Arquivo mensal: Agosto 2021

Vários – “Vozes e Ritmos do Oriente”

pop rock >> quarta-feira, 09.06.1993
WORLD


ALMANAQUE ASIÁTICO

Vários
Vozes e Ritmos do Oriente
CD Tradisom, distri. Livraria Portuguesa de Macau



As compilações, de música tradicional ou de qualquer outro género, são divergentes nas suas propostas e propósitos. De catálogo sonoro de uma eyiqueta ou do embrulho de “êxitos” com fins meramente comerciais à explanação de uma tendência ou conceito estéticos comuns vai uma enorme distância. “Vozes e Ritmos do Oriente”, primeiro de uma série de três volumes, além de uma montra sedutora para os sons provenientes de várias regiões da Ásia, vale pelo aspecto didáctico, para os que agora se vão iniciando na exploração dos sons étnicos que se fazem ouvir dos quatro cantos do mundo.
Atento a este aspecto, o organizador do projecto, José Mouras, fez acompanhar os exemplos musicais de um livrete explicativo, escrito em português (parece redundância referir tal facto mas procurem outros discos desta área escritos nesta língua…), onde são fornecidas indicações preciosas, embora forçosamente incompletas, sobre as respectivas culturas, dos aspectos históricos aos instrumentos utilizados. Não faltam sequer explicações sobre os “chapéus coloridos de quatro bicos” da China, um festival das pastagens da Mongólia ou a “sublimação espiritual” no Paquistão. José Mouras, antigo músico dos Almanaque e antigo realizador do programa radiofónico “Arca do Velho”, transmitido na Rádio Macau, dedicado à divulgação de música tradicional, sabe obviamente do que fala e expõe os diversos assuntos de forma clara e acessível.
Das várias músicas abrangidas constam as tradições do Arzebaijão, China, Índia (Rajastão e Indostão), Japão, Mongólia, Paquistão e Tuva (na Sibéria, célebre pela técnica vocal que permite a um único músico emitir simultaneamente dois sons diferentes, já conhecida de alguns através de um álbum dos Tuva Ensemble, na editora Pan, com edição portuguesa).
Pondo de parte a literatura e o peso da História, os sons mais apelativos e próximos de uma sensibilidade europeia encontram-se na sequência final: nos dez minutos de festa vocal pelo conhecido Nusrat Fateh Ali Khan e no singelamente intitulado “Tying shrtukthlerining iri” dos cantores e instrumentistas de Tuva, em logaritmos rítmicos que os Penguin Café Orchestra deceto se terão entretido a decifrar. Uma edição que é, ou começou por ser, limitada, com hipótese de distribuição próxima por parte da BMG, a merecer todo o aplauso. (8)

Syd Barrett – “A Crazy Diamond”

pop rock >> quarta-feira, 09.06.1993
REEDIÇÕES


COMO DESTRUIR UM MITO

SYD BARRETT
A Crazy Diamond
3xCD Harvest, distri. EMI-VC



Mais uma caixa, desta feita contendo a discografia completa a solo do lunático que iluminou a fase inicial dos Pink Floyd com a lâmpada do psicadelismo: os dois álbuns oficiais de originais, “The Madcap Laughs” e “Barrett”, mais a adenda “Opel”, os três acompanhados por um livrete que narra passoa a passo a carreira do músico desde os tempos de “Arnold layne” ao afogamento na loucura.
Se Barrett é hoje um mito, tal deve-se mais à aura de estranheza e de diferença que sempre rodearam o seu nome do que às suas virtudes como músico. Imagem que até os seus antigos companheiros nos Pink Floyd não se dispensaram de reforçar quenado lhe fizeram a dedicatória na faixa “Shine on you crazy Diamond” de “Wish you were here”. Se a presente colectânea tinha como objectivo preservar essa imagem do “génio” incompreendido, mártir da sua arte, a táctica escolhida resultou no inverso, esfarrapando a lenda ao mostrar, em toda a nudez, um mau cantor e guitarrista, em pleno processo de desagregação mental. E isto porque se foram desenterrar todas as “takes possíveis e imaginárias de temas que encontraram a sua forma definida e mais ou menos estável (?) nos tais dois primeiros álbuns, esvaziando-os, sem que desse processo se obtivessem quaisquer contrapartidas. Os “bonus tracks” que foram acrescentados a cada um dos álbuns de originais não passam de esboços inacabados, hesitações, gravações de estúdio que exibem com despudor um Barrett totalmente incapaz de cantar afinado, em sucessivas tentaivas para conseguir acabar um tema do princípio ao fim, entre tossidelas, paragens, frases soltas e as instruções dadas tores do lado de fora da cabina.
Deste modo, “The Madcap Laughs”, um álbum que vale essencialmente pelo “nonsense” dos textos, mais do que pela inspiração melódica, e “Barrett”, este sim, já mais próximo de uma obra acabada, muito por culpa da produção de David Gilmour, perdem com os enxertos. Qual o interesse de dar a ouvir um (mau) ensaio da repetição inconsequente de temas como “Dominoes” ou “Love you”? O valor musical é nulo. Há, evidentemente, o interesse documental, mas mesmo aí o livrete incluso acaba por desempenhar melhor a tarefa. “Opel”, nesta medida, é mesmo perfeitamente dispensável, passando da manta de retalhos que já era ao puro desperdício, um pouco o disco pirata de um artista de terceira ordem.
No mei de tanta inutilidade e até de um certo mau gosto, visível na leitura parola da estética psicadélica utilizada nas novas capas (como as originais aparecem, apesar de tudo, no inverso, é sempre possível, para quem ainda não tiver os originais, dobrá-los do avesso), sai maltratado Syd Barrettt, reduzido à figura do demente cuja inspiração se desvanecia passado o efeito do LSD e de quem preferiremos guardar para sempre os sonhos floydianos de “The Piper at the Gates of Dawn”. O que se segue? As gravações integrais das festas de aniversário do filho mais velho de Roger Waters? (4)

Ganhões de Castro Verde – “Ganhões Alentejanos Em Compacto”

pop rock >> quarta-feira, 09.06.1993


GANHÕES ALENTEJANOS EM COMPACTO

Pela primeira vez, um grupo de cantares alentejanos vai ter a sua música editada em compacto. Maurizio Martinotti e Beppe Greppi, dos La Ciapa Rusa, estiveram no Alentejo e gravaram os Ganhões de Castro Verde, na primeira produção conjunta entre a Robi Droli e a Etnia.



Os Ganhões de Castro Verde são umm dos muitos grupos de “cante” alentejano que proliferam pelas planícies e planaltos do Alentejo. Ao longo dos anos, este género de agrupamentos, cuja música remonta aos cânticos religiosos da Idade Média, tem sido sistematicamente manipulado pelas forças políticas. Votado ao ostracismo antes do 25 de Abril, depois utilizados, no período posterior à revolução, pelos partidos de esquerda, que dels quiseram fazer cavalo de batalha da luta de classes e da sua música porta-voz do proletariado. À esquerda ou à direita, a mesma cegueira e a mesma visão estreita. E a incapacidade de reconhecer nas “modas” alentejanas o canto vivo de uma tradição secular, sem dúvida ligada aos ritmos do trabalho e da terra, mas também à mensagem das estrelas, à ondulação das searas e ao sussurro do vento.
Com uma formação actual de 27 elementos, os Ganhões (nome dado aos assalariados que trabalhavam sem quaisquer contratos ou garantias) existem com esta designação desde 1972, com direcção artística de Francisco Caipirra, tendo ganho já vários prémios de “cante” alentejano. O grupo funciona no âmbito da Sociedade Filarmónica 1º de Janeiro, uma das mais antigas associações recreativas e culturais da localidade. A Câmara Municipal de Castro Verde, através do seu presidente, Fernando Caeiros, à frente dos destinos camarários da vila desde 1976, garantiu o apoio monetário e a disponibilização das infra-estruturas necessárias para levar por diante a iniciativa.
Durante cinco dias, entre 28 de Maio e e de Junho, Maurizio Martinotti e Beppe Greppi gravaram “modas” escolhidas pelo grupo, no Auditório do Cine Teatro da vila, com a selecção final dos temas a cargo de um dos solistas, o “alto” António Revez. Agora falta a prensagem e o desenho da capa, que incluirá as letras em português, italiano e inglês, compiladas por Mário Alves, da Cooperativa Cultural Etnia, fotos do grupo, da autoria de Rui Mota, membro da mesma cooperativa, e desenhos sobre os Ganhões e quotidiano rural no Alentejo, da autoria do artista popular Joaquim Rosa. Tudo terá de estar pronto até 13 de Julho, antes da realização, com início a 16, do festival de Vancôver, no Canadá, um dos mais importantes festivais de música tradicional, que este ano vai estar subordinado ao tema das polifonias vocais e para o qual os Ganhões de Castro Verde foram convidados, de novo com o apoio das entidades camarárias e da Sociedade 1º de Janeiro.
O compacto – primeiro com selo Etnia, na série Vozes (fazendo ainda parte dos projectos da nova editora mais duas colecções, uma dedicada aos novos grupos de música tradicional portuguesa e outra de reedição de gravações históricas existentes (em arquivo) – terá o seu lançamento oficial em Portugal no Outono, por ocasião da feira de Castro Verde, com um espectáculo dos Ganhões e dos La Ciapa Rusa em agenda.