Arquivo mensal: Março 2017

Maria Kalaniemi – “Iho”

POP ROCK

15 Janeiro 1997
world

Maria Kalaniemi
Iho
OLARIN MUSIIKKI OY, DISTRI. MC-MUNDO DA CANÇÃO


mk

Com a chancela da Academia Sibelius, “Iho” sucede a “Maria Kalaniemi” na discografia desta acordeonista, uma das mais reputadas executantes deste instrumento da atualidade. Álbum heterogéneo de referências e cruzamentos de estilo, conta com o apoio de uma superbanda de músicos finlandeses, entre os quais uma das eminências pardas da “finnish folk”, o violinista Arto Järvellä, dos Tallari, e Matti Mäkelä, dos JPP e Troka. A música, composta pela acordeonista ou por Timo Alakotila, também dos Troka (e igualmente presente no álbum das irmãs Kaasinen), não é fundamentalista, não se destinando ao gozo exclusivo de meia dúzia de iniciados. Tem, pelo contrário, um apelo universalista, apostando em simultâneo nos parentescos com a referência céltica e numa riqueza harmónica só possível em executantes de alto nível. Exemplo desta capacidade de tocar nos arquétipos do que poderíamos designar por “folclore universal” é um tema como “Green score”, onde o acordeão de Kalaniemi percorre diversas escalas e modos por uma vereda algures entre o “jazz” e um “folk rock” aveludado. Uma secção de metais usada com subtileza e um tango de Carlos Gardel contribuem para conferir a “Iho” a tal variedade de registos que torna a sua audição numa sucessão de pequenas e grandes surpresas. No título-tema, os metais juntam-se a uma guitarra elétrica aquática no que poderia ser a versão escandinava de uns Brass Monkey ou Home Service. “Trolipolska” possui o mesmo balanço sincopado de um “horo” dos Balcãs. Tudo somado, significa que Maria Kalaniemi, um dos poucos músicos naturais da Escandinávia ativos na cena folk europeia, soube aproveitar deste convívio o melhor que este tem para oferecer: o diálogo de culturas e de estilos, traduzido na afirmação daquilo a que já, por várias vezes, chamámos, “nova tradição”. (8)



Patrick Street – concerto – “Sob A Égide Do Santo” [8ª Edição do Festival Intercéltico]

cultura DOMINGO 23 MARÇO 1997

Patrick Street no Festival Intercéltico do Porto

Sob a égide do santo

Domingo, 6 de Abril, vai ser Dia de São Patrício, St. Patrick, para os irlandeses, no fecho da oitava edição do Festival Intercéltico do Porto. Atuam nessa data os Patrick Street, uma das formações míticas da “folk” da Ilha, Esmeralda, que assim se irá juntar aos “monstros sagrados” seus compatriotas que já passaram pelo festival: Chieftains, De Danann e Dervish.

O 8º Festival Intercéltico do Porto terá lugar nos dias 4, 5 e 6 de Abril, como de costume, com um concerto duplo diário, no Cinema do Terço, com início às 21h30. A par dos concertos o programa conta com as já habituais “atividades paralelas”, responsáveis, em grande parte, pelo ambiente especial que se vive durante um fim-de-semana que marca decisivamente a agenda cultural da capital nortenha.
Na linha do que já vem sendo hábito, o festival abre no dia 4 com um grupo português, este ano a Ronda dos Quatro Caminhos, banda com pergaminhos cujo último álbum, “Recantos”, acabou de ser editado. No mesmo dia atuam os bretões Sonerien Du, com 25 anos de carreira e uma discografia que tem oscilado entre um trabalho fecundo sobre a tradição que não dispensa os aspetos lúdicos da execução, e fusões de gosto e modernidade duvidosos. Seja qual for a veia atual, a sua vinda permitirá comparar a postura de um grupo da primeira geração, como são os Sonerien Du, Alan Stivell e Tri Yann, com os arautos da renovação, Skolvan, Storvan, Strobinell ou Barzaz.
Sábado receberá os galegos Berroguetto, uma das bandas-chave do movimento de renovação que neste momento agita a música tradicional da Galiza. Já atuaram entre nós, no Seixal, pontificando entre os seus elementos, provenientes dos grupos de fusão Matto Congrio, Armeguin e Fia na Roca, o gaiteiro Anxo Pintos. O álbum de estreia dos Berroguetto tem por título “Navicularia”, uma obra interessante mas que não faz justiça à energia avassaladora que caracteriza a banda ao vivo. Na primeira parte atua, pela primeira vez no Intercéltico, uma formação oriunda do País de Gales, os Jac Y Do, que poderão ser uma das surpresas do festival. Herdeiros do trabalho pioneiro dos Ar Log Dafydd Iwan, contam, entre os seus sete elementos, com um contador de histórias, além de uma harpista convidada.
Claro, os Patrick Street são grupo aguardado com maior expetativa, mas antes deles atuam, no domingo, os Pauliteiros de Malhadas que levarão ao palco do Terço as genuínas “danças dos paulitos”, ao ritmo da gaita-de-foles, da cauxa e do bombo. Depois, a grande festa será entregue, uma vez mais, a celebrantes da Irlanda. Andy Irvine, “a voz” que veio dos Sweeney’s Men e Planxty, Kevin Burke, com um violino que fez escola nos Bothy Band e hoje vibra nos Open House, Jackie Daly, mago do acordeão que ajudou a fazer história nos De Danann, Ged Foley, guitarra com currículo feito nos Battlefield Band e atual militância nos House Band. Os Patrick Street, o supergrupo da música tradicional irlandesa a prometer deixar marcas no Porto.
Entre as atividades paralelas estão uma conferência de Vitor Belho sobre “Os Festivais Folk na Galiza”, cerâmicas intercélticas por Dave Bell e Helen Gilbert, subordinadas à temática “Castelos e Dragões”, um oráculo celta, a habitual feira do disco folk/celta e vídeos intercélticos. Ainda um ciclo de cinema, “Imagens da Bretanha e da Irlanda”, como aperitivo, a 3 e 4 de Abril, no Institut Français do Porto.
Sem esquecer a “gruta”… Instalada nos jardins do hotel do Castelo de Santa Catarina, é o lugar das madrugadas mágicas onde tudo pode acontecer. Entre a lua, as libações e os encontros inesperados dos músicos e das músicas que fazem o festival. O grupo de música mirandesa Galandum Galundaina faz de anfitrião. A organização do Intercéltico é da MC – Mundo da Canção, com o patrocínio da Câmara Municipal do Porto.

José Mário Branco – “Ao Vivo Em 1997”

Sons

19 de Dezembro 1997
DISCOS – PORTUGUESES

José Mário Branco
Ao Vivo em 1997 (7)
2xCD ed. e distri. EMI – VC

Ao vivo de certa maneira


jmb

Ainda não é desta que temos o prazer de escutar um novo álbum de estúdio do autor de “Margem de Certa Maneira”. Para José Mário Branco, compositor do outro lado, será ainda tempo de espera e de preparação interior, antes da concretização de um novo passo em direcção ao desconhecido. “Ao Vivo em 1997” é um ponto de ordem, uma chamada de atenção, um gesto de cumplicidade retomada. Uma inquietação intermédia num percurso de criatividade cujo derradeiro testemunho continua a ser as suas “Correspondências”.
José Mário Branco veio no passado mês de Junho dizer de si próprio e da sua arte, em 23 temas gravados nos espectáculos realizados a 14, no Coliseu do Porto, a 15, 16 e 18, no Teatro da Trindade, em Lisboa, e a 20, no Teatro Gil Vicente, em Coimbra. Fora do disco ficaram os temas compostos por José Mário Branco para a peça “Gulliver”, encenada pela Barraca, que pertenciam ao alinhamento dessas cinco datas, deixando entender que o músico pretendeu conservá-los para inclusão no disco da banda sonora a editar esperemos que muito em breve.
Para já ficamos com a recordação desses espectáculos, através de um punhado de canções de total exposição, às quais, em alguns casos, a voz de José Mário Branco não terá feito toda a justiça, revelando, sobretudo na sequência inicial deste duplo álbum, algum cansaço. Mas a expressividade, o teatro da alma, a força das palavras e os renovados arranjos de clássicos como “Engrenagem” (com as harmonizações dos Tetvocal), “Elogio da corporação”, “Margem de certa maneira” (mais escurecido e desamparado do que nunca), “Ser solidário”, “Emigrantes da quarta dimensão”, “Queixa das almas jovens censuradas” e “A noite” chegaram, e chegam, como sempre, para desassossegar. Mesmo se pelo lado da ternura. Ou da sátira, aqui retomada, de forma deliciosa e, de novo com a preciosa colaboração dos Tetvocal, por um José Mário Branco “rapper” em “Arrocachula”.
O segundo compacto inclui os inéditos “De pé, saudação a Antero”, “Menina dos meus olhos”, “Teu nome Lisboa” (um “unplugged” sem rede, suportado pelo contrabaixo de Carlos Bica), “Capotes pretos, capotes brancos” e “Terra quente”, este último a solo pelos Tetvocal. Estarrecedor é o balanço final de “Cantiga de alevantar ‘leva leva’”, um cântico ritual de trabalho que serve de metáfora à obra seminal de José Mário Branco. Momento privilegiado para quantos acompanharam de perto estes espectáculos ao vivo do músico, no mês da graça de Junho de 1997.