Arquivo mensal: Abril 2016

Mike Scott – “Bring ‘em All In”

Pop Rock

20 de Setembro de 1995
Álbuns poprock

Mike Scott
Bring ‘em All In

CHRYSALIS, DISTRI. EMI – VC


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O trovador dos Waterboys converteu-se o misticismo. Tem antecedentes ilustres, como Dylan ou Van Morrison. “Bring ‘em all in” é um manifesto de amor, de fé e de abandono. À Natureza, a uma cidade – Dublin, através dos seus fantasmas -, mas também ao seu berço escocês, Edimburgo, sem esquecer o mulherio, que lhe quebra um pouco a veia ascética, num tema como “I know she’s in the building”. Como Dylan, uma das suas influências subliminares, Mike Scott serve-se com altivez da balada e de um rock clássico e convencional para fazer passar uma mensagem idealista que, em última análise, é de natureza evangélica. Mas, se é verdade que o cantor faz questão de nos apontar a via da libertação e da salvação, não o é menos que este processo nunca funciona pela imposição, sendo antes as suas intuições e crenças pessoais o motor de um álbum feito primeiro que tudo de descobertas. A esta convicção com que o cantor dos Waterboys nos garante que é possível construir uma “cidade de luz” (no tema final, épico e com todas as possibilidades de se transformar num hino, “Building the city of light”, afinal um lugar que, como alguém já cantara antes, existe em primeiro lugar dentro da cabeça) corresponde a maneira não menos convicta como continua a assumir a sua herança céltica, seja na inspiração temática de “Iona song” seja na própria estrutura musical do tema de abertura, “Bring ‘em all in”, em que se apropria dos ritmos vocais típicos do “puirt a beul” ou “mouth music” tradicional. (7)



Robert Rich – “Trances/Drones” – Robert Rich & Lisa Moskow – “Yearning”

Pop Rock

19 de Julho de 1995
Álbuns poprock

Robert Rich
Trances/Drones (8)

2XCD EXTREME, DISTRI. ANANANA


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Robert Rich & Lisa Moskow
Yearning (5)

HEARTS OF SPACE, DISTRI. STRAUSS


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Robert Rich é um dos representantes mais importantes da nova escola californiana de música electrónica. Estudou a música tradicional de África, Indonésia e Índia, bem como dos mestres minimalistas seus compatriotas. Nos primeiros tempos ouvia Klaus Schulze e os Cluster, John Cage e os Throbbing Gristle. Depois acalmou. Além disso, constrói os seus próprios sintetizadores – para os quais desenvolveu novos sistemas de microafinação – e “software” de composição por computador.
Quase toda a sua discografia é essencial, incluindo trabalhos como “Numena”, “Rain Forest” e “Gaudi”, ou as parcerias com Steve Roach, “Strata” e “Soma”. O grau académico em Psicologia deu-lhe algumas ideias interessantes, a principal das quais foi a realização de concertos para audiências adormecidas. Enquanto toda a gente dormia, as cabeças nas respectivas almofadas (que Rich aconselhava a trazer de casa…), ele tocava sons sintetizados, entrançava sons naturais, fazia “crochet” com texturas abstractas.
“Trances/Drones”, de 1983, insere-se numa estética idêntica à destas bandas sonoras de sonho, se assim lhes podemos chamar, ou música para meditação, caso se esteja acordado. Adaptando ciclos de frequências associadas ao sono (medidos á hora em vez de ao segundo…), escalas microtonais indianas e toda a espécie de “drones” electrónicas sobrepostas numa rede harmónica quase planetária, Robert Rich cria aqui universos contemplativos de grande amplitude, sonora e psicológica, jogando ao mesmo tempo com as vibrações telúricas e as emanações celestiais, em faixas de longa duração que incluem uma das suas primeiras composições, “Sunyata”, originalmente editada em cassete. Essencial.
Ao seu lado, “Yearning”, lançado este ano, parece patético. Apesar do ponto de partida ser neste caso até bastante semelhante: a exploração harmónica e tímbrica das ragas indianas, em particular do seu primeiro movimento, “alap”, mais lento, arrítmico e em geral elaborado pela “tampura”, antecedendo as posteriores improvisações dos instrumentos solistas e das percussões. Contudo, o que poderia ser mais um exercício interessante de música meditativa acaba por soar redundante, por culpa da companheira de Rich nesta aventura (16 anos de estudo da música indiana não parecem ter sido suficientes para ela intuir a vibração secreta…) que pouco mais consegue arrancar do seu “sarod” do que lugares-comuns pseudomísticos. Ao fim de algum tempo, dada a sua omnipresença, Lisa consegue mesmo irritar, impedindo com o seu “sarodear” autocomplacente a imersão na vaga de fundo do mundo electrónico do californiano.





Pete Namlook – “VI” + “VII” + “VIII & IX” + “Syn” + Vários – “The Ambient Cookbook”

Pop Rock

19 de Julho de 1995
Álbuns poprock

Fax para o espaço

PETE NAMLOOK
VI (8)
VII (6)
VIII & IX (2xcd) (6)
X (8)
Syn (2xcd) (9)

VÁRIOS
The Ambient Cookbook (4xcd) (8)

Fax+49-69/450464, distri. Symbiose


pn

Regra de ouro para a editora e para o seu patrão, Pete Namlook, é a eleição dos sintetizadores analógicos. Nada se compara, em calor e na corporalidade do som, ao velho filtro VCF de um “Moog synthetizer”. A esta conclusão chegaram Pete Namlook e outros manipuladores de arsenal electrónico, que cada vez mais deixam de lado os frigoríficos digitais para redescobrirem as virtudes musicais do Moog, dos A. R. P. 2600 e “Pró soloist” ou do VCS#, máquinas fabulosas que começaram a ser exploradas ainda nos anos 60, ganharam estatuto de realeza na década seguinte, para finalmente serem deitadas ao baú das antiguidades, com a explosão do movimento “punk”.
Pete Namlook é o Klaus Schulze dos anos 90. Não só pelo espírito com que aborda a música electrónica como pelo modo como orienta toda a estética da sua editora, bizarramente denominada com o número real do seu fax. Em cada um dos seus discos manifesta-se o prazer do contacto directo e da manipulação em tempo real dos timbres dos sintetizadores, exactamente da mesma maneira que Schulze, quando se entregava às suas divagações planantes, no estúdio ou ao vivo numa catedral.
Ao contrário do “sampler” e restante tecnologia digital (não totalmente posta de lado por Pete Namlook, convém esclarecer), que pede ao compositor uma mentalidade analítica e aconselha à distanciação, o analógico permite uma maior intervenção da intuição do momento, determinando, por outro lado, uma noção mais alargada do tempo (manuseamento de botões, troca de cabos, pesquisa lúdica de novas combinações de filtros e ondas sonoras) real ou psicológico da interpretação. Namlook gravou, de resto, na sua editora, uma obra que é todo um manifesto de intenções, “The Dark Side of the Moog”, com Klaus Schulze, precisamente.
Namlook é um músico prolífero, já com um número razoável de títulos no mercado, desde o projecto de etno ambiental, em dois volumes, “Air”, a parcerias com Bill Laswell, em “Psychonavigation”, ou Jonah Sharp, no electrizante “Wechselspannung”. Os discos aqui em análise datam todos do ano passado e, à excepção de “Syn”, foram gravados ao vivo, em vários festivais de música electrónica, com o intervalo de um mês. Exceptuando “Syn”, em todos eles a música foi “criada intuitivamente no próprio momento da interpretação, sem qualquer conceito prévio”, como se pode ler nos respectivos folhetos.
Existe, no início, apenas o silêncio, antes da descoberta, em cada instante, do fluxo musical, organizado à maneira de um arquitecto que, obra a obra, plano a plano, persegue um modelo de perfeição. O espantoso é a organização e organicidade destas peças, isentas de falhas técnicas e com uma unidade formal que pareceria difícil dentro dos parâmetros de uma gravação ao vivo. Umas são mais inspiradas do que outras, como é evidente, mas todas elas, se mais não tivessem para oferecer, permitem pelo menos o gozo de saborear o som pelo som e revelação do acto criativo que brota espontaneamente da dança interminável do homem com a máquina.
O volume VI de um trabalho que o seu autor design simplesmente por “Namlook” – embora dividido por diversos CD – coloca em evidência a beleza dos timbres, em mutação constante, enquanto o volume X se desmultiplica na sobreposição dervíshica dos sequenciadores de ritmo. Menos recheados de ideias, os volumes VII e o duplo VIII e IX contêm todavia motivos de interesse: a utilização de frequências sub-harmónicas (semelhantes às produzidas pelos pássaros…), em “VII”, ou a utilização inusitada de gravações de vozes étnicas como elementos rítmicos, em “IX”.
“Syn” divide-se em duas vertentes distintas. No primeiro disco, composições abstractas, como “Jugoslavia” e “TAT ‘93”, alternam com alucinantes exercícios de tecno humanizado que apetece ouvir com o volume no máximo. O segundo compacto oferece uma única composição de 55m, “The flight”, obra-prima absoluta do ambientalismo, uma viagem astral pelos espaços nocturnos, verdadeira “trip” em todos os sentidos…
Todos estes discos, de novo com “Syn” a ser a excepção, têm apenas uma composição, indexada em segmentos de cinco minutos, de modo a permitir ao ouvinte pesquisar no seu interior. Os títulos recuperam a corrente cósmica dos anos 70: “Monolith”, “The caves of Cubik”, “Subharmonic Interference”, “The gate to the milky way”…
Para quem pretenda uma visão global do que se passa nas cabeças de quem faz música na Fax, aconselha-se a audição da colectânea “The Ambient Cookbook” – um livro de receitas (o folheto, um tratado de ironia de múltiplas leituras, ensina mesmo a cozinhá-las…) -, sonho electrónico para os fãs do analógico, elaborado, entre outros, por Robert Musso, Dr. Atmo, Jonah Sharp e Tetsu Inuoe, além da presença tentacular do próprio Namlook, a solo, ou em colaborações com outros artistas da editora. Além de que o preço, por vontade expressa de Namlook, é inversamente proporcional às gigantescas dimensões dos temas. Na Fax, todos se gerem por princípios e regras físicas diferentes dos habituais. Quem quiser saber mais, basta enviar um fax…