmo tipo de composições, e “Penumbra”, sobre textos de David-Mourão Ferreira.
O alinhamento, gravado nos estúdios da Strauss com o engenheiro de som Fernando Abrantes, é composto por “Une histoire de passion”, para uma coreografia de Paulo Ribeiro, para a companhia de bailado de Genebra; “Linha”, para uma coreografia de Rui Horta por encomenda do Acarte; um arranjo para saxofone (por Edgar Caramelo) de uma ária, “Remember me”, extraída da ópera do compositor inglês Henry Purcell, “Dido e Eneias”, com coreografia de Serge Sandor; dois extractos dum bailado com o título “Encantados de servi-lo”, outra coreografia de Paulo Ribeiro, esta para o Netherlands Dans, estreada em Haia; “O sonho de Ícaro”, primeiro bailado do coreógrafo Rui Nunes, para a Companhia de Dança de Lisboa; dois extractos, ainda de uma coreografia de Paulo Ribeiro, estreada na Expo-92 em Sevilha, intitulada “Uma ilha num copo de sumo” -, para Luís Cília, “uma experiência extraordinária, um bailado em que o Paulo pegou em crianças à volta de 11 anos de duas escolas diferentes, uma da Damaia, outra de Campo de Ourique, que nunca tinham dançado. Quarenta miúdos juntos com seis bailarinos profissionais. Até há um vídeo, não-comercial, que mostra, inclusivamente, cenas de racismo existente entre as duas escolas. O guião, basedo nos Descobrimentos, foi escrito por uma miúda de onze anos e o próprio título foi escolhido pelas crianças”. O álbum termina com um bailado com coreografia de Clara Andermat, para o Acarte, chamado “Mel”.
No estúdio Luís Cília regravou todas estas peças recorrendo unicamente à tecnologia mais recente dos “samplers” e outros computadores, e à preciosa colaboração de Fernando Abrantes, “uma pessoa que inclusive trabalhou com os Kraftwerk, um técnico muito sensibilizado para estas novas tecnologias e que soube apreender logo o que eu queria”.
Posto em dia, que é como quem diz, em disco, a música mais actual de Luís Cília, o autor explica as razões do seu longo afastamento dos estúdios. “Começando a ter mais convites para fazer músicas, para teatro ou para bailado, fui ficando cada vez mais ligado a este tipo de composição e às novas tecnologias, que fui obrigado a estudar.” O compositor recorda ainda outra faceta sua da qual poucos terão ouvido falar: “De facto penso que fui um bocado pioneiro em Portugal, na realização do chamado pequeno recital. Tinha uma carrinha, ia eu e outro músico, primeiro com o Pedro Caldeira Cabral, logo a seguir ao 25 de Abril, depois com os contrabaixistas José Eduardo e, mais tarde, António Ferro. Íamos com tudo, com preços baixos, sem pensar no aspecto económico, tocar em pequenas salas. Infelizmente naquela altura não as havia em quantidade suficiente nem a mentalização para este tipo de espectáculo. Como eu costumo dizer, na cultura em Portugal, a esquerda e a direita unidas jamais serão vencidas. Só se conseguirá fazer de facto com que os músicos possam viver da música quando houver um circuito como aquele que existe, por exemplo, em França.

Luís Madureira – “Luís Madureira Lança Álbum De Estreia – VIAN – Avec Madureira”

pop rock >> quarta-feira >> 11.01.1995


Luís Madureira Lança Álbum De Estreia
VIAN
Avec Madureira



Para primeiro álbum a solo, o cantor Luís Madureira escolheu o poeta e romancista (escreveu, por exemplo, “A Espuma dos Dias”, “Outouno em Pequim”, “O Arranca-Corações e “Irei Cuspir-vos nos Túmulos”, todos com tradução portuguesa) e músico (cantava, tocava trompete e escreveu mesmo uma ópera) francês Boris Vian (1920-1959). O álbum chama-se “Luís Madureira Canta Boris Vian”, tem o selo Alma/Luminária Música, e nele o cantor é acompanhado ao piano por Jeff Cohen, um dos pianistas de uma encenação do Peter Brook, chamada “Impressions de Péleas”, levada á cena em Lisboa no Covento do Beato, ocasião em que Luís Madureira o conheceu.
“Temos um percurso mais ou menos parecido”, garante, “temos ambos formação clássica e interesse por um reportório não estritamente clássico”. A ideia surgiu, de acordo com as palavras do cantor, “como resultado de um recital, no Festival dos Capuchos, em 1993” e por “insistência do técnico José Fortes”. Posteriormente, “a gravação, feita no Convento dos Capuchos, em Novembro, foi mostrada a José Manuel Marreiros e a João Lucas, proprietários da Luminária, que gostaram imenso do material e decidiram lançar o disco”.
A relação de Luís Madureira com o autor francês, embora levada à prática por motivos circunstanciais, encontra razões mais profundas. “Já conhecia algumas canções dele, que interpretei em alguns recitais de canções de música ligeira francesa”, diz o cantor português. “Tinha feito duas dessas canções e, subitamente, o director do Festival dos Capuchos, o engenheiro José Adelino Tacanho, pôs a hipótese de organizar um recital só de canções do Boris Vian. A selecção foi feita a partir de algum material que já tínhamos e de outro que foi aparecendo por cedência da viúva do autor. Na altura, todas edições de partituras de Boris Vian estavam esgotadas. Juntamente com o pianista Jeff Cohen, fizemos uma busca e conseguimos obter cerca de 60 canções, das quais seleccionámos as dezasseis que se encontram no disco.”
Mas “há mais do que isto”. Para Luís Madureira, trata-se de “um material que, sob o ponto de vista da poesia, é óptimo, e sob o ponto de vista da actualidade, idem”: “É um autor que me interessa como autor. E como eu sou um cantor de canções, sejam elas de compositores clássicos ou não, um cantor de ‘lied’, os nossos dois mundos não estão muito afastados. São canções que se podem fazer com piano e que, de alguma forma, são comparáveis a outro género de reportório que tenho feito. Trabalhei-as exactamente da mesma forma que trabalho uma ária de ópera ou um ‘lied’, ou seja, a abordagem da poesia, em primeira instância, e abordar a correspondência, que nos bons compositores é imediata, entre a frase musical e a palavra. A partir deste somatório, uma pessoa é levada a fazer aquilo a que se chama interpretação, a dar o valor exigido pela palavra e pela música.”
Desde sempre sensível à teatralidade, não só da música como da poesia, Luís Madureira encontrou nas canções de Boris Vian um veículo ideal de expressão da sua faceta de actor: “Acho que qualquer cantor actual se preocupa com isso, no sentido de que a palavra é o motor da canção. Para que a palavra tenha sentido, as pessoas não se podem preocupar só com o som da voz, que pode se rmais bonita ou menos bonita, mais ou menos bem colocada. É preciso trabalhar arduamente a palavra, e aí estamos próximos da teatralidade da palavra, do que ela de facto significa. Essa faceta vem ao de cima pela minha prática teatral, do estudo do texto, não cantado, mas dito.”
Situado num território intermédio, entre a música erudita e a canção ligeira, Luís Madureira sente-se confortável nessa posição. “Sinto-me à vontade para abordar este reportório exactamente devido à formação que tive. Depois, acho que é interessante tentar fazer bem um reportório que as pessaos pensam que pode ser feito de qualquer maneira, coisa com a qual eu não concordo de todo.”
Fica o bom sabor das canções de Vian, cantadas por Luís Madureira, dentro do espírito da época do pós-guerra e da mordacidade que caracterizava o autor, que chamava Jean-Sol Partre a Jean-Paul Sartre: “Musique mécanique”, “À la pêche de coeurs”, “Cinématographe”, “La Java des bombes atomiques”, “Le déserteur”, “Moi, mon Paris”, “Bal de Vienne”, “Mozart avec nous”, “Je bois”, “La vie cést comme une dent”, “On n’ést pas là pour se faire engueuler”…

António Brojo e António Portugal – “Duas Guitarras, Uma Voz”

pop rock >> quarta-feira >> 11.01.1995


DUAS GUITARRAS, UMA VOZ


“Variações Inacabadas” é o título, apropriado, de um disco acabado de lançar pela EMI-VC, com duetos de guitarra de Coimbra por dois dos seus maiores mestres, António Brojo e António Portugal. O segundo morreu há pouco tempo, deixando inacabado um projecto pensado para dois discos. Assim, em vez de dois, saiu, para já, um único álbum que recolhe todos os temas gravados até à morte de Portugal pelos dois guitarristas, intercalando, faixa a faixa, ora um ora outro como solista.
À guitarra inquieta, “mais nervosa” e em estado permanente de procura de um “algo mais” nas cordas e na alma do instrumento de António Portugal, “um homem que na guitarra deixava transparecer o seu temperamento”, contrapunha Brojo, dicípulo da escola de Artur Paredes – “uma guitarra muito limpa de notas e meticulosa quanto à pureza dos sons” -, a beleza escultórica da harmonia perfeita, do acorde matemático que permite a transparência e o voo. Os dois formavam como que uma única guitarra. Com dupla voz e dupla face.
António Brojo conta como conheceu o seu antigo companheiro: “Conheci-o em 1953. Tinha nessa época, em que já era assistente na faculdade, um grupo que se juntava, três ou quatro tardes por semana, na minha casa, para fazer coisas na música de Coimbra, recuperar músicas antigas, ensaiar cantores e guitarristas… Era uma tertúlia muito frequentada, até que em determinada altura um cantor meu amigo, o doutor Fernando Rolim, me disse que conhecia um rapazinho com muita habilidade para tocar guitarra, se eu não me importava que ele aparecesse.
“O certo é que o António Portugal apareceu, assistiu a um certo número de ensaios e de tal maneira se integrou que, logo que alguns dos rapazes que me acompanhavam se foram embora de Coimbra e se afastaram da nossa convivência, houve uma substituição. Logo em 1953, gravei uma série de discos de 78 rotações, com o Luiz Goes e o Fernando Rolim e em que o acompanhador era o António Portugal. Mantivemo-nos a tocar juntos até que tive que ir, por força da minha carreira universitária, para a Suiça. Nessa altura, o António Portugal constituiu o seu próprio grupo, mantendo-se activo toda a minha ausência.
“Foi só no início dos anos 60 que esporadicamente voltei a tocar com ele para acompanhar alguns cantores, como o dr. Barros Madeira, o Subtil Roque, o Fernando Rolim e o dr. Camacho Vieira. Em 1970, porém, é que de facto voltei a estabelecer com o António Portugal uma ligação guitarrística mais assídua. Entreatnto, surge o 25 de Abril, que em Coimbra, no meio académico, teve algum efeito perverso sobre a canção e a guitarra coimbrãs, que foram consideradas uma expressão ligada ao regime anterior e uma música reacionária.
“Nós, como não tínhamos qualquer problema do ponto de vista político, porque nunca tínhamos estado ligados ao regime – o Portugal até era deputado na Assembleia Cosntituinte -, empreendemos um movimento de recuperação da canção de Coimbra e, a partir de 1974, nunca mais parámos, em termos de concertos por todo o país, culminando nos Tempos de Coimbra, uma série de programas de televisão em que fomos buscar velhos companheiros, como o Luiz Goes, o Rolim ou o Machado Soares. Inclusive, acompanhámos o Zeca Afonso, já nos anos 80.”
Data dessa época, concluída a série televisiva, a intenção de “deixar um testemunho da música de guitarra que não só reproduzisse variações que já andavam esquecidas, porque nunca tinham sido gravadas, mas também as prórprias canções” dos dois guitarristas.
Há cerca de três anos surgiu a ideia para fazer o tal projecto em dois discos separados, com um “total entre as 36 e as 40 peças”, mas que, por força das circunstâncias, acabou por se confinar às “Variações Inacabadas” agora editadas – “claro que não são as variações que estão inacabadas, mas sim o próprio projecto”, diz António Brojo, já que dessas peças apenas tinham sido gravadas as 18 que fazem parte do disco. Um “mano-a-mano” precocemente interrompido com a morte, em Julho do ano passado, de António Portugal. De certa maneira este trabalho acaba por ser “uma homenagem póstuma”.
Quando seria de esperar que a história terminasse aqui, eis que António Brojo anuncia a conclusão, por outras vias, do projecto inicial. Com outro guitarrista, que já ensaiara e tocara com os dois mestres, a tomar o lugar do guitarrista falecido. Carlos de Jesus, “um estudante de engenharia com grande habilidade e que, ao faltar o António Portugal, se mostrou interessado em participar”.
Brojo vai aceitar o desafio. “Embora não substitua o António Portugal, porque este era insubstituível, a verdade é qu estou disposto a tocar com ele. De tal maneira assim é que vamos realizar o tal segundo disco, em que eu serei o solista e procurarei não só gravar aquelas músicas que já pensava gravar com o António Portugal, como também tentar reproduzir com o novo guitarrista algumas das guitarradas que deveria gravar com o António Portugal, se estivesse entre nós.”