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Mary Coughlan – “Uncertain Pleasures”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 9 MAIO 1990 >> Videodiscos >> Pop


MARY COUGHLAN
Uncertain Pleasures
LP East and West, distri.WEA



A Sra. Coughlan é irlandesa de origem e possuidora de uma voz como há poucas: profunda, sensual e movendo-se com um à-vontade impressionante nos mais diversos registos. As canções de “Uncertain Pleasures”, terceiro de originais da cantora, após “Tired And Emotional” e “Under The Influence”, formam um todo que Mary aproveita da melhor maneira para mostrar ao mundo as suas capacidades vocais. Canções aparentemente desconexas e de autores tão variados como Pete Glenister (também produtor do disco), Elvis Presley, Pete Briquette e Bob Geldof, dos Boomtown Rats ou a dupla Jagger/Richard, constituem afinal um todo perfeitamente coerente, a que a voz e a temática comum que Mary, subjetivamente, lhes atribui, emprestam uma direção bem definida. Como ela afirma, “gosto de cantar sobre o sofrimento de outras pessoas”.
De facto, é sobre sofrimento e desilusões que tratam os vários temas de “Uncertain Pleasures”, título irónico para um disco sofrido em que a dor se transforma, por via do seu canto, em prazer estético. Em temas mais próximos do jazz, como “Man Of The World”, “I Can Dream, Can’t I?” ou o fabuloso e pungente “I Get Along Without You Very Well”, a cantora lembra a sua heroína Billie Holiday, na sensualidade profunda e desesperada do cantar. “Heartbreak Hotel”, o clássico imortalizado por Elvis, é outro momento interpretativo de tirar o fôlego. “Whiskey Didn’t Kill The Pain” sugere entoações de Mathilde Santing, com quem partilha aliás uma idêntica aproximação conceptual na abordagem dos clássicos. “A Leaf From A Tree” e “Red Ribbon”, compostos por Mark Nevin, dos Fairground Attraction, em tintas “folky”, são os temas “leves” de um disco que tem no excelente trabalho de contrabaixo de Danny Thompson o contraponto ideal para a voz da cantora. Decididamente, a música no feminino continua a dar que cantar.

Mary Coughlan – “Sentimental Killer”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 15.07.1992


O BAR DA ÚLTIMA ESPERANÇA

MARY COUGHLAN
Sentimental Killer
LP / CD East West, distri. Warner Music



Sete anos e quatro álbuns bastaram a Mary Coughlan para se afirmar como uma das maiores intérpretes actuais da música popular. E é sobretudo isso que esta irlandesa, herdeira da tradição de Billie Holiday, é: uma intérprete, aquela que dá voz aos sentimentos e desvenda os mistérios que uma canção pode encerrar. Depois de “Tired and Emotional”, “Under the Influence” e o magistral “Uncertain Pleasures”, “Sentimental Killer” volta a dar todo o sentido à máxima perfilhada pela cantora: “A qualidade intrínseca das canções tem mais importância do que qualquer estilo particular.”
Cantar é, neste caso, ser actriz de uma peça multifacetada e de múltiplos enredos, moldar-se e enlear-se em cada canção. Interiorizá-la. Dar-lhe uma forma diferente, específica, sem trair a intenção do compositor (não é regra), mas que se adeque à sensibilidade do intérprete. Potenciá-la ao máximo. Eis onde reside a diferença entre o artista e o mero tradutor. Mary Coughlan sente uma particular atracção pelos temas melancólicos. Pelo lado sombreado de uma melodia. Pela noite, em todos os seus matizes, dos calores tórridos aos grandes terrores. É sempre, ou quase sempre, essa atracção que determina a escolha das canções. E em todas elas, o jogo resulta luminoso. E também nós nos acolhemos ao conforto das sombras, embalados pela voz, transportados não se sabe por nem para onde, até ao limite da noite. Ou da manhã. Como acontece quando escutamos Marianne Faithfull, Mathilde Santing, Billie Holiday. Do cabaré brechtiano à “country” crepuscular, do “gospel” de um Francisco de Assis sublimado ao regresso às origens irlandesas de “Love in the shadows” e “Sentimental Killer”; dos amores proibidos de Marc Almond (“There’s a bed”); das brumas interiores de Jacques Brel (“Hearts”) até ao bar da última esperança de “Just a friend of mine”, entre um piano, uma garrafa e uma cortina de fumo, em todas as vezes Mary Coughlan se transfigura e transfigura, no modo como coloca a voz ao serviço das dores e da inspiração alheias que, no fim, acabam por ser as suas. Em síntese derradeira que a cantora define como a sua “biografia musical”. Diferentemente de “Under the Influence” e “Uncertain Pleasures”, que permanecem como as suas duas obras maiores, “Sentimental Killer” desenrola-se num conjunto de interpretações em que prevalece se não a uniformidade de registos, pelo menos a unidade de ambiente. Como se a cantora quisesse condensar o delírio amoroso, no fim sempre traduzido em ganhos e perdas, num imenso golpe de asa, numa vastidão que só a melancolia permite habitar. Essa habitação onde cada um de nós foi ou será alguma vez morador único. A curar-se das feridas para mais adiante se voltar a ferir nos espinhos da mesma rosa. (8)

Mary Coughlan – “Love Me or Leave Me – The Best of Mary Coughlan”

Pop Rock

30 MARÇO 1994
REEDIÇÕES

Mary Coughlan
Love Me or Leave Me – The Best of Mary Coughlan

Warner Bros., import. Warner Music port.


mc

Nem só dos U2, das “uillean pipes” e dos “tin whistles” se faz a música popular da Irlanda. Mary Coughlan há muito que deveria ter sido coroada rainha irmã de Dolores Keane, como melhor cantora da Irlanda. Mary move-se no universo dos clássicos. Pertence à estirpe das grandes intérpretes/actrizes das inspirações alheias, que moldam à sua própria personalidade até as tornar em algo de pessoal, como se elas, as canções, tivessem sido escritas de propósito para si. Como em Marianne Faithfull ou na actual K. D. Lang, parentes espirituais desta irlandesa pouco fotogénica mas dona de uma voz magistral, Mary Coughlan segue por percursos tortuosos, alternando momentos de aparente apaziguamento com dilacerações do corpo e da alma. As desilusões amorosas e o desencanto com a vida assumem, como é costume e natural nestes casos – da felicidade não reza, ou reza pouco, a História, como dizia o outro –, um papel fulcral no desempenho formal e emocional da cantora. São canções quase sempre nocturnas, húmidas de chuva ou de álcool que, neste desafio entre o amor e a recusa que o título do álbum nos atira à cara, se colam a nós com a urgência das coisas que precisam ser ditas. E é mesmo assim: ame-se ou então abandone-se Mary Coughlan e procure-se noutras paragens o conforto que ela não pode nem nos quer dar. “Love Me or Leave Me” reúne em 70 minutos de música imaculada canções dos seus quatro álbuns de originais gravados em estúdio, alinhados segundo uma lógica não cronológica que ao ouvinte competirá decifrar: “Tired and Emotional”, cinco temas, “Under the Influence”, quatro temas (ambos de 87), “Uncertain Pleasures” (a obra-prima de 90), seis temas, e “Sentimental Killer” (92), três temas, além de “I’d rather go blind”, que não figura em qualquer destes álbuns. Só não leva nota máxima por se tratar de uma colectânea. (9)