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Artigo de Opinião: Residents – “Sexta-Feira, 13”

Pop Rock

8 de Maio de 1996

SEXTA-FEIRA, 13

Numa feira de diversões de pesadelo, a viagem conduz ao caos onde a única recompensa é a sobrevivência e a única saída a metamorfose. É “Bad Day on the Midway”, o novo jogo em CD-ROM dos Residents.


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Entrada N 1: “Bad Day on the Midway” é um novo CD-ROM dos Residents, que utiliza tecnologias da nova geração, em termos de gráficos, animação e funcionalidade. O que significa que este jogo, desenhado para os sistemas Windows e Macintosh, é tecnicamente perfeito. O livro de instruções explica tudo, incluindo o perigo de epilepsia. Aconselha-se ainda a idade mínima de 12 anos como a mais conveniente para jogar “Bad Day on the Midway”.
Entrada N 2: A realidade virtual é o parque de diversões dos Residents. A técnica deste grupo de terroristas, cuja identidade permanece incógnita há mais de 20 anos, tem sido, desde sempre, a instalação cerebral da fantasia. A consolidação da imagem. A instauração do mundo como lugar de alienação. Cirurgia. Estratagema. Ocultação. O jogo, método subtil de sabotagem. Com um bisturi nas mãos e um sorriso nos lábios. As toupeiras trabalham.
Entrada N 3: O objectivo último de quem joga “Bad Day on the Midway” é manter-se vivo. Num lugar com a aparência de um parque de diversões onde a acção de desenrola numa dezena de cenários diferentes. O lugar é ocupado por 12 personagens com objectivos e uma personalidade específicos programados em agenda. Como seria de esperar, são lugares de morte, de morbidez e fantasia, povoados por personagens doentes. Física e psicologicamente.
O jogador deverá movimentar-se continuamente, de cenário em cenário, sob pena de lhe acontecer algo desagradável. Deverá também mudar de pele com igual celeridade, experimentando e experimentando-se na psicologia das diversas personagens. A recompensa será a fuga, a saída do parque.
“Bad Day on the Midway”, dizem os Residents, é um antijogo, jogado por um anti-herói, os quais, em última instância, acabam por se tornar num jogo e num herói. O fio condutor, a linha que separa a sobrevivência da insanidade e da morte, exige a assumpção do lado sombrio da “persona”. Eis o nome de algumas das personagens que, dissimuladas na camuflagem cibernética, aguardam o jogador, aquele que possuirá a sua alma sintética e lhes dará alento para disseminarem a doença. Em torça assegurarão a troca de fluidos, transformando o manipulador em manipulado. “The coma man”, “Jocko”, “Dagmar”, “The IRS man”. Cada uma delas esconde segredos e traumas terríveis e está enredada em universos pessoais destituídos de qualquer réstia de normalidade. É dentro delas que cada um se deverá movimentar por sua conta e risco. Encontra-se ainda um oráculo, em “Bad Day on the Midway”, “Madame mandrake”, capaz de, nas situações de “maior confusão” do jogo, dar conselhos e directivas quanto ao caminho a seguir. Para onde?… Para locais tenebrosos como “Sperm whale giving birth to an electric eel”, “Dagmar, the dog woman” ou “Tortures Top Ten”, de onde se sai combalido, depois da visualização, nas masmorras do cérebro, das dez portas que dão acesso ao inferno. Sorte é coisa que não existe em “Bad Day on the Midway”…
Entrada N 4: A realidade, enquanto representação, é construída através das informações recolhidas pelos cinco sentidos. Se outros tivéssemos, e talvez os tenhamos, já ela se nos revelaria de forma diferente, de qualquer modo, nunca definitiva. Vivemos num mundo de representações, de fenómenos. Daqui se depreende que a realidade é aquilo que percepcionamos dela. Consoante a vemos, assim ela é.
Entrada N 5: Os Residents têm por objectivo modificar a nossa percepção do real. Os Residents têm, em consequência, como objectivo, modificar o real. Reajustando-se os parafusos do cérebro, reajusta-se o mundo. O LSD é uma manivela química com essa função. A estratégia dos Residents foi e é a mesma que nos anos 70 e 80 os levou a gravar discos como “Meet the Residents”, “The Third Reich ‘n’ Roll”, “Eskimo”, “The King and Eye” ou a série “The American Composers”. Uma estratégia continuada de deformação. Os Residents sabem que a melhor maneira de deformar, alterar os fios frágeis do real, passa pela subversão, em primeiro lugar, dos mitos que sustentam a nossa percepção e crença no real. Assim os Beatles, Elvis Presley, toda a música dos anos 50 e 60, Gerswhin, James Brown, o nazismo, a sociologia imaginária da civilização esquimó, foram deliberadamente torcidos, desvirtuados, tornados realidades alternativas. Virtuais. A partir daqui, executada a anestesia, (banalização do horror, apologia do prazer, sacralização da imagem), os cirurgiões operam. Acontece a Timmy, única personagem com alguma pureza de “Bad Day on the Midway”, o mesmo que aos meninos de “Pinóquio”, no parque de diversões, onde se entregam aos seus pequenos vícios até se transformarem em burros.
Entrada N 6: Com “Bad Day on the Midway” e, em geral, com a vulgarização dos novos conceitos e tecnologias da realidade virtual, os Residents conquistaram a sua ferramenta mais eficaz. A “inocência do jogo” e a sua natureza lúdica escondem propósitos de ordem filosófica e política, onde o poder, os jogos de poder, constituem a chave principal.
A finalidade de “Bad Day on the Midway” consiste em adequar a mente do jogador às mentes distorcidas das personagens. Imperceptivelmente, o jogador modifica-se, interioriza as fantasias e as deformidades pré-programadas. Com a continuação, o parque virtual coincidirá com a realidade normalizada. Uma das características da programação do jogo é, neste aspecto, bastante elucidativa. As situações de jogo nunca se repetem. Cada um evolui sempre de maneira diferente, acompanhado por um enriquecimento progressivo da psicologia das personagens. O jogador tem por isso ao seu dispor um número ilimitado de possibilidades, sem se dar conta de estar aprisionado num campo afinal limitado ao universo geral que é o do jogo e do programador. A curiosidade e a habituação farão o resto, empurrando o jogador para a exploração continuada de novas e mais retorcidas particularidades do tal lado escuro que, assim, aos poucos irá saindo das trevas do inconsciente para a superfície. Cirurgia. O reino da quantidade e a ilusão da diversidade, limitados por um pentágono invertido, onde o cérebro está amarrado ao sexo.



Top 10 de álbuns de “covers”

26.01.2001
Top 10 de álbuns de “covers”
“It´s Like These” insere-se na tradição de álbuns de “covers”. Aqui ficam alguns dos mais representativos.

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Jean-Luc Ponty
King Kong, blue Note, 1970
“Virtuose” do violino electrificado, ginasta do jazz de fusão, herdeiro de Grappelli, Ponty deu novo rosto instrumental ao papa dos Mothers of Invention, reinventando o humor de “Idiot Bastard son” e “Twenty small guitars”, ou alinhando em cumplicidade com o mestre, em “Music for Electric Violin na low budget orchestra”.

David Bowie
Pinups, EMI 1973
O camaleão ainda arranjou tempo para vestir a pela dos seus heróis, travestindo “See Emily Play”, de Syd Barrett, “I Can’t Explain”, de Townshend ou “Where have all the good times gone”, de Ray Davies.

The Residents
George and James, Ralph 1984
Os amantes da soul, se pudessem, davam-lhes um tiro. Os da música clássica, enforcavam-nos. Os “criminosos” são os Residents, e o crime foi o massacre de James Brown e Gershwin, no primeiro volume de uma série dedicada a compositores americanos deste século.

Marianne Faithful
Strange Weather, Island 1987
Resultou do encontro mágico entre a produção de Hal Wilner e uma voz do fundo da noite. Tom Waits e Bob Dylan sangrados. E os extremos de uma ressurreição sempre incompleta, entre a ferida de “As Tears Go By” e o despojamento sem esperança de “Boulevard of broken dreams”.

Steve Beresford
L’ExtraordinaireJardindeCharlesTrenet, Nato 1988
Do jazzman e lunático Steve Beresford tudo se espera. Mas foi na editora-anedota Chabada que o inglês soltou o humor nonsense e o amor pelas variedades, em particular a “chanson française”, num disco sorridente que levou ao colo as canções de Trenet.

Pascal Comelade
El Primitivismo, les Disques du Soleil e de l’Acier, 1988
Tudo em que toca fica em cacos. E é ao juntar os pedaços com a cola da memória que a música se transforma num brinquedo. Aqui remonta alguns dos seus preferidos: Stones, Wyatt, Nino Rota e Chuck Berry.

Mary Coughlan
Uncertain Pleasures, Eastwest 1990
Uma das mais sensuais vozes da actualidade, a irlandesa Mary Coughlan desfiou álbuns de “covers”, qual deles o mais brilhante. “Uncertain Pleasures” distingue-se pela arrebatadora versão de “Heartbreak hotel”, de Presley, subindo ao cume em “The little death”, dos Boomtown Rats, feito standard de jazz.

Mathilde Santing
Carried Away 1991
Todd Rundgren, Roddy Frame e os Doors contam-se entre os autores de “Carried Away”, veículo para a voz desta holandesa cultivar a arte da elegância. Com a meticulosidade da coleccionadora e o apuro da designer.

Urban Turban
Urban Turban, Resource 1994
Para os suecos Urban Turban, dar lustro a uma canção é esfregá-la com o desregramento. Sarcasmo, rock & roll e sanfonas, numa variante das barbaridades folk dos compatriotas Hedningarna. “Voodoo Chile”, de Hendrix, e “Let’s work together”, dos Canned Heat, caíram que nem ginjas nas mãos dos iconoclastas.

Joni Mitchell
Both Sides Now, Reprise 2000
Uma das damas da pop deste século, na sua primeira incursão no universo das “covers”. Canções sobre o amor, numa paleta interpretativa que vai do recolhimento à orquestração majestosa das emoções. “Standards” na sua acepção mais nobre, de modelos a seguir.