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Patrick Street – concerto – “Sob A Égide Do Santo” [8ª Edição do Festival Intercéltico]

cultura DOMINGO 23 MARÇO 1997

Patrick Street no Festival Intercéltico do Porto

Sob a égide do santo

Domingo, 6 de Abril, vai ser Dia de São Patrício, St. Patrick, para os irlandeses, no fecho da oitava edição do Festival Intercéltico do Porto. Atuam nessa data os Patrick Street, uma das formações míticas da “folk” da Ilha, Esmeralda, que assim se irá juntar aos “monstros sagrados” seus compatriotas que já passaram pelo festival: Chieftains, De Danann e Dervish.

O 8º Festival Intercéltico do Porto terá lugar nos dias 4, 5 e 6 de Abril, como de costume, com um concerto duplo diário, no Cinema do Terço, com início às 21h30. A par dos concertos o programa conta com as já habituais “atividades paralelas”, responsáveis, em grande parte, pelo ambiente especial que se vive durante um fim-de-semana que marca decisivamente a agenda cultural da capital nortenha.
Na linha do que já vem sendo hábito, o festival abre no dia 4 com um grupo português, este ano a Ronda dos Quatro Caminhos, banda com pergaminhos cujo último álbum, “Recantos”, acabou de ser editado. No mesmo dia atuam os bretões Sonerien Du, com 25 anos de carreira e uma discografia que tem oscilado entre um trabalho fecundo sobre a tradição que não dispensa os aspetos lúdicos da execução, e fusões de gosto e modernidade duvidosos. Seja qual for a veia atual, a sua vinda permitirá comparar a postura de um grupo da primeira geração, como são os Sonerien Du, Alan Stivell e Tri Yann, com os arautos da renovação, Skolvan, Storvan, Strobinell ou Barzaz.
Sábado receberá os galegos Berroguetto, uma das bandas-chave do movimento de renovação que neste momento agita a música tradicional da Galiza. Já atuaram entre nós, no Seixal, pontificando entre os seus elementos, provenientes dos grupos de fusão Matto Congrio, Armeguin e Fia na Roca, o gaiteiro Anxo Pintos. O álbum de estreia dos Berroguetto tem por título “Navicularia”, uma obra interessante mas que não faz justiça à energia avassaladora que caracteriza a banda ao vivo. Na primeira parte atua, pela primeira vez no Intercéltico, uma formação oriunda do País de Gales, os Jac Y Do, que poderão ser uma das surpresas do festival. Herdeiros do trabalho pioneiro dos Ar Log Dafydd Iwan, contam, entre os seus sete elementos, com um contador de histórias, além de uma harpista convidada.
Claro, os Patrick Street são grupo aguardado com maior expetativa, mas antes deles atuam, no domingo, os Pauliteiros de Malhadas que levarão ao palco do Terço as genuínas “danças dos paulitos”, ao ritmo da gaita-de-foles, da cauxa e do bombo. Depois, a grande festa será entregue, uma vez mais, a celebrantes da Irlanda. Andy Irvine, “a voz” que veio dos Sweeney’s Men e Planxty, Kevin Burke, com um violino que fez escola nos Bothy Band e hoje vibra nos Open House, Jackie Daly, mago do acordeão que ajudou a fazer história nos De Danann, Ged Foley, guitarra com currículo feito nos Battlefield Band e atual militância nos House Band. Os Patrick Street, o supergrupo da música tradicional irlandesa a prometer deixar marcas no Porto.
Entre as atividades paralelas estão uma conferência de Vitor Belho sobre “Os Festivais Folk na Galiza”, cerâmicas intercélticas por Dave Bell e Helen Gilbert, subordinadas à temática “Castelos e Dragões”, um oráculo celta, a habitual feira do disco folk/celta e vídeos intercélticos. Ainda um ciclo de cinema, “Imagens da Bretanha e da Irlanda”, como aperitivo, a 3 e 4 de Abril, no Institut Français do Porto.
Sem esquecer a “gruta”… Instalada nos jardins do hotel do Castelo de Santa Catarina, é o lugar das madrugadas mágicas onde tudo pode acontecer. Entre a lua, as libações e os encontros inesperados dos músicos e das músicas que fazem o festival. O grupo de música mirandesa Galandum Galundaina faz de anfitrião. A organização do Intercéltico é da MC – Mundo da Canção, com o patrocínio da Câmara Municipal do Porto.

Arcady – “Many Happy Returns” + Patrick Street – “Cornerboys” + Trian – “Trian II”

Pop Rock

17 de Abril de 1996
world

A tradição já é o que era

ARCADY
Many Happy Returns (8)
Shanachie

PATRICK STREET
Cornerboys (9)
Green Linnet

TRIAN
Trian II (9)
Green Linnet
Todos distri. MC – Mundo da Canção


arcady

ps

trian

Como é que se “agarra” num novo disco de música irlandesa quando já se tem em casa uma pilha de não sei quantas dezenas (centenas?) de outros da mesma proveniência? Como saborear ainda o prazer de escutar uma daquelas características mudanças que nos provocam um sobressalto na alma, de um “jig” para um “reel”? O apreciador circunstancial destas músicas provavelmente passará ao lado da novidade quando esta não vier rotulada com o carimbo do exotismo. Os “Irish traditional music additcs”, esses já estão de tal maneira mergulhados nos seus pormenores e nos seus segredos que encontrarão sempre nesta música motivos de felicidade. Tendo sempre o cuidado de separar o trigo do joio.
Arcady, Patrick Street e Trian são os três do mais puro cereal. Não é apenas o virtuosismo dos executantes (na Irlanda talvez seja mais difícil encontrar quem não o é do que o contrário…) a estabelecer a diferença entre os mestres e os aprendizes. Nem a escolha de reportório. Sinta-se em vez disso aquela qualidade mágica, apenas ao alcance dos mestres, à qual os britânicos chamam “moving”. De nos fazer mover por dentro, de nos transportar. Os Arcady e os Trian, ambos no seu segundo “opus”, depois das respectivas estreias, “After the Ball” e “Trian”, reincidem na ortodoxia, apurando o “drive” para melhor fazerem passar o calor das danças.
No caso dos Arcady, temperado pelo refrigério das vocalizações da nova recruta (embora veterana do circuito…) Niamh Parsons, que os portugueses tiveram oportunidade de escutar recentemente ao vivo no último Intercéltico. Arrepios garantidos, ao ouvi-la cantar “The rocks of Bawn”. Instrumentalmente, é um mimo, com o violino, o acordeão, a flauta e o “tin whistle” enriquecidos pela companhia do violoncelo, órgão Hammond, órgão de pedais e até um didjeridu, bem como pelos coros dos The Voice Squad, no clássico “The rambling Irishman”.
Os Trian, por seu lado, são um trio liderado pela violinista Liz Carroll, um nome cada vez com mais peso, até como compositora, oriundo da poderosa cena irlandesa com sede nos “states”. Ao lado de Daithi Sproule, nas guitarras e voz (excepcional em “I once knew a little gril”, na posse de todos os argumentos que nos levam a ficar irremediavelmente presos a esta música) e de Billy McComiskey, no acordeão. Ainda com os convidados Ciarán Curran, no “bouzouki” e guitarra, e de alguém que não tínhamos o gosto de ouvir já há algum tempo, Triona Ní Dhomhnaill, no piano, sintetizador e “bodhran”. Indispensável.
Finalmente, os Patrick Street, “superbanda” que periodicamente se reúne para gravar, regressando depois os seus membros aos respectivos grupos em “full time”. Moram na Rua de São Patrício, neste seu quinto trabalho discográfico, Kevin Burke (ex-Bothy Band, actual Open House), violino, Jackie Daly (ex-De Danann, actual Arcady), acordeão, Andy Irvine (ex-Sweeney’s Men e Planxty), voz (a voz!), “bouzouki”, harmónica e bandolim e o novo comparsa escocês Ged Foley, recém-chegado dos House Band, guitarra e gaita-de-foles de Northumbrian.
“Cornerboys” não tem qualquer ponto em comum com a escorregadela estratégica de “Irish Times”, sendo antes a continuação de um trabalho de renovação e sofisticação dos modelos tradicionais, iniciado nos dois primeiros álbuns e retornado no anterior, “All in Good Time”. Vive aqui o espírito dos Planxty, nas vocalizações personalizadas de Irvine (onde nos encontramos quando nos encontramos em “Moorlough shore”?), enquadrado já não nas coordenadas “progressivas” dos anos 70, mas antes com alicerces num estudo comparado das regras e das possibilidades de evolução de uma música que tem dois caminhos por onde escolher. O da mutação noutra coisa qualquer ou o do estabelecimento e aprofundamento do que já várias vezes designámos como “Nova Tradição”. Os Patrick Street vão adiantados no segundo.

Patrick Street – “All In Good Time” + Kevin Burke – “Open House”

Pop Rock

5 MAIO 1993
WORLD

A IRLANDA AO PÉ DA RUA

PATRICK STREET
All in Good Time (9)
CD Special Delivery, import. VGM


ps

KEVIN BURKE
Open House (8)
CD Green Linnet, distri. Megamúsica


kb

Irlanda e Portugal são dois países parecidos em mais do que um aspecto. Em matéria de música tradicional, contudo, é como se pertencessem a galáxias diferentes. Enquanto em Portugal se contam pelos dedos os músicos desta área activos e de boa craveira técnica, na Irlanda há-os às centenas, senão aos milhares, nestas condições. Porquê tal disparidade? Porque na Irlanda aprende-se desde pequenino a prezar o passado, a amar a música, a encorajar a sua prática, através do ensino e de muito trabalho. Em Portugal é o que se sabe – a música tradicional é considerada um género menor. Por isso, na Irlanda a tradição mantém-se viva de geração para geração, no campo e na cidade, em cada esquina e em cada rua. Por isso, em Portugal sai um disco decente de cinco em cinco anos, e na Irlanda dezenas em cada semana, passe o exagero. Em quase todas as cidades da Irlanda existe uma Patrick Street, em homenagem ao santo, St. Patrick, que converteu o país ao cristianismo. Patrick Street é igualmente o nome de um violinista que, conta a lenda, antes de morrer terá confessado o seu maior sonho: ouvir uma banda formada por Kevin Burke, Jackie Daly, Andy Irvine e Arty McGlynn. O seu sonho tornou-se realidade. Após dois álbuns de antologia com esta formação, “Patrick Steet” e “No. 2”, mais um epílogo em jeito de concessão e com tiques de supergrupo, “Irish Times”, os Patrick Street deram o assunto por encerrado. Até 1993, ano da ressurreição. Os resultados justificam a reunião deste quarteto de sonho, que conta no currículo dos seus elementos com o mestrado nas instituições Planxty (Andy, Arty), Bothy Band (Kevin) e De Dannan (Jackie, Arty). “All in Good Time” espanta pela frescura, como se a música da Irlanda acabasse de ser inventada. Depois, percebe-se a fluência imensa do discurso, uma sensação de facilidade que permite aos músicos conseguirem as maiores proezas técnicas com a agilidade de acrobatas. Ady Irvine continua mestre na arte das vocalizações “soft” que foram imagem de marca dos Planxty. “A prince among men”, “The pride of the springfield road”, “The girls along the road” e “Carrowclare” justificam por si sós a elevada qualidade de um álbum que, no capítulo instrumental, é simplesmente imaculado. Para a perfeição faltará talvez o pico de ousadia que eleva um pouco mais alto o compêndio “The Fire Aflame”. Kevin Burke, o violinista da banda, por seu lado, arriscou algumas saídas da ortodoxia neste seu terceiro álbum instrumental a solo, fora das habituais sequências de danças tradicionais. Uma das curiosidades de “Open House” é a base rítmica formada exclusivamente pelo “step dancing” de Sandy Silva. Três momentos rompem de forma maravilhosa com a continuidade da “Irish traditional music” que vem chegando às toneladas ao nosso país: “Frailach”, um diálogo feito de subtilezas e ecos mediterrânicos entre o cistre de Paul Kotapish e o clarinete de Mark Graham, uma série de “bourées” de aroma medieval apoiados no ritmo do sapateado e uma nostálgica despedida em cadência de valsa, “La partida”, de novo com o clarinete em destaque. Mark Graham, além do clarinete, instrumento solista pouco vulgar na música irlandesa, faz prodígios com a harmónica (escute-se com redobrada atenção “Crowley’s reel”), que toca com um fraseado equivalente ao do violino, nalguns temas, ou do acordeão, noutros. O violino de Kevin Burke, quase nem vale a pena dizê-lo, é um portento de sensibilidade e de técnica. A Irlanda não pára de nos espantar.

Patrick Street
Kevin Burke – torrent