Vários – “Brazil Blue” + Vários – “Electric & Acoustic Mali” + Vários – “Reggae Africa” + Vários – “Super Guitar Soukous” + Vários – “The Music Of The Andes”

Pop Rock

11 de Maio de 1994
WORLD

HEMISFÉRIOS SOB CONTROLO

VÁRIOS
Brazil Blue (6)
VÁRIOS
Electric & Acoustic Mali (8)
VÁRIOS
Reggae Africa (6)
VÁRIOS
Super Guitar Soukous (6)
Patience Dabany (7)
VÁRIOS
The Music of the Andes (6)
Hemispheres, distri. EMI-VC


v

Nos últimos anos o fenómeno da “world music” transformou-se num negócio lucrativo ao qual as multinacionais se mostram cada vez mais atentas, procurando controlar as principais correntes musicais e investindo em sons que até há alguns anos eram considerados minoritários e relegados para segundo plano nas respectivas estratégias de “marketing”. O sucesso continuado, pelo menos em termos artísticos, de um selo como a Real World ou, mais esporádico, da Earthworks, só para falar nas subsidiárias das grandes companhias, neste caso e por coincidência, ambas da Virgin, veio alertar para a necessidade de as multinacionais tomarem de assalto um mercado até então dominado pelas chamadas editoras independentes.
É neste âmbito que a EMI acaba de lançar a nova série Hemispheres, com a preocupação de pôr em evidência uma estratégia organizada que vai da própria designação, HEMIspheres, em que a sigla da editora aparece destacada no meio da palavra e sobre a gravura de um globo, até aos textos de promoção que insistem na tecla das potencialidades comerciais deste tipo de música, chamando inclusive a atenção para números de venda de alguns discos. Tudo segundo uma lógica de mercado que não deixa nada ao acaso mas que, por outro lado, dá a impressão irritante de tratar a música apenas enquanto produto (e aqui importa fazer a distinção entre a música propriamente dita, como forma de arte, e os seus suportes materiais – LP, CD, MC, etc., estes sim objectos susceptíveis de comercialização e manipulação). Daí a pergunta colocada sem subterfúgios: “Is it commercial?”
Seis volumes – embalados segundo o formato muito em voga de “série” (Made to Measure, Venture, Real World, Resource, entre tantas outras), segundo o qual a normalização e catalogação aparecem como elementos essenciais – constituem a primeira oferta discográfica da Hemispheres. Seria oportuno de resto determo-nos sobre esta preocupação com a localização precisa das origens geográficas e a classificação musicais abrangidos.
Já diziam os antigos que só detendo o nome de alguém ou de alguma coisa se pode dominar, controlar esse alguém ou essa coisa. Nominar, catalogar, arrumar numa prateleira é a forma mais prática para controlar neste caso várias músicas aprisionadas em disco. Daí a dificuldade de lidar (leia-se dominar) as músicas “estranhas”, dificilmente catalogáveis, e a necessidade de lhes arranjar rótulos ou, pelo menos, lhes situar as origens. A táctica do novo catálogo vai ao ponto de pedir a artistas de várias regiões do globo que enviem gravações com a finalidade de calcular as suas potencialidades comerciais. “Ajudem-nos e nós ajudar-vos-emos” é a palavra de ordem. Um negócio à partida com vantagens para ambas as partes.
Os seis volumes de “Hemispheres” são, segundo esta perspectiva, de uma clareza absoluta. Tudo é discriminado, analisado e situado no contexto. Os nomes que constam das fichas técnicas dos respectivos compactos foram escolhidos a dedo e em simultâneo privilegiaram-se as compilações e panoramas o mais possível aglutinadores. Também não é por acaso que a Hemispheres se propõe ser a “série de música pop internacional mais vasta de sempre”. Repare-se que se diz “pop” em vez de “world”, jogando-se na ambiguidade do termo – “pop”, “popular” –, sendo talvez hoje a “world music” a música “pop” do futuro.
“Brazil Blue” é o título do primeiro volume destes novos hemisférios da EMI. Uma compilação de temas de artistas como Djavan, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Ivan Lins, Elis Regina, Joyce, João Gilberto, Hermeto Pascoal, Wagner Tiso e Nana Caymmi, entre outros menos conhecidos. Predomina o samba, a bossa-nova, os sons mais facilmente identificáveis da MPB, segundo a estética do postal ilustrado para turista ver.
Dentro dos respectivos campos, é o que acontece nos restantes títulos da série. Por regra, uma acoplação compacta das sonoridades mais típicas, fortes e directas de cada região.
O volume seis, por exemplo, de genérico “Music of the Andes”, traz maioritariamente os figurões Inti-Illimani e Quilapayun. Tanto num como no outro caso o público a quem estes discos são endereçados será sempre o chamado “grande público” e, dentro deste, as camadas cada vez mais numerosas dos que se iniciam nas “músicas do mundo” e nunca os já iniciados, que não se contentam com estes mostruários, por mais sofisticados e de qualidade que se afigurem.
“Reggae Africa”, terceiro volume da série, divulga o “reggae” através de Harley and the Rasta Family, Alpha Blondy, Senzo, Serges Kassy, Ice T. Cool, Koko Dembele, Ismael Isaac com os irmãos Keita, etc. “Reggae” com alma negra, a “soul” noutro disco que serve sobretudo de base de investigação para procuras mais diferenciadas.
O continente africano contribui de resto com o principal quinhão de Hemispheres, até porque é lá que se encontra talvez o maior mercado potencial do planeta. A “Super Guitar Soukous” devolve-nos a música do Zaire, os calores da dança, das rumbas, dos ritmos Soukou. Com Kanda Bongo, Man, General Defao, Seliko, Dindo Yogo, Zoukunion, Patience Dabany…
Patience Dabany, cuja música tradicional da República Centro-Africana dispensa outros figurantes em “Patience Dabany”, correspondente ao volume cinco. Rumbas e ritmos “soukou” do Zaire e do Congo, cânticos de chamada e resposta e sequências de percussão por uma das grandes intérpretes africanas da actualidade que, no Ocidente, colaborou com George Clinton, Whitney Houston, Sheena Easton e Mariah Carey.
Finalmente, no volume dois, “Electric & Acoustic Mali”, encontra-se grande parte da melhor música deste primeiro pacote da Hemispheres, nas vozes, no Kora, no n’goni ou no balafone, em encontros da hipnose do batuque negro com os blues e a electricidade, por artistas do Mali como Sekouba Bambino Diabate, Kerfala Kante, as irmãs Sidibe, Djeneba Diakite, Lobi Traore, Ami Koita, Issa Bagayogo, Kadja Tangara e outros.
Cabe a cada um escolher o hemisfério, a latitude e a longitude. A Hemispheres será anfitriã de viagens interessantes e sem risco.



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